Na safra 2018/2019, em algumas regiões do Rio Grande do Sul, a fase de estabelecimento da cultura da soja foi marcada pela ocorrência de podridão de sementes, morte de plântulas e podridão radicular, causada pelo oomiceto Phytophthora sojae.
Isso reduziu o potencial produtivo da cultura, devido à necessidade de replantio e à perda de população de plantas nas lavouras. Esse patógeno pode infectar a cultura em qualquer estádio de desenvolvimento (Figura 1), quando ocorre condições de acúmulo de água no solo, por elevada precipitação pluvial e/ou compactação do solo, associado à baixa temperatura do solo (Dorrance et al., 2007).
Foi o que aconteceu na região Norte do Rio Grande do Sul, no mês de outubro, quando a temperatura no solo (5 cm de profundidade) variou de 16,9 a 24,7 ºC, com precipitação de 319 mm concentrada em dois momentos, sendo que a média histórica do mês é de 152 mm. No início de novembro, o solo ainda estava com excesso de umidade e ocorreu mais 38 mm de precipitação (Figura 2). Com isso, houve atraso na emergência das plântulas, devido à baixa temperatura, fazendo com que as mesmas ficassem mais vulneráveis à infeção deste patógeno de solo.
Em função disso, entre os dias 1º e 27 de novembro, o Laboratório de Fitopatologia da Universidade de Passo Fundo recebeu 60 amostras de soja com sintomas de podridão de sementes, morte de plântulas e podridão radicular em diferentes cultivares, verificandose a presença de oósporos (estruturas de sobrevivência de P. sojae) em 83% das amostras analisadas.
Ciclo da doença
Phytophtora sojae tem a capacidade de sobreviver no solo na forma de oósporos (Figura 3A), que são esporos sexuais formados pela fecundação do oogônio pelo anterídio, sendo um organismo que apresenta autofecundação.
Em condições de encharcamento do solo, ocorre a formação de zoosporângios, que são estruturas de reprodução assexuada (Figura 3B), no qual formam-se zoósporos, que são esporos assexuais. Após serem liberados, os zoósporos movimentam-se na água em direção à raiz. Na superfície da raiz, os zoósporos encistam, germinam e penetram diretamente no tecido vegetal, ocorrendo a colonização com a formação de haustórios para absorção de água e nutrientes.
Em estágios mais avançados de parasitismo, oósporos são formados no interior da raiz, podendo sobreviver no solo por longos períodos (Dorrance et al., 2018) (Figura 4).
Manejo da podridão radicular de fitóftora
O oomiceto P. sojae pode sobreviver no solo por vários anos Assim, estratégias conjuntas abrangendo controle genético, químico e cultural devem ser adotadas, visando a minimizar o problema.
• Controle genético
A resistência genética à P. sojae pode manifestar-se de três formas:
• Resistência completa: é do tipo raça-específica, mediada por genes maiores (Rps) no hospedeiro. Atualmente, estão relatados mais de 20 genes de resistência dominantes (Zhong et al., 2018), sendo os principais Rps1a, 1b, 1c, 1d, 1k, 2, 3a, 3b, 3c, 4, 5, 6, 7 e 8 (Burnham et al., 2003; Dorrance et al., 2004). Todos os genes descritos, exceto Rps2, limitam completamente o crescimento de P. sojae através de reação de hipersensibilidade no hipocótilo.
Até 2004, mais de 55 raças do patógenos haviam sido descritas com o uso de série diferencial com Rps1a, 1b, 1c, 1d, 1k, 3a, 6 e 7. Atualmente, a identificação de patótipos ou de fórmulas de virulência, baseada em reações de suscetibilidade ou resistência de plantas com genes Rps, é preferível para descrever a variabilidade dentro da espécie (Dorrance et al., 2004).
Os genes Rps1a, 1c, 1k, 3a e 6 são amplamente utilizados em cultivares comerciais de soja nos Estados Unidos, sendo que, no Brasil, os genes Rps1a, 1c, 1k e 3a ainda são efetivos; o Rps6 não é efetivo, pois até 60% da população brasileira de P. sojae apresenta reação de efetividade para este gene, o que não o torna interessante para inserção em cultivares comerciais (Costamilan et al., 2013).
A resistência completa pode ser superada pelo uso intensivo da mesma cultivar resistente, e é variável de acordo com o gene Rps utilizado.
• Resistência radicial: é do tipo raça-específico e é mediada apenas por Rps2. Em inoculações artificiais, o hipocótilo apresenta reação suscetível ou intermediária (50% de plantas mortas ou com lesões longas), mas as raízes permanecem sadias.
