A convivência dos produtores rurais com plantas daninhas resistentes a herbicidas é uma realidade que faz parte da rotina de muitos produtores de grãos e fibras do Brasil. Desde o primeiro relato, que ocorreu em meados da década de 80, até os dias de hoje, o registro de espécies que apresentam biótipos (indivíduos) resistentes têm aumentado de maneira acentuada.
Atualmente, há 28 espécies que apresentam biótipos resistentes a herbicidas registrados no Brasil (HEAP, 2021). Associado a este fato, nota-se rápida dispersão destas plantas para as principais regiões produtoras brasileiras.
Estima-se que 30% das áreas cultivadas com soja no Brasil estejam infestadas por plantas daninhas resistentes a herbicidas, ocasionando perdas econômicas na ordem 9 bilhões de reais por ano (ADEGAS, 2017). Portanto, trata-se de um problema real que deve ser enfrentado com seriedade pelo setor produtivo.
Dentro do contexto atual da agricultura, o número de casos de resistência ao herbicida glifosato é o que ocasiona maior preocupação aos produtores, pois trata-se da principal molécula utilizada para o controle de plantas daninhas.
No ano de 2021, no Brasil, encontram-se registradas 11 espécies que apresentam biótipos resistentes a este herbicida. Cronologia dos registros: em 2003 - azevém (Lolium perenne ssp multiflorum); 2005 e 2010 – buva (Conyza bonariensis, C. canadensis e C. sumatrensis); 2008 - capim-amargoso (Digitaria insularis); 2014 - capim-branco (Chloris elata); 2015 – caruru-palmeri (Amaranthus palmeri); 2016 – capim-pé-de-galinha (Eleusine indica); 2019 – leiteiro (Euphorbia heterophylla); 2020 - caruru (Amaranthus hybridus e A. retroflexus); 2021 – capim-arroz (Echinochloa crus-galli var crus-galli). Exceção o caruru-palmeri, que se trata de uma planta daninha quarentenária presente, a dispersão dos demais biótipos resistentes tem ocorrido de maneira muita rápida e pode ser atribuído sobre tudo ao trânsito de máquinas agrícolas.
O aumento do número de relatos de falhas de controle, de espécies que apresentam biótipos resistentes, em áreas novas de cultivo, como em algumas regiões do Pará e Maranhão ilustram bem este fato.
O cenário da resistência ao glifosato torna-se ainda mais complicado ao verificarmos que dentre todas as espécies relatadas, somente, o capim-branco não apresenta resistência múltipla. Este fato merece atenção por parte de produtores e técnicos, pois indica claramente que o controle destas plantas está sendo realizada de maneira equivocada.
A estratégia de manejo adotada pela maioria dos produtores consiste no manejo reativo, que se caracteriza pelo uso da ferramenta (herbicida) até ela deixar de ser efetiva. Trata-se de uma alternativa eficaz em um primeiro momento, mas que se adotada por muito tempo perde a sua efetividade. Isto ilustra perfeitamente o que vem acontecendo com o herbicida glifosato.
O uso contínuo e indiscriminado deste herbicida vem favorecendo a seleção de biótipos resistentes, ocasionando a sua perda de eficácia. Para resolver este problema, a estratégia de controle adotada, por muitos produtores, têm sido se apoiar em um único herbicida efetivo no controle da planta daninha-alvo para ser aplicado junto ao glifosato.
Desta forma, é repetido o mesmo equívoco que ocasionou a perda efetividade do primeiro herbicida. Não há rotação de ingredientes ativos! Esta estratégia pode promover um efeito bola-de-neve, e contribuir para o aparecimento de casos de resistência múltipla como o de um biótipo de buva (Conyza sumatrensis), caracterizado como resistente a cinco herbicidas de diferentes mecanismos de ação (EPSPs, ALS, PPO, AUX, FSII e FSI).
Um dos grandes nomes da Ciência de Plantas Daninhas, mundialmente reconhecido sua contribuição na área de resistência a herbicidas, é o pesquisador australiano Steven Powles. Ele faz uma analogia interessante.
Associa o aumento do número de casos de resistência a plantas daninhas a uma epidemia denominada por ele de HOS (herbicide only syndrome) que em uma tradução livre seria algo como (“Síndrome do Uso Único de Herbicida”). Trata-se de um problema global que aflige os principais países produtores de alimentos. De maneira geral, produtores têm negligenciado as boas práticas agrícolas e apostam em soluções imediatistas/simplistas para a resolução do problema. Estes países tem observado aumentar de maneira muito rápida os números de casos de resistência, tornando o manejo cada vez mais oneroso.
Há uma regra de ouro que todos os agrônomos aprendem na escola e se esquecem de aplicar: resistência/diversidade. Esta relação nos fala de maneira simples e direta que quanto maior a diversidade de controle, menor a resistência.
Desta forma, cabe sempre reforçar a importância de adoção, por parte de produtores, de estratégias de manejo proativas, que objetivem preservar as alternativas disponíveis, através da diversificação das medidas de controle.
Dentre as medidas eficazes para o manejo da resistência destaca-se: uso de plantas de cobertura; rotação de culturas e herbicidas; a adoção de práticas culturais que favoreçam o rápido e adequado estabelecimento da cultura; limpeza rigorosa de máquinas e implementos agrícolas; controle de plantas daninhas nas bordas das áreas de cultivo; catação mecânica ou química para evitar a dispersão em área total. É importante que as estratégias de manejo de plantas daninhas utilizem métodos diversificados.
O cenário atual demonstra que o manejo reativo não é uma estratégia sustentável. Não devemos esperar a que o problema ocorra ou se agrave para então reagir com medidas de controle. A prevenção para evitar a entrada da espécie em uma área ou para evitar que o problema se alastre assim como a integração de diferentes alternativas de controle são atitudes importantes para o adequado manejo da resistência.
Novas tecnologias são ferramentas importantes para o manejo da resistência, entretanto elas devem ser sempre utilizadas levando em consideração os velhos e bons preceitos do Manejo Integrado de Plantas Daninhas.
Referências
ADEGAS, F.S.; VARGAS, L.; GAZZIERO, D.L.P.; KARAM, D.; SILVA, A.F. AGOSTINETTO, D. Impacto econômico da resistência de plantas daninhas a herbicidas. Embrapa soja. Circular Técnica, 132. 11 pg. 2017.
HEAP, I. The international Herbicide-resistant weed database. Disponível em: Acesso em 08 fev 2021