BRS Pastoreio: cultivar de trigo de múltiplos propósitos para o sul do Brasil


Autores:

Renato Serena Fontaneli, Gilberto Rocca da Cunha, Eduardo Caierão, Ricardo Lima de Castro, Henrique Pereira dos Santos, Roberto Serena Fontaneli, Aldemir Pasinato, Cleiton Korcelski , Lucas Biasus dos Santos

Publicado em: 30/04/2019

1. Introdução

As estiagens no verão e as geadas no inverno constituem as principais adversidades climáticas para a produção de grãos e para a pecuária bovina no sul do Brasil. As geadas e o frio, no período de outono-inverno, se, por um lado, impedem o cultivo de espécies tropicais, também, por outro, permitem a exploração econômica de cereais de estação fria e de forrageiras, gramíneas e/ou leguminosas de inverno, que são mais resistentes ao frio.

A Embrapa Trigo foi pioneira no Brasil tanto na criação quanto no lançamento de cultivares de trigo com aptidão para alimentação animal, seja via pastejo direto ou forragem colhida e, adicionalmente, com potencial para ainda produzir grãos, os chamados trigos de duplo propósito. Uma tecnologia inovadora no País, que oportunizou o aumento da renda do produtor rural, especialmente por viabilizar a maior oferta de forragem no outono/inverno, quando as pastagens tradicionais de aveia-preta e azevém, devido às baixas temperaturas e à menor luminosidade, apresentam taxa de crescimento reduzida.

O trigo BRS Tarumã foi a primeira cultivar dos chamados trigos de duplo propósito a ocupar espaço em lavouras comerciais no Brasil e se destaca pela resistência ao pastoreio de bovinos, equinos e ovinos e, se submetido a manejo específico, poder substituir com vantagem a consorciação tradicional de aveia-azevém, além de possibilitar o ganho adicional pelos grãos produzidos.

A cultivar BRS Pastoreio, o mais recente lançamento dessa linha especial de melhoramento genético vegetal da Embrapa, possui aristas de comprimento desprezível, que lhe faculta, além do duplo propósito (forragem + grãos), alternativamente, o potencial de uso para a produção de silagem, que lhe configura o caráter de um trigo de múltiplos propósitos.

Esse é um trigo que, com proposito único, pode produzir cerca de 30 t/ha de silagem, ou, alternativamente, quando usado como trigo de duplo propósito, pode, após dois ciclos de pastejo ou cortes mecânicos, ainda viabilizar colheitas de até 3.000 kg/ha de grãos A adoção de trigos que possuem aptidões adicionais à função única de produção de grãos, em sistemas de integração lavourapecuária (ILP), pode ser uma alternativa econômica para o melhor uso da vasta extensão de terras agrícolas que permanecem ociosas durante o período de outonoinverno no sul do Brasil.

O objetivo deste artigo é explicitar o potencial de uso desse material genético e realçar os principais pontos da tecnologia de manejo de cereais de inverno com mais de um propósito, em sistemas de integração lavoura-pecuária, no sul do Brasil, dando destaque especial para a nova cultivar de trigo BRS Pastoreio.

2. O que são trigos de duplo propósito?

Trigos de duplo propósito são genótipos especiais que, em geral, possuem a fase vegetativa mais longa dos que os trigos convencionais de primavera e, em razão disso, durante certo período do ciclo de desenvolvimento podem ser desfolhados (seja por pastejo direto ou por cortes mecânicos), sem que haja o comprometimento do ponto de crescimento do meristema apical e, assim, permitindo, além da oferta de forragem verde, especialmente para ruminantes, na época de maior carência alimentar para esses animais no sul do Brasil, também, após o diferimento dos animais ou a suspenção dos cortes, a produção de grãos com padrão de comercialização para fins industriais (Del Duca & Fontaneli, 2005; Fontaneli et al., 2012; De Mori et al., 2016).

3. Estabelecimento de trigo para pastejo/corte e grãos

3.1. Época de semeadura

A época de semeadura indicada depende da cultivar e se a perspectiva é um pastejo/corte ou dois pastejos/cortes, seguido de produção de grãos. De maneira geral, a semeadura deve ser realizada de 20 a 40 dias antes do período indicado para as cultivares precoces com a finalidade única de produção de grão.

Essa indicação também é válida, no caso da cultivar BRS Pastoreio, quando usada com o propósito único de produção de silagem. Excepcionalmente, quando esse tipo de trigo for cultivado com o propósito único de produção de forragem (pastejo ou corte), a semeadura pode ser antecipada para a segunda quinzena de março, dependendo da região, desde que as condições de umidade do solo e a temperatura do ar possibilitem o desenvolvimento adequado das plantas.

