Manejo de nutrientes no cultivo de milho segunda safra na região do cerrado


Autores: Álvaro Vilela de Resende, Emerson Borghi, Miguel Marques Gontijo Neto, Samuel Campos Abreu, Flávia Cristina dos Santos, Antônio Marcos Coelho
Publicado em: 31/12/2018

1. Introdução

A soja cultivada no verão seguida imediatamente pelo milho segunda safra é a combinação de culturas anuais mais comum no Cerrado atualmente. Nos estados da região Centro-Oeste, por exemplo, a área de soja no ano agrícola 2017/2018 foi de cerca de 15,65 milhões de hectares e a de milho segunda safra ficou ao redor de 7,46 milhões (CONAB, 2018), correspondendo, portanto, a uma proporção aproximada de 48% da área de soja onde entra o milho em sucessão.

O sistema soja/ milho segunda safra ou “milho safrinha” apresenta níveis de produtividade muito variáveis, a depender das características regionais envolvendo solo e clima, das épocas de semeadura das duas culturas e do nível de manejo empregado pelos produtores.

O gerenciamento das adubações é um ponto chave para sustentar boas produtividades e, embora se tenha relatos frequentes de áreas com elevados rendimentos, a ocorrência de falhas no suprimento de nutrientes é mais comum do que se imagina. O binômio soja/milho segunda safra talvez seja o caso mais emblemático de que não basta fazer um bom planejamento anual da adubação, é preciso também um monitoramento profissionalizado e “olhar para o retrovisor”, pois uma sequência de colheitas com boa produtividade pode esgotar ou desbalancear os estoques de nutrientes no solo, comprometendo os cultivos futuros.

Essa situação pode ocorrer quando há condições climáticas favoráveis e tudo corre bem durante os ciclos da soja e do milho, resultando em elevada produtividade do sistema e consequente exportação de maiores quantidades de nutrientes.

Não obstante, é comum o milho receber menor investimento em fertilizantes do que seria necessário, o que pode torná-lo o vilão da lavoura. Neste artigo, são disponibilizadas informações técnicas atualizadas sobre a dinâmica de acúmulo de biomassa e de absorção de nutrientes pelo milho, bem como suas exigências nutricionais.

A partir dessas informações, são indicados critérios para o dimensionamento da adubação e os cuidados quanto ao momento e modo de aplicação dos principais nutrientes. Condicionantes inerentes à combinação soja/milho segunda safra, especialmente os créditos demanda e balanço de nutrientes, são destacados visando garantir que o sistema como um todo seja adequadamente abastecido e possa expressar elevado potencial produtivo ao longo do tempo.

2. Condições apropriadas de fertilidade do solo para o milho segunda safra

As condições climáticas, com diminuição da quantidade e regularidade das chuvas ao longo da segunda safra no Cerrado, impõem redução da disponibilidade de água no solo. Normalmente, a deficiência hídrica é mais acentuada quanto mais tardia a data de semeadura do milho (SIMÃO et al., 2018). Sem umidade no solo, a própria absorção de nutrientes pelas plantas é comprometida, sendo possivelmente este um dos fatores que contribuem para o menor potencial produtivo nesta época, comparativamente ao cultivo de verão ou sob irrigação.

Uma das técnicas mais efetivas para a convivência com as inconstâncias climáticas é o condicionamento do perfil do solo para estimular o crescimento radicular em profundidade, o que, associado à manutenção de palhada protegendo a superfície do solo no sistema plantio direto (SPD), promove melhor aproveitamento da água das chuvas nas lavouras de sequeiro.

O condicionamento do perfil constitui-se de um conjunto de práticas agrícolas que envolvem o fornecimento de cálcio (Ca) e a diminuição da acidez subsuperficial (uso de calagem e gessagem), e o enriquecimento com outros nutrientes, notadamente o fósforo (P), em camadas mais profundas (uso de adubações corretivas incorporadas), conforme ilustrado na Figura 1A.

Do contrário, a presença de alumínio (Al) e/ou a deficiência de Ca abaixo de 10 ou 20 cm de profundidade, bem como a concentração do P e outros nutrientes apenas nos primeiros centímetros de solo, vão confinar o crescimento radicular superficialmente (Figura 1B), deixando a cultura mais vulnerável a situações de estresse hídrico durante os veranicos ou ao final da estação chuvosa.