• Resistência parcial: também conhecida como resistência de campo, de planta adulta ou tolerância, herdada quantitativamente. Expressa-se pela redução de extensão de colonização de tecidos radiciais, sendo avaliada pela capacidade de resistência à penetração, à colonização ou à multiplicação do patógeno.
Esta resistência só é funcional a partir da formação da primeira folha trifoliolada, sendo efetiva contra todos os patótipos de P. sojae (Mideros et al., 2007; Schmitthenner; Dorrance, 2015).
Genótipos de soja podem apresentar diferentes níveis de desenvolvimento de sintomas, desde muito baixo até alto (Dorrance et al., 2003). Este tipo de resistência pode não funcionar em ambientes com alta pressão da doença (Zhong et al., 2018). Os programas de melhoramento de soja buscam, principalmente, lançar cultivares com resistência única mediada por genes Rps.
Embora altamente eficaz, a resistência completa é específica à população predominante de P. sojae presente no solo. Adicionalmente, o uso de genes Rps aumenta a pressão de seleção sobre o patógeno, fazendo com que a população se adapte e potencialmente ganhe virulência, de tal modo que a cultivar se torne suscetível. Para áreas onde a doença é severa, indica-se conjugar as estratégias de resistência completa e de resistência parcial com tratamento de sementes com fungicida.
Para a situação brasileira, o acúmulo de qualquer um dos genes de resistência Rps1a, 1b, 1c e 1k, de Rps3a ou 8 e de alta resistência parcial pode ser altamente efetivo (Costamilan et al., 2013) (Figura 5). Entre 2007 e 2010, foi realizado levantamento de populações brasileiras de P. sojae, em amostras coletadas em 25 municípios de seis estados brasileiros (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, e Goiás,Tabela 1), obtendo-se 37 isolados (Costamilan et al., 2013).
A avaliação da variabilidade foi realizada em inoculações de cada isolado em série diferencial para genes de resistência completa, composta por 14 cultivares de soja, cada uma contendo um gene Rps de resistência (Rps1a, 1b, 1c, 1d, 1k, 2, 3a, 3b, 3c, 4, 5, 6, 7 e 8), além da testemunha suscetível, BRS 244RR. No total, foram observados 17 patótipos diferentes.
Os patótipos mais frequentemente encontrados apresentaram as seguintes fórmulas de virulência: (1d, 2, 3c, 4, 5, 6, 7), (1d, 2, 3b, 3c4, 5, 6, 7), (1b, 1d, 2, 3a, 3c, 4, 5, 6, 7) e (1d, 3a, 5, 7, 8), representando 53% da população. Os genes mais efetivos para controle da doença foram Rps1a, Rps1c e Rps1k, seguidos por Rps8, Rps3b e Rps3a. Os menos efetivos foram Rps1d, Rps7, Rps2 e Rps5, e os demais também não apresentaram boa eficiência de controle.
A complexidade dos isolados, ou seja, o número de genes não efetivos, variou de 3 (originários de Castro e de Pato Branco, PR, e de Maracaju, MS) a 10 (isolado de Pelotas, RS), sendo que a média de complexidade foi de 6,7 genes.
O isolado mais agressivo foi registrado no município de Cachoeira do Sul, capaz de afetar os genes Rps1a, Rps1c e Rps1k. Foram observadas cinco populações diferentes apenas no município de Passo Fundo, mostrando a grande variabilidade local que esta espécie pode demonstrar.
Controle químico
Os genes Rps de resistência são efetivos durante os estádios iniciais de desenvolvimento da soja (resistência completa ou radicial), ao contrário da resistência parcial que se manifesta apenas em estádios mais avançados de desenvolvimento da planta. Com base nisso, o tratamento de sementes é uma prática que deve ser associada para manejo da doença em estádios iniciais da cultura.
No Brasil, existem fungicidas para tratamento de sementes registrado para P. sojae, sendo que em todos, está presente o metalaxilM (Agrofit, 2019). Esse fungicida pertence ao grupo químico das fenilamidas e tem como mecanismo de ação a inibição da síntese de RNA (Frac, 2018).
De acordo com Dorrance & McClure (2001), para controle adequado desse patógeno, a dose indicada para 100 kg de sementes de soja é de 15 a 31 g do i.a. (ingrediente ativo), apesar disso, no Brasil, alguns produtos tem concentração de 10 g do i.a.
Ainda não há relatos de resistência de P. sojae a esse fungicida no Brasil, mas nos Estados Unidos, já existem relatos tanto em condições de laboratório (Cui et al., 2013), quanto de campo (Yang, 2002).
