Mas seu legado transcenderá gerações
Dirceu Neri Gassen nasceu em Lajeado Ipê, Santa Rosa, em 25 de março de 1953. Desde criança acompanhava as atividades na propriedade rural junto ao pai, Arnaldo Gassen. Em meados da década de 60, a família abandonou a produção de suínos para se dedicar ao cultivo de soja e trigo, pelas facilidades de crédito e vantagens econômicas oferecidas na época para atividade agrícola.
Ainda em Santa Rosa, Dirceu tomou o gosto pela pesquisa e pela inovação, influenciado pelo exemplo do pai, um agricultor de perfil inovador e uma liderança no segmento. Em seus relatos, Dirceu comentava que no início a família trabalha com a criação de suínos da raça Wessex Sadleback (faixa branca) sendo sua a função, como filho mais velho, cuidar e preparar suínos para exposições que ocorriam na região e que renderam alguns troféus à família.
Na mesma época pesquisadores do IPV (Instituto de Produção Vegetal) da Secretaria da Agricultura, do Instisoja, da UFRGS e de outras entidades desenvolveram pesquisas em soja e em solos na região de Santa Rosa, o que despertou o interesse de Dirceu. Iniciada no município de Ibirubá em 1966, a Operação Tatu – ou Plano Estadual de Melhoramento da Fertilidade do Solo – foi um esforço conjunto de várias instituições do Rio Grande do Sul. Teve como objetivo recuperar, melhorar e incrementar a produtividade da agricultura no Estado, especialmente por meio da análise e da recuperação da fertilidade dos solos.
Segundo Dirceu, no auge do Programa foram realizados testes de uso de calcário para demonstrar a influência da acidez dos solos no crescimento vegetativo da soja. Para Dirceu, essa foi uma das maiores revoluções da agricultura brasileira.
Na época ele acompanhou a visita de norteamericanos que falando apenas inglês, instalavam e discutiam experimentos nos quais ele auxiliava, “nos testes usávamos máquinas de tração animal e eu conduzia o cavalo”. Dirceu também acompanhou os estudos de cruzamentos com a fecundação artificial de soja, que resultaram em novas cultivares.
Para ele esses foram momentos extraordinários de sua vida, considerou essa experiência de, ainda adolescente acompanhar o trabalho dos pesquisadores, equipados com tesouras especiais cortando as flores, fecundando e marcando plantas com etiquetas, um fator impulsionador para a busca do conhecimento. “Foi um estímulo raro e rico que tive para a o estudo de plantas, de solos e a introdução de novas tecnologias”. Em seus registros sobre essa época Dirceu destaca o lançamento da cultivar de soja Santa Rosa, denominada de L326, linhagem do IAC.
“Foi uma cultivar que dominou a produção de sementes e área cultivada por vários anos”. O contato precoce com a pesquisa, sem dúvida, influenciou a trajetória profissional de Dirceu, que iniciou os estudou na Escola Rural de Lajeado Ipê, depois seguiu na Escola Evangélica da Paz, em Santa Rosa. Percorria os quilômetros entre sua casa e a escola a cavalo.
Parou de estudar por dois anos, mas quando retornou tinha a convicção de seguir a carreira na agronomia. Segundo seus relatos, esqueceu-se de conferir a lista de aprovados no vestibular e quase perdeu a oportunidade de matrícula na Universidade, se não tivesse sido alertado por um amigo.
Formou-se engenheiro agrônomo na Universidade de Passo Fundo, fez seu mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e cursos de pósgraduação na Universidade da Califórnia, EUA, e na Lincoln University, Nova Zelândia, com foco na área de entomologia agrícola. Durante a graduação, motivado pelo Professor de Entomologia e Parasitologia Agrícolas, Augusto Paiva Neto, tornou-se monitor da disciplina.
Desde cedo já demonstrava perfil proativo e certo perfeccionismo. Dirceu dedicou tempo nobre e energia aos estudos da área (segundo ele não participava de festas e deixava de lado o lazer dos finais de semana) para auxiliar nas atividades práticas da disciplina com eficiência. Isso também o levou a descobrir uma paixão que o acompanharia por toda a vida: fotografar. A preocupação com a qualidade do material apresentado em suas aulas de monitoria fez com que desenvolvesse o talento para fotografar. Construiu uma rica trajetória profissional que o tornou conhecido e reconhecido nos quatro cantos do mundo. Foi Pesquisador da Empasc (SC) e Embrapa, Passo Fundo, por 21 anos.
Nessa função, coordenou estudos na área de entomologia, enfatizando em pragas e insetos benéficos importantes na Revolução Agrícola que estava ocorrendo no país, o Plantio Direto, do qual foi defensor já na faculdade.
