A calagem pode afetar disponibilidade de micronutrientes em Plantio Direto?


Autores:

Equipe Editorial Revista Plantio Direto

Publicado em: 30/04/2019

Introdução

Várias características do solo, como pH, matéria orgânica e temperatura podem afetar o quanto os nutrientes estão disponíveis para as plantas. Sabemos que o cultivo em Sistema de Plantio Direto (SPD) aumenta a quantidade de matéria orgânica na superfície do solo ao longo do tempo, aumenta o pH em superfície quando é feito calagem sem incorporação, e também que a umidade e temperatura do solo diminuem no Plantio Direto, quando em comparação ao plantio convencional.

Isso tudo pode levar, em alguns casos, a deficiências de micronutrientes, que podem aumentar com o tempo de Plantio Direto, pois a matéria orgânica pode se ligar com esses nutrientes e indiponibilizá-los. Por outro lado, além das características do SPD, o uso excessivo de calcário (ou outros materiais para correção do solo) podem aumentar o pH, o que por sua vez, altera o equilíbrio químico do solo e pode levar, também, a indisponibilização de alguns nutrientes, mais notadamente os considerados micronutrientes.

Vários casos já foram relatados no Brasil de situações em que a correção exagerada do solo levou a deficiências nutricionais em lavouras. Porém, muitas vezes esse é um argumento que pode não ser exatamente correto, considerando que diversos estudos mostram que em determinados casos, altas doses de calcário não necessariamente causam deficiência de micronutrientes como Zinco (Zn), Ferro (Fe) e Manganês (Mn).

Na realidade, os diversos estudos realizados mostram que são vários fatores que interferem nessa questão, e cada caso deve ser estudado especificamente. Considerando esse assunto, os pesquisadores Silvino Guimarães Moreira, Luís Ignácio Prochnow, Volnei Pauletti, Bruno Montoani Silva, Jorge de Castro Kiehl e Carine Gregório Machado Silva publicaram um artigo com dados de um experimento de longa duração, onde foi aplicado calcário a lanço em diferentes doses na superfície ou incorporados na camada de 0-20 cm, em um Latossolo Vermelho sob diferentes tempos de Plantio Direto, buscando avaliar o efeito dessa calagem na disponibilidade de micronutrientes no solo

Como foi feito esse experimento?

O trabalho foi feito em um Latossolo Vermelho muito argiloso, em Tibagi, no Estado do Paraná, em áreas que haviam sido conduzidas por três, seis e nove anos de SPD. As áreas com três e seis anos de Plantio Direto eram localizadas em áreas comerciais de produção de grãos, e a de nove anos era uma área experimental.

Você pode conferir mais detalhes a respeito das lavouras anteriores aos tratamentos na publicação de 2001 por Moreira, Kiehl, Prochnow, e Pauletti, nas referências. Para o experimento, foram calculadas quais seriam as doses de corretivo para elevar a saturação de bases até 70% nas três diferentes áreas. As doses encontradas foram 3.030, 3.380 e 2.485 kg/ha, respectivamente, nas áreas com 3, 6 e 9 anos sob Plantio Direto.

A partir dessas quantidades de calcário, foram avaliadas doses de 0% (sem calcário), 33%, 67%, e 100% da dose total, além de ser feito uma aplicação da dose total com incorporação do calcário a 20 cm de profundidade, usando arado de discos. Foram avaliados os três tempos de duração de SPD (3, 6 e 9 anos), cada um com cinco tratamentos diferentes de calcário.

Além disso, foram coletados dados de dois momentos de amostragem, e também de quatro profundidades diferentes. No experimento, foi semeado soja (da cultivar Embrapa 59) em outubro de 1998, com espaçamento de 45 cm entrelinhas e 16 plantas por metro.

As sementes foram inoculadas com Bradyrhizobium e tratada com molibdato de sódio. Na semeadura, foram aplicados 200 kg/ha de fertilizante NPK formulação 0-20-20, no sulco. Foi feita amostragem de solo e folhas no estádio V4 (terceiro “trifólio” aberto, em 17 de dezembro de 1998) e R2 (florescimento, em 26 de janeiro de 1996).

O que foi encontrado?

O pH do solo nesse estudo não afetou a disponibilidade de micronutrientes, com exceção do cobre e do ferro nos solos de seis e nove anos de SPD, e também do manganês, no solo de seis anos de SPD, conforme pode ser observado nos dados da tabela 2.

A conclusão é de que o aumento do pH provavelmente não foi suficiente para reduzir a solubilidade dos micronutrientes no solo. Inclusive, em algumas situações do trabalho, um pequeno aumento no teor de boro do solo foi observado na segunda amostragem.

No caso do boro, o aumento no pH, ou seja, o uso da calagem, pode acelerar a decomposição da matéria orgânica e liberar boro no solo (Tisdale et al., 1985). A ideia nesse estudo é que o boro possa ter sido adsorvido por Hidróxido de Alumínio (Al(OH)3) no momento da amostragem no florescimento, e depois ter sido liberado na solução do solo, e consequentemente foi absorvido pelas plantas.

Alguns estudos mostram que, mesmo com altas doses de calcário, a adsorção de boro pelo solo acontece mais no primeiro ano de aplicação de calcário, e que depois, esse boro é liberado na solução do solo. Outra questão nos resultados do trabalho é que, mesmo que as concentrações de ferro e manganês nas folhas de soja reduziram, ainda assim não houve deficiência nutricional.

Nesse estudo, o efeito da calagem no teor de ferro, manganês e zinco foi estudado a cada ano, e em cada profundidade, porque houveram interação estatísticas. Já o boro e cobre não foram influenciados pela dose de calcário e o número de anos sob plantio direto.

