Como as doenças causadas por fungos chegaram no Brasil?


Autores: Erlei Melo Reis, Andrea Camargo Reis, Mateus Zanatta
Publicado em: 31/10/2018

1 Introdução

Em 1.917, Elmer Drew Merrill, em observância as Regras Internacional de Nomenclatura Botânica, propôs que o nome científico correto da soja deveria ser Glycine max (L.) Merrill. A palavra Glycine, é um termo derivado da raiz grega glyks, significando doce, provavelmente em alusão ao tubérculo doce produzido por Apios, a planta na qual Linnaeus, originalmente baseou-se na descrição do gênero. Mais tarde, foi movido para outro gênero.

Hoje, a teoria mais aceita referente ao centro de origem da soja é a de que ela emergiu como planta domesticada no meio este do norte da China no século 12 (inicio da dinastia Chou). “O primeiro relato escrito da soja foi feito no livros de Pen Ts’ao Kang Mu, contendo a descrição da planta pelo Imperador Shen Nung em 2.838 AC.”

Em 1.931 os botânicos japoneses, Makino e Nemoto, pela primeira vez propuseram que a soja teve sua origem na Manchuria. A soja foi primeiramente mencionada nos Estados Unidos numa publicação de 1.804 pelo Dr. James Mease e os primeiros relatos de sua introdução na América do Sul são de 1.882, no Brasil. Hoje, a área cultivada de soja no Brasil é superior a 35 milhões de hectares. No Brasil são relatadas 40 doenças causadas por fungos, bactérias, nematóides e vírus.

As principais são causadas por fungos e nematóides. Os patógenos que atacam os órgãos aéreos da soja (folhas, hastes e vagens) foram primeiramente relatados no Japão e Korea (Próximos ao centro de origem) após nos Estados Unidos e finalmente no Brasil. O transporte de material genético da soja (sementes) disseminou os patógenos da cultura em todas as áreas aonde a soja hoje é cultivada.

Alguns patógenos foram relatados pela primeira vez, em casa-de-vegetação de institutos de pesquisa.

Pergunta: os serviços quarentenários nos países para onde a soja foi levada, foram e tem sido eficientes em detectar e evitar a sua entrada em continentes e países?

E além disso, programas destinados a produção e manutenção de sementes indenes não tem sido vistos como ferramenta útil ao manejo integrado de doenças da soja. Uma vez introduzido nos países, e como seu cultivo é altamente atrativo aos produtores (preço e liquidez), a soja é cultivada em monocultura. O velho problema da erosão dos solos foi quase totalmente resolvido com o plantio direto.

No entanto, a associação destas duas práticas - monocultura e plantio direto - contribui para a sobrevivência dos fitopatógenos e o consequente agravamento da intensidade e dos danos causados pelas doenças.

2 Conceitos básicos

(i) Controle.

É o emprego de medidas que visam impedir ou diminuir a incidência/severidade de doenças de plantas, de modo a evitar ou reduzir os prejuízos causados”. O controle envolve o conjunto de táticas para minimizar os danos causados pelas doenças. Quando se decide controlar uma doença, deve ter em mente qual a eficácia de controle esperado. Por exemplo, seria reduzir a intensidade da doença e o dano em aproximadamente 40, 50, 60, 70, 80, 90 ou > 90%?

(ii) Controle integrado (CI).

Segundo a FAO (1968) (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), CI “é um sistema de manejo de organismos nocivos que utiliza todas as técnicas e métodos apropriados, da maneira mais compatível possível, para manter as populações de organismos nocivos em níveis abaixo daqueles que causem injúria econômica”.

(iii) Manejo integrado de doenças (MID).

Um ano mais tarde, a NAS (National Academy of Science dos Estados Unidos, 1969) apresentou o conceito oficial de MID como sendo a “utilização de todas as técnicas disponíveis, dentro de um programa unificado, de tal modo a manter a população de organismos nocivos abaixo do LDE e a minimizar os efeitos colaterais deletérios ao meio ambiente”. O MID satisfaz as exigências técnicas de sustentabilidade da agricultura.

(iv) Dano:

é qualquer redução na quantidade (kg/ha) e/ou qualidade da produção (NUTER et al., 1993).

(v) Perda:

redução financeira (R$/ha) por unidade de área devido ao dano (NUTER et al., 1993). Os cientistas concluem que o procedimento mais racional é praticar o manejo integrado de doenças. Para tal, é indispensável saber o dano que a doença causa. O dano depende da quantidade de doença, expressa por uma função matemática que contém o coeficiente de dano (Cd).

3 Táticas componentes do manejo integrado de doenças (MID)

(i) Eliminação do inóculo primário.

As fontes de inóculo primário dos patógenos da soja são as sementes, os restos culturais, as plantas voluntárias, os hospedeiros alternativos e os reservatórios de vírus. No caso dos fungos de solo, com habilidade de competição saprofítica, o local onde se encontram é o solo, contendo matéria orgânica vegetal. Portanto, no MID, os patógenos devem ser reduzidos ou eliminados das fontes citadas.