Por ter paixão pelas mais diversas áreas do conhecimento e enxergar a produção agrícola como um sistema, desde o início da década de 1980, desenvolveu pesquisas aplicadas para as demandas regionais, junto com o Engenheiro Agrônomo Sérgio Schneider, em Santa Rosa/RS, buscava a solução de problemas pontuais enfrentados pelos agricultores e técnicos nas situações reais de lavoura.
Buscava, na verdade, desenvolver novas práticas em agricultura, “construiu” uma escola de aprendizado prático cujo conhecimento foi compartilhado nas quase 1500 palestras realizadas, livros e artigos publicados ao longo da vida. Realizando também viagens para participação em eventos internacionais em países como Russia, Ucrânia, Turquia, Israel, Japão, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Espanha, França, Argentina, Chile, México, Colômbia, Peru, entre outros.
Dirceu Desempenhou a função de coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul. Após o período como pesquisador especialista em pragas, tornou-se gestor da área técnica de cooperativa por 14 anos, realizando palestras, treinamentos e informativos, unindo a grande experiência de campo e base teórica como pesquisador, influenciando milhares de agricultores e assistentes técnicos de cooperativas e empresas no Brasil e nos países da América do Sul.
Dedicou seus últimos anos a prestar consultorias de forma autônoma e a docência, como professor de cursos de pós-graduação em agronomia, além de explorar a internet como forma de difusão do seu conhecimento, chegando a ter mais de 42.000 seguidores em redes sociais. O foco do seu trabalho foi incentivar agricultores e técnicos às boas práticas agrícolas e o manejo de lavouras para altos rendimentos.
Às vezes, com propostas polêmica e posicionamentos fortes, mas sempre foi respeitado como profissional. Dirceu foi um dos grandes incentivadores do projeto da Revista Plantio Direto, no início da década de 1990. Este sempre ao lado do fundador o também engenheiro agrônomo Gilberto Borges. Entre uma cuia e outra de chimarrão, surgiram grandes projetos de eventos e publicações. Ele foi membro do Conselho Consultivo, no qual revisava textos e sugeria pautas e assuntos, passando a Editor Técnico, escrevendo inúmeros artigos e participando da elaboração da programação de eventos técnicos.
Permaneceu apoiador, amigo, consultor, incentivador, por todos esses anos. No dia 3 de setembro a agricultura cobriu-se em luto pela ausência que será sentida para sempre. Se fossem transcritas as manifestações de pesar de todo o segmento agrícola, milhões de linhas seriam preenchidas, é um sentimento unânime e doloroso de perda. No entanto, todos estamos convictos de que a passagem de Dirceu Gassen pela vida não foi em vão, suas marcas permanecerão, seus ensinamentos serão eternos e cabe a cada um de nós, pessoas ligadas ao agro, manter essa memória ativa e brilhante através das gerações.
Alguns ensinamentos:
“Tomar decisões de controle de pragas sem conhecer as espécies e as populações é como administrar um negócio sem conhecer o estoque e a logística”
A aplicação de produtos químicos, em especial de inseticidas em lavouras sem realização de monitoramento, amostragem e identificação das espécies praga é frequentemente causa de problemas no médio e longo prazo. A pulverização do inseticida de forma preventiva para economizar e evitar aparecimento de insetos não elimina o problema, pois ele não existe ainda, mas elimina os inimigos naturais que mantem as espécies praga em equilíbrio.
Além disso, a aplicação preventiva permite surgimento de pragas resistentes e surtos em grande população com dificuldade de controle. É importante, em se tratando de pragas na lavoura, o conhecimento da população e também do limite de dano econômico indicado para realizar o controle. Dessa forma, economiza-se em aplicações desnecessárias e diminui-se os riscos ambientais e de resistência.
“O problema da produtividade está na engenharia da agronomia: medir, calcular, interpretar e fazer o que é necessário”
Para colher 5.400 kg/ha, ou 90 sc de soja/ha, deve-se fazer um exercício de lógica. Por exemplo: atingir essa produtividade seria produzir 3.000 grãos/m² de área, com cada grão pesando 0,18 g. Para isso, é necessário distribuir bem as plantas. Exagerar na população resultará em maior incidência e severidade de doenças.
Além disso, falhas na distribuição não são compensadas com o aumento de produção das plantas vizinhas. Plantas agrupadas determinam ineficiência na interceptação de radiação solar, aumentam a competição por energia solar, água e nutrientes gerando condições adequadas para a infestação de patógenos nas folhas inferiores. Para a meta de 3.000 grãos/m² são necessárias 20 plantas, cada uma com 150 grãos e 2.000 cm² de área foliar. Ou 30 plantas com 100 grãos e 1.330 cm² de área foliar.