Portanto, o condicionamento da fertilidade no perfil deve ser uma prioridade logo na abertura de áreas para o cultivo ou precedendo a adoção do SPD. Na Tabela 1, são indicados valores de referência para a construção e a manutenção de ambientes de elevado potencial produtivo para o sistema soja/ milho segunda safra em solos de cerrado.

Tais valores são úteis nas etapas de diagnóstico e de aferição periódica das condições de fertilidade das lavouras por meio da análise de solo. Devem nortear as metas de manejo como níveis gerais a serem mantidos ao longo do tempo na camada de 0 a 20 cm de profundidade, embora possam ser refinados a partir de melhor conhecimento da realidade local em termos de características do solo, do sistema de culturas e do seu gerenciamento. Vale ressaltar que a matéria orgânica é um componente muito importante para a aptidão e estabilidade produtiva dos solos de cerrado, especialmente daqueles de textura mais arenosa.

Resende et al. (2016a) chamaram a atenção para o papel da matéria orgânica e do plantio direto na estabilização e tamponamento da condição de fertilidade construída, em que solos com maior conteúdo de carbono orgânico estão vinculados a níveis mais elevados de fertilidade, de biomassa microbiana e de produtividade de grãos (SÁ et al.,2009; LOPES et al., 2013; SÁ et al., 2015).

Assim, ao favorecer a manutenção e em alguns casos a elevação dos teores de matéria orgânica, o SPD de qualidade, com rotação e diversidade de culturas, é um diferencial que confere vantagem competitiva na atividade agrícola. Nesse aspecto, a simples replicação continuada da sucessão soja/milho segunda safra deixa a desejar.

Ou seja, o produtor pode melhorar a sustentabilidade e a produtividade desse sistema se conseguir alternar com o cultivo de outras espécies ou inserir plantas de cobertura como a braquiária (Figura 2) e a crotalária, de preferência buscando uma sequência que mantenha elevado aporte de resíduos culturais para assim dispor da maior quantidade possível de palhada, matéria prima para a formação da matéria orgânica no solo.

3. Acúmulo de biomassa e absorção de nutrientes pelo milho

O entendimento da dinâmica e particularidades da absorção de cada nutriente possibilita orientar os melhores momentos e formas de aplicação, visando otimizar o aproveitamento dos fertilizantes e a eficiência produtiva no cultivo de milho.

Na Figura 3, são mostrados padrões de acúmulo de massa pelas plantas e de absorção de nutrientes durante as fases inicial, intermediária e final do ciclo do milho cultivado no verão, sem estresse hídrico (uso de irrigação complementar) no cerrado da Região Central de Minas Gerais.

Observa-se que a absorção dos diversos nutrientes no transcorrer do ciclo não acontece seguindo exatamente o mesmo ritmo de incremento de biomassa das plantas. Na fase inicial, até o estádio V7 (plantas com sete folhas expandidas), alcança-se cerca de 10% da produção final de massa seca (MS) da cultura, mas nesse mesmo período já ocorreu de 20 a 30% do acúmulo total para a maioria dos nutrientes (Figura 3).

Esse comportamento evidencia a grande capacidade de absorção precoce de nutrientes como característica propulsora do rápido desenvolvimento das plantas e da definição do potencial produtivo no início do ciclo da cultura do milho. Na fase mais tardia de desenvolvimento, a partir do estádio reprodutivo R1 (fase de polinização) até R6 (maturação fisiológica), mais de 60% da formação de biomassa ainda está por acontecer, principalmente pela constituição e enchimento dos grãos, que irão representar entre 40 e 55% (BENDER et al., 2013; GUTIÉRREZ, 2016) da massa seca total produzida.

Nesta fase final do ciclo, ainda pode ocorrer expressiva absorção de alguns elementos (Figura 3), mas o estádio de pendoamento (VT) delimita o término do período de aquisição mais intensa para nutrientes como nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K) e magnésio (Mg).

Em termos práticos, é preciso que todo o requerimento de nutrientes na adubação seja distribuído na lavoura nos primeiros 30 dias após a germinação, período que, além de permitir sincronizar melhor o suprimento com a demanda das plantas, coincide com a maior facilidade de circulação de maquinário entre as linhas de milho.

Essa regra é válida para o milho verão, sendo que, no cultivo em segunda safra, o prazo tende a ser ainda mais curto devido à frequente escassez de chuvas já a partir das primeiras semanas do ciclo. Até o estádio de 12 folhas, acontecem vários eventos morfofisiológicos relacionados à definição do potencial produtivo da lavoura (RITCHIE; HANWAY; BENSON, 2003).

