Pastagens de final de verão-outono para vacas leiteiras altamente produtivas no Sul do Brasil


Autores: Renato Serena Fontaneli, Roberto Serena Fontaneli, Rodrigo Pizzani, Henrique Pereira dos Santos, Carlos Bondan, Fernando Pilotto, Cleiton Korcelski , Angelica Consoladora Andrade Manfron , Manueli Zeni, Arthur Pegoraro Klein , Lucas Biasus dos Santos
Publicado em: 28/02/2019

Introdução

A produção de leite é economicamente atividade importante para mais de 200 mil famílias rurais no Sul do Brasil. Sabemos que a forma mais econômica para alimentar ruminantes é pastagem. Pastagens manejadas dentro de preceitos técnicos podem atender a maior parte da necessidade diária de animais exigentes. É conhecido que animais de elevado valor genético, muito produtivos, não podem ter suas necessidades de mantença, produção e reprodução apenas com volumosos. Carecem de suplementação com rações bem formuladas para serem longevos e lucrativos.

Também é conhecida a relação de custo energético baseado em energia metabolizável, de 1:2:4,5 para energia provinda da pastagem, de forragem conservada (silagem e feno) e de grãos, respectivamente (LEAVER, 1985). Os investimentos que mais oneram a atividade leiteira estão relacionados com a alimentação dos animais, que podem alcançar de 40 a 60% do custo total. Estes custos são minimizados quando os alimentos provém de pastagens adequadamente manejadas e utilizadas. Felizmente o sistema de produção com culturas de verão com soja e milho é de alta liquidez, mas há pouca atratividade com as alternativas de inverno (trigo, cevada, aveia, triticale e canola).

Como resultado, menos de 20% da área cultivada no verão com soja e milho é utilizada para produção de grãos no inverno. Assim, uma oportunidade para melhorar a eficiência de utilização de terras, máquinas e equipamentos e mão de obra disponíveis é a integração lavoura-pecuária (ILP) com ruminantes. Dentre os ruminantes, a produção de leite, embora trabalhosa e complexa, é mais atrativa do que engorda de novilhos. O fato é que temos mais de 25 milhões de bovinos no Sul do Brasil, relativamente bem alimentados durante o verão, com pastagens nativas e cultivadas. Entretanto, continuamos com severas restrições alimentares na bovinocultura de corte durante a estação fria.

Desse rebanho, cerca de 4 milhões são vacas leiteiras, com elevada demanda de nutrientes durante todos os dias do ano, mas devido a diversas causas, cuja principal é a distribuição estacional de pastagens resulta em baixas produtividades como as reportadas em estatísticas, que é de 8 a 12 litros de leite por vaca por dia, mas que pode facilmente aumentar 50-60% através de planejamento forrageiro, especialmente no período de transição entre o verão e inverno. Também é fato, que tem aumentado o período com solo descoberto entre a colheita de verão e a semeadura de culturas de inverno, e é constante a busca por precocidade de genótipos de soja, milho e mesmo de culturas de inverno, descortinando-se oportunidade de maior produção de biomassa no vazio forrageiro outonal. Uma alternativa para proteger o solo, na transição das culturas de verão e inverno, e aumentar a oferta de alimentos para bovinos, seria a semeadura de forrageiras anuais de verão, como milheto, capim-sudão, híbridos de sorgo e, por que não, milho comum em alta densidade.

A proposta é de semeadura tardia dessas forrageiras dezembro/janeiro/fevereiro, após uma safra de grãos (feijão, milho ou soja) ou silagem. Embora é inegável o menor potencial produtivo dessas forrageiras do que quando semeadas em setembro/outubro (Figura 1), porém oferecerão forragem de elevado valor nutritivo durante o vazio forrageiro entre o final do verão e início do inverno, ideal para suprir as demandas de animais mais exigentes, como vacas leiteiras, novilhas de reposição, vacas de primeira cria e mesmo terminação de novilhos (engorda). É conhecido que a semeadura escalonada de forrageiras anuais de verão, com intervalos de 4 a 5 semanas, pode propiciar 5 meses de pastejo.

