Mofo-branco em plantas voluntárias de soja e daninhas


Autores: José de Alencar Lemos Vieira Junior; Otávio Ajala Fiorentin; Michel de Abreu Baroni
Publicado em: 30/06/2019

O mofo-branco, causado pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum (Lib.) De Bary, foi a doença que ocasionou os maiores danos nas lavouras de soja cultivadas em regiões acima de 650 m de altitude do Rio Grande do Sul e Santa Catarina nas safras 2017/18 e 2018/19. A compreensão da interação patógeno hospedeiro faz-se necessária para determinar as melhores estratégias de manejo e definir estudos sobre possíveis epidemias.

A principal fonte de inóculo da doença em áreas com histórico de ocorrência são os escleródios produzidos pelo fungo. Essas estruturas de sobrevivência são constituídas pelo aglomerado de hifas cobertas por uma camada de melanina que confere a coloração negra característica (BELL & WHEELER, 1986). A introdução do fungo em áreas onde a doença nunca foi observada ocorre pelo cultivo de sementes infectadas e/ou sementes contaminadas com escleródios.

Uma fonte de inóculo muito comum na região sul do Brasil são as sementes de plantas de cobertura contaminadas com escleródios, como o nabo forrageiro. A quantidade de inóculo da doença é aumentada ao longo dos anos com a monocultura da soja ou cultivo de espécies hospedeiras, como por exemplo o feijão, o nabo e a canola.

Há relato de que mais de 400 espécies vegetais sejam hospedeiras do patógeno (BOLAND & HALL, 1994). Normalmente, após a colheita da soja o produtor realiza a semeadura de plantas de cobertura, podendo também ocorrer a germinação/emersão de plantas perenes.

Na região sul do país, a principal espécie de cobertura é a aveia (Avena spp.), que pode ser semeada a lanço, com semeadora ou através do nascimento de plantas voluntárias. As falhas durante a colheita mecanizada da soja resultam em deposição de grãos sobre o solo.

Estes grãos podem germinar dando origem a plântulas que, na ausência de geadas, irão se desenvolver como plantas voluntárias nos campos no período de entressafra. Neste outono de 2019, não foram registradas geadas no município de Lagoa Vermelha/RS até a data de 7 de junho. O ambiente com temperaturas amenas e o excesso de falhas na colheita propiciaram lavouras com até 120 plantas de soja voluntária por m2 (Figura 1). Nas lavouras de inverno é comum observar plantas de soja voluntárias com oídio e ferrugem.

No entanto, a detecção de plantas com mofo-branco é rara pois o principal sítio de infecção do fungo são as pétalas florais senescentes, dificultando a infecção, visto que as plantas de soja voluntárias costumam não florescer por ausência de condições ambientais favoráveis. Neste mesmo período, a aplicação de herbicidas para controle de plantas daninhas é usualmente recomendada.

Entre os herbicidas utilizados, o 2,4-D e o metsulfurom-metílico são aplicados para controle de plantas daninhas de folha larga, principalmente de buva e nabo. O objetivo do trabalho foi quantificar a incidência de plantas voluntárias de soja e plantas daninhas colonizadas por S. sclerotiorum e o número de escleródios produzidos nestas plantas em lavoura de aveia-preta no município de Lagoa Vermelha, RS.

A lavoura de 15 ha está localizada a 28º13’21.32”S , 51º29’55.31O e 794 m de altitude. Este foi o segundo ano consecutivo onde se cultivou soja no verão e aveia-preta no inverno. A colheita do cultivar BRS 5601 RR foi realizada em 30 de março, com semeadura da aveia no mesmo dia.

O controle de plantas daninhas foi realizado em 16 de abril com a pulverização de 1,6 l/ha de U46 (806 g/l de 2,4 D amina) e 6 g/ha de Ally (600 g/kg de metsulfurom-metílico). As avaliações foram realizadas em 10 pontos ao acaso no dia 7 de junho de 2019. Em cada ponto de amostragem, foram quantificados o número de plantas voluntárias de soja em 1 m2 e a incidência de mofo-branco (%) em contagem de 100 plantas, totalizando 1.000 plantas avaliadas. Foi considerada doente a planta com crescimento micelial de S. sclerotiorum ou presença de escleródios.

Na semana seguinte, foi demarcada ao acaso uma área de 25 x 25 m, totalizando 625m2 para quantificar o número de espécies vegetais com mofobranco. As plantas foram coletadas e enviadas ao laboratório para contagem do número de escleródios por planta sintomática. A lavoura apresentou 5 mil pl/ ha voluntárias de soja. As plantas estavam entre V2 e V4 e, mesmo não sendo detectado plantas com inflorescências, houve 29% de incidência de mofo-branco.

Segundo Lumsden (1979), o aumento da severidade da doença está associado ao clima úmido, condições essas encontradas entre a colheita e a avaliação.