O surgimento de sintomas visuais de deficiência nas plantas no transcorrer do ciclo da cultura significa que perdeu-se o momento ideal de fornecimento do nutriente em questão e que, mesmo realizando uma adubação emergencial como “medida corretiva”, o risco de perda de produtividade já não poderá ser totalmente revertido (RESENDE et al., 2018). Dada a acentuada influência das condições climáticas sobre o desenvolvimento e a produtividade, não é possível estabelecer um padrão geral de absorção de nutrientes para o milho segunda safra.

Normalmente, a quantidade acumulada na parte aérea durante o cultivo, correspondente à extração do nutriente, será mais elevada quanto maior for o potencial alcançado de produção de biomassa e de grãos.

Em se tratando de uma lavoura que por qualquer motivo teve a expressão de sua carga genética comprometida, as plantas terão menores níveis de desenvolvimento e de produção de espigas, e, consequentemente, a extração de nutrientes também deverá ser menor.

Obviamente, isso afeta a previsibilidade dos requerimentos nutricionais e o dimensionamento das adubações para diferentes áreas de segunda safra.

Os dados da Figura 4 dão ideia do potencial de extração de nutrientes pelo milho e de exportação nos grãos colhidos, para cada tonelada produzida em condições de bom suprimento de água e nutrientes. É oportuno enfatizar que as taxas de extração de nutrientes pelas plantas podem variar em função de cultivares, ambientes e manejo da adubação, mas as quantidades exportadas por tonelada de grãos são relativamente semelhantes para condições diversas, mesmo entre safra e segunda safra.

4. Estimativas de créditos, demanda e balanço de nutrientes

O milho segunda safra na região do Cerrado remunera menos que a soja e o algodão, de modo que o produtor ainda resiste em investir na adubação do primeiro, fazendo com que muitas vezes as quantidades de nutrientes fornecidas fiquem abaixo do que é exportado na colheita do cereal. Nessa situação, num ano bom de chuva, uma boa produtividade do milho segunda safra pode acontecer à custa das reservas de nutrientes previamente acumuladas nos componentes solo-palhada, gerando déficit que se não for coberto nas adubações seguintes poderá impactar a produtividade futura do sistema como um todo.

Portanto, em solos de fertilidade construída, é razoável ter como prérequisito que as adubações de manutenção das culturas devam repor as respectivas exportações ao longo do tempo, de forma a preservar os estoques de nutrientes e, consequentemente, o potencial e a estabilidade de produção das lavouras. Tal abordagem é conhecida como adubação de reposição ou restituição.

O milho em sucessão à soja se beneficia de créditos de nutrientes, sobretudo de N, derivados da rápida decomposição dos restos culturais da leguminosa, além da própria contribuição da matéria orgânica do solo.

Mas é falsa a ideia de que o milho segunda safra possa produzir bem com baixos níveis ou sem adubação. Não dá para improvisar nesse quesito, especialmente considerando os elevados gastos atuais com sementes e defensivos, bem como o crescente potencial produtivo observado na segunda safra em alguns polos de produção.

Por isso, em algum momento do ano agrícola, seja em adubações antecipadas ou para cada cultura, é preciso cobrir ao menos o quantitativo de nutrientes equivalente às exportações nas colheitas. Na Tabela 2, são apresentados valores atualizados de taxas de exportação de nutrientes pela soja e pelo milho, os quais servem como subsídios ao planejamento das adubações de restituição no sistema envolvendo essas culturas em sucessão.

O produtor deve fazer o monitoramento das condições de suprimento de nutrientes no sistema soja/milho, por meio do balanço de entradas via adubação e saídas via colheita (Quadro 1), aferindo periodicamente as reservas do solo com análises de rotina para detecção de oscilações dos atributos de fertilidade.

Procedendo assim, é possível identificar a necessidade de ajustes nas quantidades de fertilizantes para corrigir desbalanços entre requerimento/fornecimento de nutrientes às culturas ou nos níveis de disponibilidade no solo ao longo do tempo.

Infelizmente, é comum encontrar lavouras com déficit significativo de determinados nutrientes e sobra de outros quando se calcula o balanço, indicando oportunidades de aperfeiçoar o gerenciamento para uso mais eficiente de fertilizantes, com reflexos na produtividade e na rentabilidade das lavouras.