Para alcançar a meta de 3.000 grãos/ m², as cultivares com hastes distribuídos no formato de candelabro e 300 grãos, necessitam 10 plantas/m². As cultivares mono haste, com 100 grãos, necessitam 30 plantas/m². A meta de 0,18 g/grão é definida pela sanidade das folhas até R6. Todos esses fatores influenciam nos objetivos de quantidade e peso de grãos. A combinação das duas metas resulta em 5.400 kg/ha, 90 sc/ha. Algumas características de lavouras de soja que se repetem todos os anos nas diversas partes do país:
- Exagero de plantas.
- Falhas de semeadura em todo metro.
- Plantas duplas.
- Perda exagerada de folhas no terço inferior das plantas.
- Doenças necrotróficas nas folhas, pecíolos e hastes inferiores (mancha-alvo, antracnose, cercóspora, fomópsis…).
A fase de enchimento de grãos é a melhor para registrar a população (as falhas, as duplas, as dominadas etc), contar o número de nós com rácemos, folhas sadias e perdidas, identificar a presença e a severidade de doenças.
“A semeadura é o processo mais importante para altos rendimentos de grãos”
Cultivares de soja com ciclo precoce e rendimentos elevados exigem mais conhecimento sobre distribuição espacial, índice de área foliar e manejo de cada planta como unidade de produção da lavoura. A evolução está nas semeadoras com fluxo pneumático de sementes individuais e posicionadas de forma equidistante no solo.
O aumento na produtividade está na qualidade das sementes e na qualidade dos processos de semeadura. A distribuição espacial, deve obedecer às características de arquitetura de cada cultivar.
A semeadura cruzada, linhas pareadas e plantas agrupadas são estratégias que não acompanham a lógica da necessidade das plantas para maior eficiência na produção. Plantas agrupadas, sobrepõe folhas, dificultam a cobertura da área foliar com a aplicação de produtos fitossanitários e limitam a eficácia na proteção contra patógenos, insetos, ácaros e mosca-branca.
Antes de adotar mudanças na distribuição espacial de plantas, em áreas extensivas, é necessário validar em sua lavoura, sempre com metas de aumento da produtividade e sanidade de plantas. A vista no sentido longitudinal das linhas de semeadura, leva a impressão de uma lavoura perfeita. Ao fotografar a distribuição na fileira (detalhe na foto) constatam-se plantas duplas, triplas e falhas no metro de semeadura.
As 17 plantas/m, ou 34 plantas/m², produzirão exagero de folhas e dificultarão a proteção contra pragas e doenças. No fim do ciclo, resultará na queda das folhas e legumes do terço inferior do dossel das plantas. As falhas não serão compensadas e aparecerão como espaço vazio, no momento da colheita. Ao amostrar a população de plantas germinadas, não deve-se usar a trena com 5m ou 10m para calcular a média. No exemplo da foto, um metro de fileira, mostra o erro no tamanho da unidade de amostragem.
Para lavouras de alto rendimento a unidade de amostra deveria ser um palmo (20 cm). Em cada palmo deveria ter, no mínimo, duas plantas e no máximo três plantas. A distribuição espacial das plantas determina o potencial de produção da lavoura e a qualidade de proteção contra pragas e doenças. A distribuição ideal, para gerar IAF 4:1 deve ser determinada com base na arquitetura de hastes e folhas de cada cultivar, a fertilidade de solo e a época de semeadura.
“A palha é a pele, e as raízes são os músculos do solo”
O Sistema Plantio Direto é baseado em três pilares: a cobertura permanente do solo, rotação de culturas e mínima movimentação do solo. A palha como cobertura morta faz o papel de proteção do solo contra a chuva e erosão, de altas temperaturas e da radiação solar, permitindo que se desenvolva vida no solo (microorganismos) e melhorando a fertilidade do solo gradualmente.
Além disso, as raízes das plantas atuam como “músculos”, pois permitem que o solo desempenhe melhor nas suas funções de retenção e infiltração de água, disponibilização de nutrientes e redução das perdas desses nutrientes.
Por isso, é importante a produção de grandes quantidades de palha e raízes de diferentes tamanhos e profundidades em lavouras sob plantio direto, utilizando espécies que produzam muita biomassa, como milho, associando a prática com culturas de cobertura na entressafra, como aveia, centeio, nabo forrageiro, ervilhaca, milheto, entre outras.