3.2. Adubação

Adotando sempre como base os dados de análise de solo, devem ser seguidas as indicações para o cultivo de trigo para grãos conforme o Manual de Calagem e Adubação para os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (Manual..., 2016).

3.2.1. Adubação nitrogenada em cobertura

No perfilhamento, conforme indicações do Manual... (2016), e após cada corte ou ciclo de pastejo, aplicar 30 kg/ha de nitrogênio. Assim, uma vez configurados um corte/ciclo de pastejo ou dois cortes/ciclos de pastejo, seriam 30 kg/ ha ou a 60 kg/ha de nitrogênio a mais do que o trigo cultivado apenas com o propósito de colheita de grãos.

3.3.Cultivares

BRS Pastoreio: suporta, conforme validações, até dois ciclos de pastejo/corte e posterior colheita de grãos. Pode ser cultivado também com a finalidade única de produção de silagem. Os grãos produzidos por essa cultivar destacam-se pela aptidão para alimentação animal. Na região de Passo Fundo, RS, BRS Pastoreio possui ciclo de aproximadamente 156 dias da emergência a maturação (sem cortes).

BRS Tarumã: cultivar, até então, mais usada, no Brasil, como trigo de duplo propósito. É incontestável a sua capacidade de suportar até dois ciclos de pastejo/corte e a posterior colheita de grãos com padrão de aptidão para uso industrial. Essa cultivar possui o ciclo mais longo, cerca de uma semana, do que BRS Pastoreio, na região de Passo Fundo, RS.

3.4. Densidade

Quando cultivados como duplo propósito (forragem + grãos) ou somente para pastoreio, usar de 350 a 400 sementes aptas por metro quadrado, em linhas espaçadas de 17 a 20 cm. E, se semeados apenas para produção de grãos, seguir a indicação de semeadura dos trigos normais, lembrando que BRS Pastoreio e BRS Tarumã são cultivares de ciclo tardio, assim mais atenção deve ser dada ao sistema de produção como um todo.

4. Utilização e manejo

As cultivares de trigo que possuem aptidão para duplo propósito (forragem + grãos) podem ser utilizadas para pastejo, corte verde, silagem pré-secada ou emurchecida, feno, além de silagem de planta inteira, silagem de grãos úmidos e grãos secos.

4.1.Critérios para pastejo

O pastoreio dos animais ou o corte devem iniciar quando as plantas estiverem com altura média de 20 a 30 cm, ocorrendo de 40 a 70 dias após a emergência, que, nas densidades de semeadura indicadas, corresponde a uma quantidade de forragem verde de 0,6 a 1,0 kg por metro quadrado ou cerca de 900 a 1.500 kg de massa seca por hectare. Sempre que possível, adotar o método de pastejo rotacionado (piquetes fixos ou com cerca energizada/’elétrica’), com 0,5 dia a 3 dias de ocupação e cerca de 30 dias de repouso.

A retirada dos animais deve ser feita quando o resíduo das plantas estiver com cerca de 10 cm de altura. Nessa condição, se a finalidade for apenas a produção de forragem, são possíveis 4 a 5 pastejos/cortes, que podem ser aumentados se deixada uma altura residual de 15 cm ou cerca da metade da altura das plantas no início do pastejo. O maior número de ciclos de pastejo reportados por produtores foi de 12, em uma estação de crescimento, possível com desfolhas leves e frequentes.

No método de pastejo com lotação contínua, as plantas devem permanecer com altura média de 15 a 20 cm (BRS Tarumã) e 20 a 30 cm (BRS Pastoreio). Para isso, há necessidade de utilizar lotação variável, devendo, se houver tendência de diminuir a altura média das plantas, retirar parte dos animais e, em caso de aumento de altura, colocar mais animais na área.

4.2.Corte verde

A forragem pode ser cortada e fornecida no cocho para os animais. Esse método tem como vantagem a redução de perdas por pisoteio, porém aumenta o custo pela maior demanda por mão de obra e máquinas para o corte diário, permitido de 2 a 4 cortes, apenas para forragem.

4.3.Silagem pré-secada

Os teores elevados de proteína bruta configuram as gramíneas de inverno como uma opção interessante para animais de maior exigência nutricional, a exemplo de vacas leiteiras. O trigo pode ser cortado entre elongação do colmo até o início do florescimento, por ser um período que compatibiliza boa produção de forragem e bom valor nutritivo.