No Brasil ainda faltam opções de fungicidas de grupos químicos diferentes para controle de P. sojae, o que não ocorre nos EUA, que utilizam etaboxame (em inglês: ethaboxam), que pertence ao grupo químico etilamino-tiazolcarboxamida, que atua na b-tubulina durante o processo de divisão celular (Radmer et al., 2017), e o oxatiopiprolin (em inglês: oxathiopiprolin), do grupo químico piperidinil-tiazole-isoxazolina, que inibe a formação de lipídios essenciais para a sobrevivência da célula (Miao et al., 2015).
Portanto, o tratamento de sementes com doses maiores de metalaxil-M é uma ferramenta que pode ser utilizada associada a cultivares com resistência completa e/ou radicial (genes Rps). No entanto, quando cultivares suscetíveis são semeadas em condições ambientais favoráveis a infecção do patógeno, o tratamento de sementes pode não ser suficiente para controlar a doença.
Controle cultural
O solo, entre suas muitas funções, deve ser capaz de drenar a água excedente, permitindo adequada aeração à germinação de sementes e plântulas em desenvolvimento. Muitos solos agrícolas sob plantio direto apresentam sérios problemas de compactação, afetando o desenvolvimento das plantas devido à excessiva resistência mecânica, a qual limita o crescimento das raízes, reduzindo a disponibilidade hídrica, dificultando a absorção de nutrientes, entre outros efeitos prejudiciais.
Isso ocorre em função da alteração na geometria porosa do solo, onde os poros de maior diâmetro, responsáveis pelo fluxo de água e pela aeração, tem seu volume reduzido drasticamente em solos compactados.
Especificamente em relação ao momento da semeadura e emergência das plântulas, a compactação do solo, seja por elevado índice pluvial, seja pela dificuldade de drenagem da água, acarreta acúmulo de água junto à semente, tornando o ambiente propício ao desenvolvimento de patógenos.
No caso de P. sojae, o excesso de água no solo favorece a infecção das raízes de soja por zoósporos, que são as estruturas do patógeno que nadam em direção às raízes, necessitando de água livre no solo.
Eventualmente, problemas de compactação do solo podem ser minimizados com a utilização de mecanismos sulcadores do tipo facão nas semeadoras, desde que esses operem em profundidade adequada (mais de 10 cm), capaz de transpor a camada compactada, permitindo a drenagem da água. Inúmeros são os relatos de que, em áreas onde foi utilizado o facão, em relação ao uso de discos desencontrados, os problemas de morte de plantas foram reduzidos drasticamente.
Semeadura realizada em solos úmidos, mesmo com o uso de sulcador do tipo facão, não proporciona mobilização adequada do solo e, nessa situação, quando utilizado exclusivamente o disco, ocorre o selamento lateral do sulco, dificultando a drenagem e acarretando o acúmulo de água dentro do sulco.
A rotação de culturas melhora as condições físicas do solo, assim como a qualidade do sistema poroso do solo e é também uma constatação no campo, de que áreas semeadas com milho no verão passado foram menos afetadas pela morte de plântulas de soja.
A questão é que áreas muito compactadas demorarão muito a ser recuperadas exclusivamente com plantas, por isso faz-se necessária a adoção da descompactação mecânica/vegetativa, que consiste na escarificação do solo (após colheita da soja), em profundidade coerente com a camada compactada, aliada à utilização de plantas de cobertura, que poderá ser prévia ou conjunta à escarificação.
Não é recomendada, para essa situação, a utilização de gradagem (Klein, 2014). Portanto, os efeitos negativos da compactação do solo sobre as plântulas irão se manifestar em condições de excesso ou de deficiência hídrica. Dessa forma, como não há mecanismos para prever essa condição, é melhor ter um solo com propriedades físico-hídricas adequadas para minimizar riscos.
Mediante o exposto, para manejar P. sojae em soja, deve-se utilizar cultivares com resistência parcial, radicial e/ou completa, visando evitar ou retardar a infecção pelo patógeno, sempre associado a fungicida específico no tratamento de sementes com dose que seja efetiva para controle do patógeno, além de promover melhoria de características físicas do solo, evitando acúmulo de água e consequente infecção e colonização da raiz.
É importante lembrar que mesmo adotando essas estratégias, poderão ocorrer sintomas da doença em diferentes níveis, uma vez que a estrutura de sobrevivência do fungo permanece no solo, de uma safra para outra, germinando quando há condições favoráveis e presença do hospedeiro.
Referências
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