Paulo Fernando Adami, Lucas Link, Vanderson Vieira Batista, Karine Fuschter Oligini , Paulo César Conceição
1 Introdução
Estima-se que mais de 2 milhões de hectares de área cultivada no sul do Brasil permanecem em pousio após a colheita da soja em fevereiro/março, até a semeadura do trigo em maio/junho na chamada entressafra soja - trigo (Figura 1). Esse período de 70 a 120 dias poderia ser utilizado com uma cultura comercial de ciclo curto produtora de grãos ou com o cultivo de plantas de cobertura, reduzindo os impactos negativos do pousio.
Por isso, este texto busca abordar estes assuntos: Por que o produtor não adota plantas de cobertura na entressafra? Por que deveria adotar? Quais vantagens e limitações? Quais as opções de espécies com potencial de uso? Qual o manejo pré-semeadura e o efeito sobre a produtividade do trigo?
2 Porque o produtor não utiliza as plantas
Não há uma resposta simples para essa pergunta uma vez que são muitos os motivos. Caso você faça parte do grupo que não adota plantas de cobertura, analise os aspectos abaixo e pense em qual deles se enquadra:
Aspectos culturais
Cabe destacar o aspecto cultural, ou seja, não é comum, usual ao produtor aportar recurso para a compra de semente e investir em plantas de cobertura, até porque, existe por parte de alguns, o entendimento de que diferentemente da soja, feijão ou milho safrinha, a planta de cobertura não dá dinheiro.
Percebam que não estamos aqui nos manifestando contrários à safrinha de grãos, no entanto, entendemos também que dentro de um sistema de combinação de épocas de semeadura, híbridos e grupos de maturação de cultivares de soja, naturalmente abrem-se algumas janelas de semeadura onde é possível posicionar as plantas de cobertura ao invés de deixar o solo em pousio.
Ainda, mais a frente vamos mostrar as vantagens do uso, como estratégias de argumentação. Trata-se, portanto, de uma concepção errônea de que plantas de cobertura geram custos não compensáveis.
Pouca difusão e incentivo para uso
Para milho e soja, o mercado está repleto de representantes comerciais, ofertando as mais diversas marcas, ciclos, tecnologias e opções de cultivo. Por outro lado, no setor de plantas de cobertura, existem poucas pessoas e empresas fomentando seu uso. Logo, o aspecto cultural associado à falta de incentivo, resulta em baixo conhecimento sobre o tema e por consequente a baixa adoção de plantas de cobertura.
Custo e acesso a semente
Vencido o aspecto cultural e incentivado a utilizar uma planta de cobertura como a Crotalária Juncea, por exemplo, muitas vezes o produtor esbarra no custo e disponibilidade de sementes.
Considerado uma recomendação de taxa de semeadura de 25 kg por hectare com o custo do kg da semente a 10 reais, serão dispendidos R$250,00 reais de desembolso direto, sem considerar os custos operacionais do estabelecimento. Por outro lado, espécies como milheto (Pennisetum glaucum) representam um desembolso baixo para seu cultivo (25 kg/ha vezes R$2,00 o kg = R$50,00 de custo de semente hectare).
Desta forma, o produtor tem a possibilidade de fazer uma análise de quanto pretende investir e estudar a cultura de cobertura que melhor se adapta a sua situação. É indiscutível que precisamos avançar em termos de logística de produção de sementes a fim de viabilizar o uso de algumas espécies, mas esse fator não pode representar um empecilho à adoção dessas espécies.
Mitos e críticas
Se por um lado, existem poucas pessoas fomentando o uso, por outro, tem muitas que questionam e colocam em descrédito a viabilidade de uso.
Comentários do tipo: “Ah, a brachiaria apresenta efeito alelopático no trigo e reduz a produtividade!!”; “Ah, mas eu não vi resposta na cultura do trigo em função do uso da crotalária!”; “Ah, mas eu não vou deixar de plantar feijão safrinha para plantar plantas de cobertura!”; “Ah, porque planta de cobertura não dá dinheiro, etc, etc, etc” acabam prejudicando o potencial de uso. Na sequência, vamos apresentar alguns argumentos em contraponto a algumas dessas afirmações.
3 Porque utilizar, vantagens e limitações
O uso de plantas de cobertura é quase como um ato de fé para alguns. Você acredita e trabalha duro para que as coisas dêem certo e os resultados, infelizmente, não vêm da noite para o dia. Portanto vejamos alguns benefícios proporcionados pelo uso das plantas de cobertura ao longo do tempo.
Redução da Erosão
Ao longo dos anos, o mês de maio tem sido muito chuvoso, com eventos de 130 até 200 mm de chuva em dois ou três dias, resultando em ser um dos meses com chuvas mais erosivas no estado do Paraná.