Boro

A calagem geralmente reduz a quantidade de boro no solo porque o alumínio (Al3+) presente no solo se precipita na forma de Al(OH)3, que é uma substância que adsorve grandes quantidades de boro.

Por isso, a baixa quantidade de alumínio trocável nesses solos (tabela 1) pode explicar a falta de resposta de boro à calagem. Já o comportamento do boro nos primeiros centímetros do solo parece ter sido mais relacionado a quantidade de Matéria Orgânica, que é uma das principais fontes de boro para as plantas.

Cobre

No caso do cobre, é possível que o aumento no pH nesse estudo não tenha sido suficiente para reduzir a solubilidade do cobre na forma Cu2+. Aumentos no pH do solo acima de 6 induzem a transformação do cobre, o que faz com que o cobre seja mais adsorvido pelas partículas do solo e pela matéria orgânica.

A solubilidade do cobre na forma Cu2+ é dependente do pH, e essa solubilidade reduz aproximadamente 100 vezes toda vez que o pH aumenta em um. Além disso, o cobre também é governado pela matéria orgânica em muitos solos, porque ela tem capacidade de complexar e quelar esse elemento na forma química Cu2+.

Ferro

O ferro também variou pouco com as doses de calcário. Na área com seis anos sob SPD, a incorporação da dose total de calcário (3.380 kg/ha) resultou em menor quantidade de ferro disponível na camada de 5 a 10 cm do que quando 2/3 dessa dose foi aplicada em superfície. Na camada de 0 a 5 cm, o oposto ocorreu (a incorporação da dose total de calcário teve maior quantidade de ferro disponível do que a camada de 5 a 10 cm).

Ou seja, provavelmente houve redução dessa quantidade de ferro por causa da melhor distribuição e dose do calcário pela incorporação com arado. Já no solo com nove anos de SPD, todas as doses de calcário aplicadas na superfície reduziram o teor de ferro na camada de 0 a 5 cm.

Um maior efeito do calcário no ferro já era esperado porque a quantidade de ferro na forma férrica (Fe3+) e ferrosa (Fe2+) reduz 1000 vezes e 100 vezes, respectivamente, com o aumento de uma unidade do pH do solo. No entanto, nesses solos, outros fatores como potencial redox e matéria orgânica devem ser considerados.

Manganês

O manganês na superfície das áreas de três e seis anos sob SPD diminuiu mais quando o calcário foi incorporado do que quando aplicado em superfície. No solo de nove anos sob SPD, a incorporação de calcário também reduziu o manganês na camada de 0 a 5 cm comparado com 2/3 da dose aplicada em superfície. A prática de incorporação do calcário pode ter aumentado o contato do calcário com as partículas do solo, assim aumentando sua ação na redução de formas solúveis de manganês.

Além disso, o manganês da superfície pode ter sido diluído nas camadas inferiores através da incorporação. Também, a incorporação pode ter aumentado as reações de oxidação do Mn2+ para Mn4+ porque ela aumenta a aeração do solo. O aumento no pH do solo pela calagem pode aumentar a atividade biológica, aumentando a quantidade de matéria orgânica dissolvida, e por consequência, aumentando a solubilidade do manganês.

Nesse estudo, a maior quantidade de manganês disponível na superfície do solo foi relacionada com o alto teor de matéria orgânica, que seria uma fonte desse nutriente, embora seja importante considerar que a matéria orgânica pode também reduzir a disponibilidade de Mn devido a formação de quelantes não solúveis desse elemento.

Zinco

No caso do zinco, o maior efeito da calagem aconteceu na área com três anos sob SPD, em que todas as doses de calcário aplicadas (33%, 67% e 100%) reduziram a quantidade de zinco em superfície. A maior variação nesse caso pode ser devido ao pH inicial do experimento estar mais alto. Em um pH acima de 6, as formas solúveis do zinco diminuem porque elas são transformadas em compostos não muito solúveis, como Zn(OH)2 e ZnCO3.

Conclusão

Os resultados indicaram que, em geral, não houve diferenças nas concentrações de micronutrientes no solo e nas folhas de soja em função dos anos sob Plantio Direto, doses de calcário aplicadas e mesmo da incorporação desse calcário.

As concentrações de boro, cobre, ferro e zinco nas folhas de soja não foram alteradas pelas doses de calcário, o que mostra um efeito fraco da calagem nos micronutrientes extraíveis, e parece que as diferenças no comportamento dos micronutrientes em solos sob SPD, quando comparamos com os solos sob Plantio Convencional, são principalmente devido ao teor de matéria orgânica.

Esses dados sugerem que as doses atuais de calcário aplicadas na superfície do solo em áreas de Plantio Direto não, necessariamente, levam a deficiência de micronutrientes.

Mais informações sobre o experimento podem ser encontradas em Acta Sci., Agron. vol.39 no.1 Maringá jan./mar. 2017

Relembre os Micronutrientes

Micronutrientes são 8 elementos químicos que são utilizados em pequenas quantidades pelas plantas, embora tenham funções essenciais no desenvolvimento delas. Consideram-se normalmente como micronutrientes aqueles elementos sem os quais a planta não consegue completar o ciclo.

Atualmente, são comprovadamente micronutrientes: Cobre, Ferro, Manganês, Níquel, Zinco (esses considerados catiônicos, ou seja, são de natureza metálica) e Boro, Cloro, Molibdênio (esses são considerados aniônicos, ou seja, são não-metais ou, no caso do Molibdênio, um metal de transição)