5. Manejo de nutrientes e da adubação no milho segunda safra

Nem sempre as tabelas padronizadas de recomendação, disponíveis nos manuais técnicos, fornecem a indicação mais apropriada e racional para possibilitar ajustes finos no manejo da adubação. A estimativa dos requerimentos nutricionais, confrontada com a capacidade de suprimento de nutrientes pelo solo/sistema, constitui a base para se dimensionar as adubações de manutenção.

Numa abordagem simplificada, a adubação deveria prover quantidades de nutrientes correspondentes às exigências da planta, menos o que o sistema for capaz de fornecer para o cultivo em questão. Ocorre que tanto a demanda da cultura quanto o suprimento pelo solo, assim como a eficiência de aproveitamento dos fertilizantes, não são fácil e diretamente determináveis, havendo interferência de diversos fatores que nem sempre são levados em conta (RESENDE et al., 2018).

Os aspectos listados na Tabela 3 dão ideia do quanto se pode avançar em busca de uma adubação otimizada no milho segunda safra a partir de um melhor discernimento acerca dos condicionantes locais (da propriedade/talhão), envolvendo as necessidades nutricionais da cultura, o potencial de suprimento de nutrientes pelo sistema e a eficiência de aproveitamento dos fertilizantes.

Integrar todos esses aspectos para balizar a tomada de decisão requer esforço técnico, mas é algo que já vem sendo exercitado pelos produtores mais competitivos. As quantidades de fertilizantes a aplicar no milho segunda safra dependem dos créditos de nutrientes no solo e na palhada, sobretudo, aqueles remanescentes do último cultivo de soja.

Não há, na literatura, dados consensuais sobre as quantidades de nutrientes deixadas no sistema após a colheita da soja. Assume-se que quanto maior a produtividade de grãos da leguminosa, proporcionalmente maiores serão a massa de palhada na área e as quantidades de nutrientes disponíveis para o milho em sucessão. No caso do nitrogênio, Duarte et al. (2017) indicaram uma estimativa de crédito de 17 kg/ha para cada tonelada de soja produzida.

Para outros nutrientes, a análise periódica do solo, associada ao balanço do sistema (Figura 5), permite ajustar satisfatoriamente o plano de adubação para cada ano agrícola.

Deve-se ter em mente que o nível de fertilização utilizado no milho segunda safra pode afetar o saldo de nutrientes no sistema após a colheita. Assim, a adubação de manutenção do milho deve fazer parte de um programa de reposição que considera as reservas e ciclagem de nutrientes, permite suprimento suficiente ao bom desenvolvimento e produtividade daquele cultivo e realimenta o estoque do sistema, garantindo a base de fertilidade para o estabelecimento das culturas subsequentes na área. Todos os produtores devem estar cientes de que, na eventualidade de o milho segunda safra ser colhido para a produção de silagem, tudo o que foi extraído será exportado com a retirada das plantas inteiras.

E isso costuma ocorrer em lavouras instaladas prevendo a colheita de grãos, mas que na iminência de baixa produtividade (ex: efeito de seca) são direcionadas ao corte para forragem. Nesses casos, as quantidades exportadas são muito superiores às observadas quando só os grãos saem das lavouras.

Alguns ciclos de produção de silagem sem a devida reposição podem deixar o sistema drasticamente empobrecido, principalmente em N e K. O nitrogênio é o principal nutriente determinante da produtividade do milho.

Na maioria das lavouras no Cerrado, não se conseguem boas produtividades apenas com o N oriundos dos créditos da soja e o liberado pela mineralização da matéria orgânica do solo.

A adubação nitrogenada na semeadura é decisiva para um bom arranque do milho. No caso da segunda safra, que geralmente requer menor dose total de N, fornecer certa quantidade na semeadura pode ser mais importante para o desempenho produtivo do que a opção de se aplicar todo o nutriente apenas em cobertura (DUARTE et al., 2017). A adubação de cobertura poderia ser realizada até o estádio de 8 folhas, porém, muitas vezes a antecipação para o estádio de 3 a 4 folhas resulta em melhor resposta no plantio direto, além de estimular o fechamento do dossel da cultura facilitando o manejo de plantas daninhas.