(ii) Produção e manutenção de sementes indenes.

O centro de origem da soja, segundo Nikolai Ivanovich Vavilov (1887- 1943,) é a região da Manshuria, na China. A partir desse centro, as sementes de soja foram levadas para todo o mundo. A principal fonte de sementes de soja para o Brasil continua a ser os Estados Unidos. No entanto, foi grande o fluxo de sementes de cultivares de sojas transgênicas RR, introduzidas no Brasil, de procedência argentina.

A introdução de cultivares RR da Argentina ainda continua intenso. A literatura confirma que as principais doenças dos órgãos aéreos da soja foram primeiramente descritas nos Estados Unidos, e, após, no Brasil. Algumas exceções são o crestamento de cercospora, o olho-de-rã, a septoriose e o míldio, descritos primeiramente no Japão, mas sempre antes nos Estados Unidos e só depois no Brasil.

Se pode inferir que a fonte de inóculo dos patógenos foi a semente de soja introduzida no Brasil. Da mesma maneira foram e estão sendo levados para estados, municípios e lavouras. Pode-se deduzir que os patógenos da soja têm acompanhado a cultura onde quer que ela seja cultivada, graças a sua associação com as sementes.

No Quadro 1, apresenta-se, segundo a literatura disponível, um histórico de ocorrência das principais doenças da soja com relação ao país, ano e autor da primeira descrição. Há dificuldade na coleta de dados sobre patologia de sementes da soja, sobretudo, nos trabalhos feitos no Brasil.

A maioria dos relatos não se refere à prova de patogenicidade, seguindo-se os postulados de Koch (Agrios, 2004). Normalmente são relativos à descrição da doença, numa lavoura ou região, às vezes mimiografados e/ou escritos à máquina (Relatórios). Alguns patógenos da cultua não apresentam dependência das sementes para serem transportados para todos os lugares onde a soja será cultivada.

Nesse caso, enquadram-se os fungos do solo, geralmente polífagos, como Sclerotium rolfsii, Rhizoctonia solani, Fusarium tucumaniae, F. cuneirostrum, F. virguliforme, F. brasiliensis e Macrophomina phaseolina. É difícil resgatar a história desse grupo, identificando o ano e o autor da descrição de sua ocorrência no Brasil. O mesmo ocorre com Sclerotinia sclerotiorum, que pode estar veiculado às sementes como esclerócios entre as sementes, ou como micélio infectante dos cotilédones.

“Na natureza, os patógenos não se separam dos hospedeiros de quem dependem nutricionalmente”. “Todos os parasitas necrotróficos de órgãos aéreos estão presentes nas sementes”. Por isso, “em toda a lavoura originada de semente infectada ocorrerá manchas foliares, cancros e antracnose nos órgãos aéreos” (Reis e Casa, 1998; Reis et al., 2004). Para se produzir sementes indenes é necessário manter continuamente gerações de semente fundação (pequenas quantidades), produzidas em casa-de-vegetação (UR < 70%), sem molhamento foliar (respingos de chuva ou água irrigação).

Não havendo ciclos secundários, a semente produzida será indene. O tratamento de sementes de soja com fungicidas não é suficientemente eficaz para evitar a transmissão sementecotilédone-órgãos aéreos. Após a transmissão, sob ambiente favorável, desencadeiam-se os ciclos secundários, a partir de cada foco, resultando no crescimento da doença na lavoura.

Se a semente apresenta baixa incidência de um patógeno provavelmente necessite de vários anos de cultivo repetido na mesma área (monocultura), para que haja tempo para o aumento do inóculo e assim cause epidemia. Isso deve ter ocorrido nas primeiras lavouras cultivadas no Brasil, com semente procedente dos Estados Unidos.

O inóculo é aumentado principalmente nos restos culturais pelos anos sucessivos de monocultura, sob ambiente favorável. É a densidade de inóculo na palha que causa epidemia, dano e necessidade de controle químico. Com alta incidência em sementes, talvez seja necessário menor números de safras de monocultura para a doença atingir a classificação de epidemia.

Na situação presente, com a maioria da área cultivada sob plantio direto e monocultura de soja, a adoção do MID fica limitada. Numa área nova, no primeiro ano de cultivo, a doença surge ou se manifesta em focos localizados, onde a semente infectada foi posicionada.

Ocorre a transmissão e vários ciclos secundários bem suscedidos se sucederão. Na direção e local para onde as sementes são levadas, os patógenos as acompanham. O que foi e está sendo feito para evitar a introdução de patógenos da soja, de outros países, no Brasil? As ações nesse sentido (legislação e fiscalização) foram e têm sido eficientes?

 

Referências

AGRIOS, G. N. Plant pathology. Amsterdan, Elsevier Academic Press, 5th ed. 2004. 922p.