Quando estas chuvas acontecem após a colheita de culturas que adicionam pouca palhada ao solo como soja e feijão antecedendo a semeadura da cultura do trigo, o estrago é grande, uma vez que a mobilização do solo em função da operação de semeadura e do reduzido espaçamento entre linhas, associado a outros fatores como falta de terraço e palhada, problemas de compactação nas camadas de 10 a 15 cm resulta em problemas de erosão que podem representar facilmente perdas de 10 a 15 t de solo/ha (Figura 2).
Agora, considere que junto com este solo o produtor está perdendo 30-40 kg de fósforo (P), 50 a 60 kg de potássio (K), mais nitrogênio (N), entre outros nutrientes, e aí comece a se questionar se realmente as plantas de cobertura não dão dinheiro.
Manejo de plantas daninhas
Da mesma forma que as culturas de grãos, ou até mais rápido, as plantas daninhas se adaptam, encurtam ciclo, produzem semente em épocas que antes não produziam. Se a área ficar em pousio, esses aspectos se potencializam, elevando o potencial produtivo das plantas daninhas, aumentando o banco de sementes e agravando a situação.
Logo, o simples fato de se cultivar o milheto por si só, pela competição intraespecífica, reduz o número de plantas daninhas, seu desenvolvimento e potencial de produção de sementes. De forma concomitante, têm-se outros ganhos como a supressão física e química da palhada das plantas de cobertura sobre as plantas daninhas.
Efeitos sobre a saúde/fertilidade do solo
Física do solo
De forma geral, os problemas de adensamento e compactação do solo estão associados à falta de rotação de culturas e de adoção de plantas de cobertura com sistema radicular agressivo, em especial as gramíneas forrageiras.
Cultivares novas de soja e feijão apresentam a cada lançamento, novos tetos produtivos e ao mesmo tempo, toleram cada vez menos estresses bióticos e abióticos. A baixa agressividade e capacidade de produção radicular dessas espécies tem resultado em problemas de adensamento e compactação do solo, que tem sido remediada com intervenção mecânica (Escarificação).
No curto prazo, este processo entrega resposta positiva, mas esta tem uma vida útil muito curta e nem sempre paga a conta por não resolver efetivamente o problema. A ideia de a raiz das plantas de cobertura atua como arado biológico, devido à agressividade de seus sistemas radiculares diferenciados, agindo diretamente na porosidade do solo, continua sendo a estratégia mais eficiente de manejo, uma vez que os benefícios tendem a se perenizar no sistema.
Avançando nesse entendimento, importante a seguinte pergunta: Quanto vale, em R$ por hectare, o aumento da macroporosidade do solo de 11,5 para 12,5%? Considerem que isso representa em um solo com 50% de porosidade total, na camada até 20 cm de profundidade, cerca de 20 mil litros a mais de capacidade de retenção de água.
Esse volume adiciona de água pode representar uma maior resistência a veranicos que ocorrem costumeiramente na safra. Ainda, esta melhoria na estrutura do solo gerada pelos canais de fraqueza após a morte das raízes, representa um aumento na capacidade de infiltração da água, logo, ao ocorrer precipitações de 70 a 80 mm em um curto espaço de tempo, não se observa escorrimento superficial da água.
Estes benefícios representam um lucro direto por propiciar a manutenção da atividade fotossintética da soja, por exemplo, cultivada na sequência, principalmente naqueles anos com stress hídrico de 15 a 20 dias (onde o preço da soja também está mais valorizado). Ainda, de forma indireta, permitem uma maior capacidade de absorção de outros nutrientes, melhorando de forma geral a fisiologia dos cultivos de inverno e verão.
Química do solo
Destacamos três aspectos nos quais as plantas de cobertura têm efeito positivo de forma direta:
Fixação biológica de nitrogênio (FBN)
A FBN é da ordem de 15 a 20 kg de N/ha para cada tonelada de massa seca (MS) produzida pelas leguminosas. Isso quer dizer que três toneladas de massa seca (MS) de crotalária podem representar uma FBN de 60 kg de N/ha.
Esse nitrogênio, se adquirido via uréia (R$ 150,00 a saca), representa um lucro equivalente de R$ 400,00 considerando uma eficiência do uso do N da uréia de 100%. Se considerarmos 50%, esse valor dobra. Agora ao compararmos esse valor economizado na uréia em relação ao custo da semente aparentemente alta (R$ 250,00 por hectare) passamos a perceber lucro direto por economia na aquisição da uréia.
Esse cálculo ajuda a rebater afirmações como: “Plantas de cobertura não dão dinheiro!!”. Em contraponto, basta ir somando as vantagens, mesmo que algumas sejam difíceis de transformar em lucro direto (reais por hectare), pois tem efeito residual no tempo nos sistemas de produção.
Ciclagem de nutrientes
Link (2020) cita que o milheto aos 74 dias após semeadura, produziu 4,4 t MS/ha, e que esta biomassa apresentou um acúmulo de 126 kg de N, 41,6 de P2O5 e 110 kg de K2O. Estes nutrientes estarão disponíveis para a próxima cultura a ser cultivada em sequência. Por se tratar de uma gramínea, diferente da C. Juncea, que é uma leguminosa, o N foi retirado do solo, evitando a perda do perfil por lixiviação.