Para os padrões atuais de produtividade média na segunda safra, o fornecimento de dose total acima de 100 kg/ ha de N deve ter sua efetividade técnica e econômica aferida localmente, dadas às variações de resposta devido a interferências climáticas, créditos do nutriente no sistema e riscos de perdas por volatilização e/ou lixiviação. Devido à mobilidade muito baixa do fósforo no solo, este deve estar disponível ao alcance das raízes a partir da germinação do milho, para satisfazer o quanto antes a necessidade inicial das plantas.

A falta de acesso ao P retarda drasticamente o crescimento das raízes e da parte aérea e, por isso, não se deve cogitar aplicá-lo a lanço em superfície no caso de solos que ainda não têm perfil corrigido com boa disponibilidade até 20 cm de profundidade. Em áreas de fertilidade construída e sem riscos de erosão (com relevo suave a plano e proteção de palhada), a opção pela adubação fosfatada superficial pode ser viável, agregando conveniências operacionais (maior rendimento na semeadura com melhor aproveitamento das janelas de plantio safra/segunda safra) atrativas principalmente no manejo de grandes fazendas na região do Cerrado.

Todavia, mesmo em solos de alta fertilidade, a localização do P no sulco de semeadura é uma prática que promove arranque vigoroso do milho, especialmente quando associado ao N, o que pode trazer vantagens para a condução da lavoura em relação à dominância sobre plantas daninhas e à tolerância/escape a estresses associados a veranicose incidência de pragas e doenças (RESENDE et al., 2018).

O manejo da adubação potássica não representa maior dificuldade na cultura do milho. Nos solos com disponibilidade adequada de K e sem processos erosivos, as adubações de manutenção podem ser feitas de forma antecipada, na semeadura, em cobertura ou pela combinação dessas modalidades.

Pelo fato de a soja se mostrar mais sensível ao suprimento de K em solos de cerrado, é essa cultura que o manejo da adubação potássica deve privilegiar. Normalmente é possível aplicar toda a demanda do sistema antes ou durante o ciclo da soja, o que garantiria atender também o milho segunda safra, com a vantagem de um maior rendimento na operação de semeadura e dispensando a presença do fertilizante potássico no sulco do milho (menor efeito salino sobre as sementes).

No caso de solos arenosos e regime climático de muita chuva, o risco de lixiviação de K pode ser reduzido com o parcelamento da adubação, de forma análoga ao que se recomenda no manejo de N. Essa situação justificaria a necessidade de cobertura potássica no milho. Praticamente toda a extração de K se dá até o florescimento do milho (Figura 3), acumulando-se nas partes vegetativas, sobretudo nos colmos (RESENDE et al., 2016c). Por isso, a provisão desse nutriente é mais crítica quando a finalidade do cultivo é a produção de silagem.

Com a retirada das plantas inteiras da lavoura, a exportação de K é intensa, o que, consequentemente, exige adubações mais pesadas para que a reposição do nutriente no sistema seja proporcional à remoção. A carência de enxofre é causa relativamente comum de perda de produtividade do milho, mesmo em lavouras conduzidas com alto investimento tecnológico. São justamente os sistemas mais intensivos e com elevados tetos de produtividade os mais sujeitos à ocorrência de níveis deficitários de S, pela maior necessidade de reposição das exportações.

Com uma única sequência soja/milho segunda safra produzindo 70 e 130 sc/ha, respectivamente, remove-se da lavoura mais de 30 kg/ha de S. É frequente o descuido/esquecimento no tocante à necessidade de recompor as reservas do nutriente no solo ao longo do tempo. A preferência dos produtores por fontes de N, P e K concentradas, que apresentam menor custo unitário mas não têm S sua constituição, acentua ainda mais essa problemática. Áreas de solos arenosos e com baixos teores de matéria orgânica, a qual constitui a principal fonte de S nos solos tropicais, são naturalmente predispostas à deficiência.

Quando não se faz uso de gessagem, adubação orgânica ou fertilizantes fosfatados e nitrogenados com S em sua composição, é preciso atentar para o diagnóstico da necessidade ou não de adubações especificas, para fornecê-lo em quantidades suficientes não só para o milho mas também para as demais culturas que fazem parte do sistema de produção. Os solos argilosos que já receberam maiores quantidades de insumos contendo S podem dispor de efeito residual do nutriente por considerável período de tempo.

