Giovana Ghisleni Ribas, Michel Rocha da Silva, Ary José Duarte Junior, Ioran Guedes Rossato, Lorenzo Dalcin Meus, Vladison Fogliato, Isabela Bulegon Pilecco, Jossana Ceolin Cera,Pablo Mazzuco Souza, Gionei Alves de Assis, Fernando Miranda,Nereu Augusto Streck, Alencar Junior Zanon
Introdução
Uma nova abordagem foi desenvolvida à nível global a partir de um projeto chamado “Global Yield Gap Atlas” (GYGA – www.yieldgap. org), criado devido às preocupações com a segurança alimentar e nutricional da população em todo o mundo. O projeto tem como objetivo identificar o potencial de produtividade, a lacuna de produtividade e os fatores de manejo que impedem os produtores aumentarem as produtividades das lavouras das principais culturas agrícolas.
Neste contexto, como resultado deste projeto, espera-se identificar quanto é possível produzir de alimentos em cada hectare agricultável ao redor do planeta de forma sustentável. Atualmente fazem parte do projeto GYGA mais de 54 paises, sendo o Brasil um deles, que vem sendo representado, desde 2015, pela Equipe SimulArroz no Estado do Rio Grande do Sul (RS).
Pesquisas anteriores (MULLER et al., 2012) indicam que o Sul do Brasil, especialmente o estado do RS, poderia se tornar um futuro celeiro mundial na produção de arroz irrigado. Celeiros são regiões que produzem um grande e estável excedente de uma ou mais culturas alimentares que não apenas atendem à demanda local, mas também podem contribuir para o suprimento de alimentos em outras regiões. O estado do RS tem potencial para se tornar um grande celeiro de grãos, pelo fato de que a área que se produz arroz irrigado recebe radiação solar abundante (21 MJ/m2/dia - média diária durante a safra – Setembro à Março –), que é igual ou maior do que todos os celeiros existentes no mundo (BOURNE, 2014; CASSMAN, 1999).
Neste sentido o objetivo desse estudo foi avaliar quanto os produtores de arroz irrigado estão produzindo em relação ao potencial de produtividade, e identificar as principais práticas de manejo que devem ser melhoradas para aumentar a produtividade de arroz irrigado no estado do RS, que é o maior produtor de arroz irrigado do Brasil (1,1 milhão ha) representando 77% da produção nacional (CONAB, 2019).
Como foi feita a coleta de dados de manejo em lavouras de arroz irrigado no RS
As informações sobre produtividade e práticas de manejo nas lavouras de arroz irrigado foram coletadas em três safras (2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018) nas seis regiões produtoras do estado do RS: Fronteira Oeste (FO), Campanha (CA), Região Central (RC), Planície Costeira Interna (PCI) e Planície Costeira Externa (PCE).
Os produtores de arroz irrigado forneceram informações de manejo de suas lavouras através de uma entrevista, preenchendo um questionário, feita por extensionistas do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), os quais são protagonistas neste projeto, e por integrantes da equipe SimulArroz de Santa Maria, Itaqui e Pelotas, RS.
Resumidamente, os produtores foram solicitados a relatar a localização da lavoura, produtividade média da lavoura, manejo da cultura (data de semeadura, densidade de semeadura, cultivar utilizada e método de preparo do solo), insumos aplicados (irrigação, fertilizante, inseticida, fungicida, herbicida), e incidência de insetos-praga, doenças e plantas daninhas. As informações coletadas foram inseridas em um banco de dados digital. Após o controle de qualidade, o banco de dados continha um total de 324 lavouras de arroz irrigado no RS.
Potencial de produtividade, produtividade média do produtor e lacuna de produtividade
A diferença entre o potencial de produtividade e a produtividade média obtida nas lavouras dos produtores é chamada de “lacuna de produtividade” (Figura 1). O potencial de produtividade é definido como sendo a produtividade da melhor cultivar adaptada que cresce sem limitação de manejo, de água e de nutrientes, não ocorrendo competição com plantas daninhas, insetos e doenças.
Desta forma, o clima da região (temperatura e radiação solar) será o fator que irá determinar o potencial de produtividade da lavoura. Neste estudo utilizamos o modelo agrícola SimulArroz para estimar o potencial de produtividade do arroz irrigado para o RS. A produtividade média obtida nas lavouras de arroz irrigado, é menor que a produtividade potencial devido aos fatores que limitam a produtividade, incluindo nutrientes, manejo da cultura, presença de insetos, doenças e plantas daninhas. Estes fatores que causam a lacuna de produtividade devem ser identificados em cada lavoura, e então corrigidos para se aumentar a produtividade média.