A proposta é usar áreas que já renderam uma colheita de grãos ou silagem, e estabelecer uma safrinha de forragem para ser utilizada de março a maio/junho, até a ocorrência de geadas, em pastejo, colhida verde para fornecimento no coxo ou mesmo 

ensilada, já que para serem fenadas necessitam ser amassadas por segadoras-condicionadoras, pois os colmos dessas espécies são grossos e de difícil secagem. O objetivo do estudo é discutir algumas alternativas forrageiras de verão para contribuir no planejamento forrageiro e minimizar o déficit alimentar outonal para vacas leiteiras no Sul do Brasil, principalmente para o noroeste do RS, oeste de SC e sudoeste do PR.

Que espécies cultivar?

(A) Milheto ou capim italiano (Pennisetum glaucum)

Gramínea anual de crescimento rápido, alto rendimento e alta qualidade de forragem. Geralmente semeado após os cereais de inverno ou pastagem de aveia. Eventualmente, pode ser semeado juntamente com espécies perenes de verão em estabelecimento ou em renovação. Planta de hábito de crescimento ereto, podendo atingir altura superior a 2,0 m (Figura 1). Deve ser semeado em terrenos bem drenados, não tolerando solos encharcados. A época de semeadura é de setembro a fevereiro (temperatura do solo superior a 18 oC). Quanto mais tarde o estabelecimento, menor é o acúmulo de biomassa total na estação de crescimento (Figura 2), mas estratégico em sistemas de alimentação baseado em pastagens para ruminantes exigentes, como vacas leiteiras.

Cultivares: BRS 1503, ADR 500 e ADR 300 (Super Massa, palhada). Híbridos: ADRF 6010 Valente, Abono e Campeiro.

Densidade: em linhas espaçadas de 0,3-0,4m de 10 a 15 kg/ ha de sementes de boa qualidade. À lanço deve ser semeado no mínimo 15 kg/ha, podendo ser até 60 kg/ha.

Profundidade de semeadura: 2 a 3 cm.

Pastejo: método de pastejo rotacionado sempre que as plantas atingirem de 0,35 a 0,6 m, deixando um resíduo de 0,15 a 0,20 m. Intervalo entre pastejos de 12 a 20 dias, com período de utilização de no máximo 3 dias por ciclo de pastejo. Pode ocorrer de 3 a 8 ciclos de pastejo na estação de crescimento (FONTANELI et al., 2005). Quando as plantas estiverem florescendo devem ser ceifadas ou roçadas para prolongar o período vegetativo. Se cortado para feno pode-se esperar até 0,9 m, mas com uso de segadora-condicionadora para amassar os talos. Para silagem, deve ser colhido no estádio de emissão das panículas, deixando emurchecer antes de picar (FONTANELI et al., 2012).

(B) Capim-sudão ou aveia-de-verão e seus híbridos (Sorghum bicolor)

Similar ao milheto, existem híbridos no mercado oferecidos por diversas companhias. A escolha deve ser pelos mais resistentes às doenças e pragas, e com alta capacidade de afilhamento. Diferem do milheto pelo potencial de intoxicação por ácido cianídrico (HCN) ou durina que pode ser muito alto em plantas imaturas (jovens) e rebrotes. Também pode ser perigoso logo após geadas, quando os animais dever ser retirados da pastagem por 7 a 10 dias até volatilizar os ácidos. Sendo assim, os sorgos não devem ser pastejados com estatura de planta inferior a 0,5 m.

Entretanto, não há risco em fornecer feno ou silagem de sorgos aos animais confeccionados em qualquer estádio de desenvolvimento. Quando ocorrem temperaturas altas no inverno e o resíduo do sorgo rebrota, pode haver risco de intoxicação, novamente. Ambas espécies, sorgos e milheto, podem acumular nitratos durante períodos secos, principalmente quando receberem adubos nitrogenados anteriormente, próximo à seca. Equinos não dever pastejar sorgos, pois pode ocorrer cistites, ou seja, inflamação do trato urinário.

Sorgos para silagem: são geralmente de porte mais alto, podendo atingir 3,0 m, possuem geralmente colmos com diâmetro maior sendo muito produtivos. Produzem menor proporção de grãos, na biomassa total quando comparado com genótipos especializados para grãos, que são de porte anão e dificilmente atingem 1,0 m de altura. Silagem feita com genótipos para produção de grãos são de qualidade superior, com maior energia digestível, entretanto, produzem metade a um terço de forragem que os tipos altos. As plantas de sorgo devem ser ensiladas no estádio de grãos leitosos a grãos em massa, pois além desse ponto decaem muito em qualidade.