Vale lembrar que um diagnóstico consistente da disponibilidade de S no solo requer análise também de amostras de camadas subsuperficiais (20 a 40 cm ou abaixo), onde o sulfato tende a ser adsorvido aos colóides com cargas positivas, permanecendo disponível às plantas em maiores concentrações do que na porção superficial do perfil. Zinco (Zn), boro (B), cobre (Cu), manganês (Mn) e ferro (Fe) são, nessa ordem de importância, os micronutrientes cujas deficiências mais limitam a produtividade do milho no Brasil.

Os solos da região do Cerrado apresentam baixos níveis de disponibilidade natural de micronutrientes, notadamente Zn e B. Esse fato fez com que sua aplicação fosse largamente incentivada, de tal modo que os agricultores se acostumaram a sempre utilizar formulados NPK e outras fontes acrescidas de certo percentual desses dois micronutrientes.

O cenário atual evidencia que a maioria das áreas conduzidas há mais tempo com culturas anuais já dispõe de teores de Zn muito acima dos níveis críticos indicados na literatura, devido ao marcante efeito residual constatado para esse micronutriente. Mas não é esse o caso do B, que não se acumula nos solos e por isso deve ser motivo de constante atenção quanto ao fornecimento nas adubações de manutenção.

Tal como ocorre com o S, a preferência por fontes de N, P e K mais concentradas e principalmente a intensificação dos cultivos aumenta a chance de carências nutricionais ligadas a outros micronutrientes como Cu e Mn. As respostas a molibdênio (Mo), níquel (Ni) e silício (Si) também vêm sendo estudadas visando incrementos adicionais de produtividade em lavouras de alto rendimento. Uma vez que os níveis de exigência dos diversos micronutrientes pela soja são distintos dos expressos pelo milho, ao pensar no sistema de culturas, é preciso sempre definir as aplicações buscando atender à espécie mais exigente. Adubações periódicas via solo procurando manter teores adequados de micronutrientes não podem ser dispensadas.

Porém, considerando que a disponibilidade dos mesmos no solo sofre interferência de vários fatores e fenômenos de difícil controle, e que as quantidades requeridas são pequenas (da ordem de g/ha), pulverizações foliares durante o ciclo das culturas podem constituir excelente estratégia de suprimento complementar.

6. Considerações finais

O cultivo do milho segunda safra já está bem consolidado na região do Cerrado e, apesar de sujeito a incertezas do mercado na comercialização dos grãos, continuará sendo a modalidade predominante de produção do cereal graças à sua versatilidade como espécie componente de sistemas de produção de culturas anuais.

Sua elevada produção de biomassa o torna essencial para a manutenção da palhada no plantio direto, com reflexos nos compartimentos de ciclagem de nutrientes e nos níveis de matéria orgânica no solo, constituindo, portanto, um fator de sustentabilidade agrícola.

Conhecer com maior rigor os níveis de exportação por talhão é um pré-requisito para se identificar as reais necessidades de reposição e equilíbrio de nutrientes no sistema de culturas explorado, um passo estratégico quando se visa ganhos de competitividade na propriedade. Na adubação do milho segunda safra deve-se ter como meta ao menos restituir os nutrientes removidos na colheita dos grãos.

Adequações para mais ou para menos dependem da aplicação de conhecimento técnico integrado sobre as culturas que se afetam mutuamente, o ambiente, o sistema de produção, o histórico da área, os fertilizantes disponíveis, os aspectos operacionais e as condições de manejo geral da lavoura.

Sem dúvida, o maior desafio atual da fertilidade do solo para soja/milho segunda safra no Cerrado é a composição de novos desenhos para a diversificação do sistema, viabilizando alternativas para que a sucessão simples dessas duas culturas deixe de ser o modelo recorrente em vastas áreas das regiões produtoras. Infelizmente, tal modelo ainda está muito próximo à monocultura e degrada-se, implicando em problemas de toda ordem aos produtores. Na agricultura de larga escala, soluções aparentemente simples tornam-se complexas, pela necessidade de se adequarem ao eixo operacional das fazendas.

Não obstante, há exemplos mais bem sucedidos de gerenciamento de sistemas envolvendo soja/ milho segunda safra, onde essa sucessão não é a forma exclusiva de utilização das áreas de produção e a ocupação do solo no tempo e no espaço é compartilhada com outras culturas comerciais ou plantas de cobertura.

7. Agradecimentos

Ao CNPq (Processo: 422538/ 2016-7) e à Fundação Agrisus (Processo: 2484/18).

Referências

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