Data de semeadura: o principal fator de manejo que explica a lacuna de produtividade nas lavouras de arroz irrigado no RS
Semeadura no cedo (setembro - início do período recomendado para semeadura no RS) é a chave para a redução da lacuna de produtividade, pois permite que a cultura “colha” a maior parte da radiação solar disponível, especialmente no período que é crucial para a formação da produtividade (entre o florescimento e enchimento de grão - R4 a R7).
A Figura 2 mostra as produtividades obtida nas 324 lavouras (círculos vermelhos) versus suas respectivas datas de semeadura. A linha preta tracejada é chamada de “função limite” e foi derivada a partir das maiores produtividades médias obtidas nas lavouras em cada uma das datas de semeadura. Esta linha delimita a máxima produtividade que pode ser atingida para o arroz irrigado em cada data de semeadura visando o lucro do produtor.
Alcançar ou não alcançar esta máxima produtividade que fornece o maior lucro irá depender de outros fatores, tais como a utilização de práticas de manejo específicas para cada lavoura, além da data de semeadura. Nossos resultados mostraram que existe uma lacuna de produtividade média nas lavouras de arroz irrigado no RS de 114 sacos/ ha sendo o atraso na data de semeadura o fator mais consistente.
O atraso na data de semeadura a partir de setembro leva a uma perda média de produtividade de - 1 saco por hectare por dia, este valor representa um “custo de oportunidade” para aqueles produtores que realizam a semeadura da lavoura tardiamente. Para evitar este custo, é preciso planejar a lavoura pensando na viabilidade de fazer a semeadura em setembro, como é o caso das regiões da FO e CA que conseguem fazer este tipo de planejamento.
Caso não seja possível realizar a semeadura em setembro em virtude das intempéries climáticas, como é o caso da região RC, que faz a semeadura em novembro, os produtores podem reduzir o investimento em insumos, por exemplo o nitrogênio, que em virtude do menor potencial de produtividade pode ter sua aplicação reduzida, e assim, aumentar a margem de lucro.
No entanto, na Figura 2 é possível observar que mesmo alguns produtores fazendo a semeadura em setembro não alcançaram altas produtividades (> 200 sacas/ ha). Estas lavouras foram analisadas, e foram identificados problemas com outros fatores de manejo, como: a qualidade da semente, as áreas não fazem a rotação na primavera/verão com soja ou pousio (com ou sem gado), escolha da cultivar com menor potencial produtivo e a quantidade utilizada de fertilizantes.
Note que neste caso, são outros fatores de manejo que estão causando a lacuna de produtividade, porém quando analisamos as 324 lavouras conjuntamente, identificamos o atraso da época de semeadura como sendo o fator mais importante no RS. Porém isso não significa que as outras práticas de manejo devam ser tratadas com menor importância, pois para construirmos uma lavoura com alta produtividade, é preciso prestar atenção em todos os fatores de manejo que podem limitar a produção de grãos de arroz.
Para um determinado produtor que faz a semeadura no tarde (novembro e/ou dezembro), o custo de oportunidade pode ser estimado multiplicando o valor da perda diária pelo número de hectares, o preço atual do arroz irrigado e o número de dias de atraso da semeadura em relação a setembro. Por exemplo, dado que o preço médio da saca de arroz irrigado fosse R$38,00/saca, a perda de produtividade em 10 hectares de uma determinada lavoura semeada no dia 1 de outubro no RS (30 dias após 1 de setembro) seria de R$11.400,0 (30 x 1 x 10 x 38 = R$11.400,0).
Isso seria um bom retorno para o produtor que simplesmente planejou semear sua lavoura de 10 hectares 30 dias antes. Verifique sua data de semeadura em anos anteriores e use a Figura 2 para estimar o custo de oportunidade associado com o atraso da época de semeadura Sabe-se das dificuldades que alguns produtores enfrentam para semear suas lavouras no início do período recomendado, em função do controle de plantas daninhas, problemas com enchentes, entre outros.
No entanto, a região orizícola do RS por estar localizada entre as latitudes 29oS a 35oS recebe, na primavera/verão, uma grande quantidade de radiação solar (21 MJ/m2/dia), a qual é suficiente para se alcançar produtividades superiores a 240 sacos/ha, para tal o produtor de arroz precisa ajustar o manejo da lavoura pensando, principalmente, em semeadura no cedo (setembro) para atingir altas produtividades.