Apesar dos sorgos poderem produzir mais biomassa que o milho, a silagem é menos palatável e digestível que a silagem de milho (FONTANELI et al. 2012). O método de pastejo rotativo deve ser priorizado. Os ciclos de pastejo são de 2 a 3 semanas, com período de utilização de no máximo 3 dias por ciclo. Semelhante ao milheto com obrigatoriedade de não iniciar pastejo antes de as plantas atingirem 0,5 m de altura pelo risco de intoxicação por ácido cianídrico.

Época de semeadura: mesma do milheto, de setembro a fevereiro.

Densidade: 10 a 15 kg/ha de sementes (híbridos) e de 15 a 25 kg/ha (capim-sudão). À lanço indica-se no mínimo 15 kg/ha de sementes. A profundidade de semeadura é de 2 a 3 cm.

Cultivares: BRS Estribo (capim-sudão) Híbridos para pastejo (com gene BMR que confere baixo teor de lignina): BRS 810, AG 2501, Jumbo, Supremo, Nutribem, Nugrass 900F e ACA 717. Híbridos para silagem representativos são BRS 655, BRS 658, Maxisilo, Qualysilo, Chopper, Dominator e ACA 711.

(C) Milho galpão ou recém colhido em alta densidade (Zea mays)

Milho é a cultura mais usada no mundo para silagem devido a elevada produtividade e valor nutritivo (energia digestível). Também é a segunda cultura em área cultivada no Brasil e terceira no Rio Grande do Sul, após soja e arroz.

A maior parte do milho brasileiro é produzido na safrinha (segunda safra), na estação das águas, após a safra de soja, especialmente no Cerrado. Milho é uma espécie anual, ereta, com ausência ou baixíssimo perfilhamento que demanda cultivo em alta densidade para pastejo e, quando consorciado evidenciase superioridade aos cultivos solteiros.

O valor nutritivo do milho para pastejo está relacionado ao arranjo de plantas, diferentes densidades de semeadura, espaçamento entre linhas e arquitetura de planta, além do estádio de desenvolvimento e relação colmo/ folha. Além do cultivo singular ou solteiro, o milho pode ser consorciado com soja anual, também para pastejo dos animais (Tabela 2). Em pastoreio, um aspecto relevante para se evitar a compactação do solo, é colocar os animais em pastoreio quando o solo não apresentar excesso de umidade.

A proposta de semeadura tardia para produção animal na região Sul é, também, uma safrinha ou segunda safra (de leite e carne), sem pretensão de colher grãos e sim, contribuir para produção de forragem de baixo custo e de qualidade elevada. Não existe “semente” de forrageira de menor custo quando estamos colhendo o milho. Zimmermann e Fontaneli (não publicado) obtiveram de 11,2 a 13,4 toneladas/ha de massa seca total de milho nas densidades de 75 mil a 300 mil plantas/ ha, em semeadura realizada em 26 de fevereiro. Os autores não obtiveram diferença no rendimento de biomassa seca em função das densidades estudadas, mas o milho varietal BRS Missões superou o híbrido simples BRS 1002 (13,6 x 11,5 toneladas/ha de MS).

Esses genótipos de milho consorciados com soja, nas populações de 100 mil a 200 mil plantas/ha, obtiveram melhor desempenho na menor densidade de soja. (Tabela 2). Época de semeadura: de agosto a fevereiro (tardia: dezembro a fevereiro).

Variedades: BRS Missões, BRS Planalto e outras. Híbridos: BRS 1002 e centenas de outros Densidade: 50 a 80 kg/ha de grãos. Os grãos recém colhidos devem ser uniformizados em peneira para facilitar a semeadura.

Espaçamento: reduzido, de 0,35 a 0,70 m. Quando consorciado, a soja deve ser semeada nas mesmas linhas ou nas entrelinhas de milho.

Pastejo: método de pastejo rotativo. O primeiro pastejo deve ocorrer quando as plantas atingirem o estádio de desenvolvimento V6, deixando um resíduo de 0,15 a 0,20 m. Nesse estádio o meristema de crescimento ainda se encontra próximo ao solo, possibilitando o rebrote das plantas de milho. Ocorre dano pelos animais, arrancando plantas, mas sem comprometer o estande para o segundo e demais pastejos. O limite de utilização é a ocorrência de geada, que cresta o resíduo.