Nesse período, a chuva acumulada foi de 185 mm, com temperaturas máximas e mínimas de 28ºC e 6ºC, respectivamente (INMET, 2019). A principal fonte de inóculo da doença para a cultura da soja são os ascósporos.

Para a penetração do fungo nos tecidos do hospedeiro são requeridos nutrientes externos, por isso, o principal sítio de infecção do fungo são as pétalas em senescência, momento em que o fungo encontra fonte exógena de energia para que os ascósporos possam germinar, e mais importante, penetrar no hospedeiro (McLEAN, 1958; BOLAND & HALL, 1988).

As hipóteses que podem explicar a colonização do fungo em plantas de soja no período vegetativo estão relacionadas a injúria nos tecidos pelo frio, a senescência das plantas pela aplicação de herbicidas e a injúria por insetos. As espécies tropicais e subtropicais são suscetíveis ao dano por resfriamento. Os danos incluem crescimento lento, lesões foliares e murcha. (TAIZ & ZEIGER, 2004).

Apesar da ausência de geada, a temperatura amena registrada no período (INMET, 2019) pode ter causado injúria aos tecidos, semelhante ao observado em lavouras de soja no primeiro decêndio de dezembro de 2018 (VIEIRA JUNIOR, 2018). Outra hipótese é que a colonização do fungo tenha sido favorecida pela aplicação de herbicidas. O principal mecanismo para a ação do 2,4 D nas plantas estimula a produção do ácido1- carbocílio-1-aminociclo-propano (ACC) sintase, enzima responsável pela síntese do hormônio etileno.

O incremento na concentração do etileno causa a senescência e consequente morte das plantas (GROSSMANN, 2010).

A soja (77%) foi a planta daninha com maior ocorrência de mofo-branco, seguida pelo leiteiro (25%), guanxuma (1%) e serralha (1%) (Tabela 1). Em 43 % das plantas de soja foram encontradas larvas ou pupas de mosca-da-haste da soja (Melanagromyza spp.) (Figura 2). Também foi observado a infestação de besouro-preto (Lagria spp.) durante a amostragem de campo, o que justifica a presença de 65% das plantas de leiteiro com sintomas de injúria pela alimentação do inseto (Figura 3). As quatro espécies vegetais com mofo-branco apresentaram sintomas no terço médio e superior, sendo assim, difícil apoiar a hipótese da infecção ter ocorrido por contato planta a planta ou devido ao crescimento micelial de S. sclerotiorum na base das plantas.

A ocorrência de mofo-branco em plantas do gênero Euphorbia spp., que é o mesmo gênero do leiteiro, e em serralha e guanxuma já haviam sido relatadas por Boland & Hall (1994). Hípotese que precisa ser confirmada é de que a formação de galerias na haste e a morte do ponteiro da planta pela moscada-haste da soja pode ter relação com a incidência de plantas de soja infectadas por S. sclerotiorum. No caso do besouro-preto a injúria também pode justificar a quantidade de plantas de leiteiro com o fungo. No entanto, a infecção pela inflorescência foi amplamente observada (Figura 4). Outro questionamento que surge é sobre a possibilidade do inseto transportar o micélio aderido ao corpo até o sítio de infecção (Figura 5). Segundo Comunicado Técnico da Embrapa ( LIZ et al., 2009), o inseto pode atuar como disseminador de bactérias e fungos fitopatogênicos.

Atualmente, o besouro-preto não apresenta importância econômica no cultivo da soja.

No entanto, há relato do inseto causando danos pela queda de vagens, destruição de grãos e qualidade nas sementes em lavouras de soja na região de Santo Antônio das Missões (LINK, 1981). A maior quantidade de escleródios por planta foi observada em leiteiro, variando de 1 a 26 com média de 7 escleródios. Na soja, 77% das plantas não produziram escleródios, com máximo de 5 e média de 0,4 escleródios por planta. O leiteiro é uma planta anual e pode iniciar o florescimento 20 dias após a emergência (HOLM et al., 1997). A diferença na produção de escleródios pode ter relação com o estádio fenológico/cronológico das plantas avaliadas, pois as plantas de soja estavam no período vegetativo e o leiteiro no início da formação das sementes.

Os tecidos injuriados pelo frio e/ou aplicação de herbicidas podem ter favorecido a senescência de tecidos da planta, permitindo assim a infecção, já que, não é essencial a presença de pétalas para infecção, e sim tecidos em senescência ou necrosados. Além disso, a incidência de plantas com mofobranco pode ter relação com a injúria causada por mosca-da-haste da soja.

A ausência de vazio sanitário no estado do Rio Grande do Sul é um fator que necessita ser discutido, pois tem sido observado que além do fungo S. sclerotiorum, a ocorrência de plantas voluntárias de soja durante o período de inverno contribui para a sobrevivência de outros fitopatógenos o que pode aumentar o inóculo inicial para a safra subsequente. Desta forma, mais avaliações devem ser feitas para determinar com exatidão a causa da infecção prematura em plantas de soja, que nos traz preocupações quanto ao seu impacto na próxima safra de soja.