O corte deve ser a 10 cm da superfície e as plantas deixadas para secarem no campo até restarem de 30 a 45% de matéria seca. Esse processo de secagem leva de 6 a 48 horas, dependendo do volume de material e das condições climáticas. Um revolvimento no período de emurchecimento acelera a perda de umidade e uniformiza o material. Após atingir o teor de umidade desejado, a forragem é recolhida, picada e transportada até o silo onde será procedida a compactação e vedação com lona para ocorrer a fermentação. Também, alternativamente, pode ser enfardada e revestida com plástico (bolas envelopadas).

4.4.Silagem de planta inteira

Para servir como fonte de fibra e energia de alta qualidade para ruminantes, as plantas devem ser cortadas no estádio de grãos em massa firme, com cerca de 30 a 40% de matéria seca, ou seja, 60 a 70% de umidade. O teor de proteína bruta média é variável entre de 8 e11%, dependendo da quantidade de folhas e de afilhos imaturos, sendo que o valor energético maior ou menor vai depender da quantidade de grãos.

4.5. Silagem de grão úmido

Essa é uma prática que ainda está em desenvolvimento, havendo algumas restrições de trilha ou separação dos grãos. Tende a ser uma silagem de espigas de trigo.

4.6.Fenação

A fenação se apresenta como uma prática pouco apropriada, em função da dificuldade de secagem a campo devido as elevadas precipitações pluviais que ocorrem no sul do Brasil e a necessidade de enfardar com teor de umidade inferior a 20%. Essa prática pode ser substituída com vantagem pela silagem pré-secada.

4.7.Grãos

Os grãos de cereais de inverno podem substituir, parcial ou totalmente, com vantagem econômica, o milho, dependendo da qualidade do material e da espécie e classe animal a que se destina (Juchem et al., 2015).

5. Interrupção do pastejo/corte no manejo de trigo de duplo propósito

A retirada dos animais da lavoura ou a interrupção dos cortes, após um ou dois ciclos de pastejo ou cortes, é um fator crítico e determinante na produção de grãos em trigos cultivados com o duplo propósito, produção de forragem e grão. O limite para a interrupção do pastejo/corte é quando o primeiro nó do afilho principal é perceptível (1 cm acima do solo).

Em caso de atraso na retirada dos animais ou na suspensão dos cortes, há drástica redução na produção de grãos. A partir desse momento, quando começar o aparecimento de colmos ocos, é o indício de que o meristema apical de crescimento (com os primórdios das espigas) estará ao alcance de corte pelos animais. Se os animais consumirem o meristema apical do perfilho principal, o rendimento de grãos é reduzido drasticamente.

6. Zoneamento Agrícola de Risco Climático - ZARC

A tecnologia trigo de duplo propósito, produção de forragem e grãos, a partir da safra 2019, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e na região fria do Paraná, passou, com a publicação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático para esse tipo de cultivo, a ser apoiada pelos programas de crédito e securidade rural do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Reitera-se que, para fins de crédito de custeio agrícola oficial e de seguro rural privado e público (Proagro), no tocante a regionalização e épocas de semeadura para trigo de duplo propósito (forragem + grãos) no Brasil, são válidas apenas as indicações de períodos de semeadura por município, tipos de solo e cultivares constantes nas Portarias do Zoneamento Agrícola de Risco Climático do MAPA, disponíveis no portal deste Ministério e publicados no Diário Oficial da União. As indicações são revisadas anualmente e estão sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Zoneamento Agropecuário, subordinada ao Departamento de Gestão de Risco Rural, da Secretaria de Política Agrícola.

Assim, sempre que envolver operações de crédito e seguro rural, a consulta diretamente às portarias do Mapa é indispensável, uma vez que atualizações podem ocorrer a qualquer tempo. No Portal do MAPA, no item assuntos, selecionar riscos-seguro/risco-agropecuário/portarias e, uma vez nesse endereço, acionar Portarias por Unidade Federativa (UF) e, na sequência, escolher a Unidade da Federação de interesse – RS, SC ou PR - e, na relação de cultivos, trigo de duplo propósito. Vide em Brasil (2019).

7. Considerações Finais

Nas condições edafoclimáticas sul-brasileiras, as forrageiras que são usadas como plantas de cobertura de solo, em sucessão aos cultivos anuais de verão, também podem ser utilizadas para pastejo direto e ou conservadas como feno, silagem ou nas formas pré-secadas. Isso, efetivamente, é o que configura os chamados sistemas integrados de produção agropecuária (SIPA) ou de integração lavoura-pecuária (ILP).

Nesses sistemas, os trigos de duplo propósito, pela multiplicidade de usos, que vai do pasto ao grão, passando pela elaboração de forragem conservadas ou produção de grãos para arraçoamento animal, são uma alternativa vantajosa em relação ao cultivo apenas de aveiapreta e ou azevém anual.