ANDRUS, C.F. & MOORE, W.D. Colletotrichum truncata (Schw.) n. comb. on garden and lima bean. Phytopathology 25:121-125, 1935.

BARRETO, D.E.; ROSSI, L.A.; TRAUT, E.; FORTUGNO, C. Hongos patógenos en semillas de soja. IV Jornadas Fitosanitarias Argentinas. Libro de Resúmenes: 27. Fac. de Ciencias Agropecuarias. UNCb. Córdoba. 19 al 21 de agosto. 1981.

BONACIC KRESIC, M. de; CAMPAGNAC, N.A. Contribución al conocimiento de las enfermedades sobre distintos cultivos en el noreste argentino. Boletín, Vol. 7. Eds., Miscelánea.

INTA-EER Sáenz Peña. Pres. Roque Sáenz Peña. Chaco. 1982.

FAO. Report of the first session of the F.A. O. Panel of experts on integrated pest control. F.A. O. Meeting Report. No. PL/1967/M/7. Annals, Rome.

GOMES, J. C.; CRESPO, A. T. A incidência da mancha purpúrea, em condições naturais de campo, correlacionada com as precipitações pluviométricas, no Rio Grande do Sul. 1966. Mimeografado 6p.

GRIJALBA, P. E. & GUILLIN, E. Occurrence of soybean stem canker caused by Diaporthe phaseolorum var. caulivora in the southern part of Buenos Aires province, Argentina. Australasian Plant Disease Notes 2(1) 65–66. 2007.

GRIJALBA, P.E.; CARMONA, M.A. Cancro del tallo de la soja ocasionado por

LEHMAN, S.G. Pod and stem blight of soybean. Annals Mo. Botany Garden 10:119-169. 1923

LEHMAN, S.G. Frog-eye leaf spot of soybean caused by Cercospora diazu Miura. Journal of Agricultural Research 36:811-833.1928.

LUZARDI, G.C.; BUHN, G.B.; WETZEL, D.B.; GASTAL, M.F.; RAUPP, A.A. Mancha castanha da soja. Uma nova doença no Brasil. IPEAS. Indicação de pesquisa 38:1-1. 1972.

MITIDIERI, I.Z.M. de. Antecedentes y observaciones del mildiu de la soja Peronospora manshurica (Naoumoff) Sydow ex Gauman. IDIA 393-394. Buenos Aires.1980.

MITIDIERI, I.Z.M. de. Mancha parda de la soja Septoria glycines Hemmi. VI Jornadas Fitosanitarias Argentinas. Libro de Resúmenes: s/n. Fac. de Ciencias Agrarias del Comagüe. Neuquén. 8 al 11 de abril. 1986.

MURAKISHI, H. H. Purple stain of soybean. Phytopathology 41:305-318. 1951. NAS (National Academy of Sciences). Insect pest management and control. Public. 1695. National Academy of Sciences, Washington. 1969.

NUTER, F.W; TENG, P.S.; ROYER, M.H. Terms and concepts for yield crop loss and disease thresholds. Plant Disease 77:211-215. 1993.

PIOLI, R.N; MORANDI, E.N.; BISARO, V. First report of soybean canker caused by Diaporthe phaseolorum var. caulivora in Argentina. Plant Disease 85:95. 2001.

PLOPER, D.; GONZALES, V.; GALVEZ, R.; DEVAN I, M. La mancha Ojo de rana. Otra enfermedad limitante del cultivo de soja. EEAOC, Avance Agroindustrial 21(2):9-12. 2000.

REIS, E.M, CASA, R.T. Patologia de sementes de cereais de inverno. Passo Fundo: Aldeia Norte Editora. 1998.

TOCHETTO, A.; GOMES, J. C.; DE GASPARI, A. J.; FILHO, C. B. Organismos e moléstias determinados. In: Boletim Anual do Serviço de Fitopatologia. Secretaria da Agricultura.

DPV. SDVS. 6:11. 1961. VERNETTI, F, J.; FERREIRA, L. P. Uma nova doença da soja no Rio Grande do Sul. Pesquisa Agropecuária Brasileira 5:19-26. 1970. Wolf, F.A. & Lehman, S.G. Brown-spot disease of soybean. Journ. Agric. Research 33:365-380. 1926.

YORINORI, J.T.; ALMEIDA, A.M.R.; HOMECHIN, M.; MIRANDA, L.C.; KIHL, R.A.S. POLA, N. Epifitia do cancro da haste da soja nos municípios de Castro, Palmeira, Ponta Grossa e Tibagi no Paraná e Rondonópolis, no Mato Grosso, na safra 1988/89. In: Seminário Nacional de Pesquisa de Soja, 5, 1989, Campo Grande. Resumos... Londrina:EMBRAPA-CNPSo,1989.p.22-23.

YORINORI, J.T. Algumas doenças da soja na área do IPEAME. S..t. 2p. Mimeografado.