Adubação das forrageiras anuais

A adubação deve seguir as indicações do Manual de Calagem e Adubação para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (MANUAL..., 2016) baseado nas análises de solo.

Adubação de cobertura nitrogenada

Como o potencial de produção de biomassa é inferior ao milho semeado no início da primavera, o responsável técnico pode optar por adubação de cobertura fracionada. Além da adubação de semeadura, pode optar por fazer a cobertura após o primeiro ciclo de pastejo, no estádio V6. Sugere-se considerar que a tecnologia pode aportar metade a 2/3 do potencial produtivo de biomassa. Deve ser considerado também o cultivo anterior, se leguminosa ou gramínea e a quantidade de massa seca produzida.

Corte verde

O milho pode ser cultivado também para ser colhido mecanicamente e fornecido no coxo aos animais. O corte geralmente é feito mais em estádio mais avançado, mas para manter um bom valor nutritivo, deve ser realizado antes do estádio reprodutivo. Neste caso, a colheita é única, devido ao baixo potencial de rebrote do milho, que foram selecionados para não perfilharem, diferente do milheto, sorgos e mesmo milhos forrageiros, como o teosinto ou dente-deburro. O teosinto é provavelmente o ancestral do milho ou milho primitivo.

Ensilagem

Essa tecnologia pode ser utilizada para produção de uma segunda silagem, ou seja, safrinha. Geralmente, na maior parte da região Sul, não é conseguido o estádio de desenvolvimento adequado para ensilar, neste caso pode ser utilizada o pré-murchamento para aproximar do teor de umidade ideal, que geralmente é reportado de 32 a 38% de umidade.

Considerações finais

Espécies forrageiras anuais de estação quente (verão), embora exigentes em fertilidade e baixa tolerância ao encharcamento tem baixo custo por unidade de massa seca produzida. Essas forrageiras apresentam elevado valor nutritivo, são apetecíveis, com baixa concentração de fibra e elevada digestibilidade quando manejadas no intervalo indicado, com plantas com 0,5 m a 0,8 m de altura. A produtividade reduz a medida que o período de semeadura é postergado, mas mesmo em épocas tardias, como segunda safra, são atrativas, pois apresentam custo relativamente baixo de sementes e rendimento de biomassa próximo aos obtidos com as espécies de inverno durante toda a estação de crescimento. A suplementação energética com rações formuladas não são dispensadas mesmo com elevada oferta de forragem outonal para animais altamente produtivos. Muitas vezes pode ser resumida ao fornecimento de grãos de cereais de verão como milho, sorgo e milheto, ou de cereais de inverno como cevada, trigo, triticale e aveia branca.

 

Referências

FONTANELI, R.S. Planejamento de pastagens: melhor caminho para produção de leite com qualidade e menor custo. Revista Plantio Direto, v. 17, p. 11-16, 2008.

FONTANELI, Ren.S.; SANTOS, H.P. dos; FONTANELI, Rob.S. (eds.) Forrageiras para integração lavoura-pecuária-floresta na região sul-brasileira. 2.ed. Brasília: Embrapa, 2012. 544p. http://www.cnpt. embrapa.br/biblio/li/p_li01.htm

FONTANELI, R.S.; SANTOS, H.P. dos; MACHADO, J.R. de A.; FONTANELI, Rob.S. Forrageiras anuais de verão. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2017 (Folder).

FONTANELI, R.S.; SOLLENBERGER,L.E.; LITTELL,R.C.; STAPLES,C.R. Performance of lactating dairy cows managed on pasture – based or in free stall barn feeding systems. J. Dairy Sci. v.88, n.5, p.1264-1276, 2005.

LEAVER, D. Milk production from grazed temperate grassland. J. Dairy Res., v.52, p.313-344, 1985. MANUAL de calagem e adubação para os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. 11. ed. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, Núcleo Regional Sul, Comissão de Química e Fertilidade do Solo - RS/SC, 2016. 376 p.

ORTH, R. et al. Produção de forragem de gramíneas anuais semeadas no verão. Ciencia Rural, Santa Maria, v.42, n.9, p.1535-1540, 2012 . Disponível em . access on 17 Aug. 2012. Epub Aug 14, 2012. http://dx.doi.org/10.1590/ S0103-84782012005000069.