Aumento da eficiência de uso dos nutrientes
Consideremos um custo de R$ 5,00 o kg do P2O5 aplicado via fertilizante comercial e uma eficiência de uso/absorção desse P2O5 de 20%. Logo, iremos notar que se construiu uma reserva/poupança debaixo do solo, que de certa forma, precisa ser mais bem utilizada, pois dinheiro parado é dinheiro que não dá lucro. Agora imaginemos que o milheto, por exemplo, ciclou 50 kg de P2O5 com uma eficiência de uso de 40%.
Seriam necessários comprar e adicionar ao solo 100 kg de P2O5 ou ainda, desembolsar R$ 500,00 para compra deste P2O5. Adicionamos isso à soma do lucro que as plantas de coberturas entregam ao sistema e começaremos a perceber que elas são investimento e não apenas custos.
Biologia do solo
A diversidade e manutenção de plantas de cobertura sobre a superfície do solo, reduz a perda da diversidade da macrofauna edáfica (SANTOS et al., 2020), beneficiando a atividade dos organismos dentro do agroecossistema, uma vez que, são estes que condicionam a fertilidade do solo, atuando na humificação, mineralização e formação de agregados, conservando a matéria orgânica do solo de uma mineralização acelerada.
Ainda, essa diversidade de plantas permite o aumento da presença de inimigos naturais (Figura 3), pelo enriquecimento da biodiversidade do solo, e deixando o mesmo em equilíbrio.
4 Espécies com potencial de uso
O correto posicionamento e uso das espécies de planta de cobertura exige um conhecimento da fenologia e potencial de produção de biomassa dessas espécies, bem como, depende do intervalo da entressafra, da necessidade de se produzir palha, e do próximo cultivo a ser realizado.
Destaca-se entre as opções de plantas de cobertura, o milheto, o nabo, o trigo mourisco, a Crotalária juncea e a brachiaria, utilizados de forma solteiro ou em consórcio.
Em termos de precocidade, destaca-se o trigo mourisco, o nabo e o milheto. No trabalho de Link (2020) o milheto e o trigo mourisco produziram 3081 e 3059 kg MS/ha aos 46 dias após semeadura, demonstrando que entressafras curtas, de 50 dias, já viabilizam o cultivo destas espécies.
O nabo também se destaca, podendo inclusive ser semeado a lanço pré-colheita da soja, uma vez que a semente tem bastante reserva nutritiva, o que facilita o processo de germinação. Em regiões de baixas altitudes (<400 m) e mais quentes, semeaduras no início do mês de março podem comprometer o seu potencial produtivo, que pode chegar a 2,5 a 3 t MS em 50 a 60 dias de ciclo.
A desvantagem do nabo e trigo mourisco em relação ao milheto é a baixa persistência da palhada. Nesse contexto, cultivos consorciados entre estas espécies podem ser uma melhor opção.
No caso do trigo mourisco, o hábito indeterminado de crescimento, associado à precocidade (colheita aos 75 dias) e deiscência natural, torna esta espécie uma planta daninha em potencial ao trigo. Considerando um potencial de produção médio de 1100 a 1200 kg/ha, em comparação a uma taxa de semeadura de 50 a 60 kg/ha, é possível inferir o potencial desta espécie como planta daninha no trigo.
Por isso, recomenda-se o manejo antecipado (por volta dos 45 a 50 dias), ou o uso para colheita mecânica e destino do grão para produção de farinha sem glúten, sendo este um promissor nicho de mercado para essa espécie.
A Brachiária também é uma excelente opção, porém, precisa de uma entressafra um pouco mais longa, de no mínimo 70 dias, e para ser superior ao milheto, no mínimo 90 dias, permitindo novamente ao produtor encontrar o melhor arranjo de plantas dentro de seu sistema de produção.
5 Manejo de dessecação pré-trigo: qual o intervalo ideal entre dessecação e semeadura?
Essa resposta passa pela análise da quantidade de biomassa produzida até então pelas plantas de cobertura e pela espécie em questão. No caso de nabo, trigo mourisco e Crotalária juncea, o manejo de dessecação pode ser feito na modalidade do aplique e plante.
Considerando que o período de entressafra é curto, muitas vezes, as plantas de cobertura não atingem o máximo potencial produtivo até o momento da semeadura do trigo, estando em fase de máximo crescimento, podendo acumular 120 a 150 kg de MS/ha dia. Logo, 10 dias a mais a campo podem representar um acúmulo de 1,2 a 1,5 t MS/ha, o que viabiliza sua manutenção produtiva.
No entanto, quando a produtividade de biomassa ultrapassa a casa das 6 a 7 t MS, a plantabilidade do trigo começa a ficar comprometida, o que tende a se agravar em função da imobilização de nitrogênio caso a planta de cobertura seja uma gramínea, situação em que o milheto e braquiária (Urochloa spp) precisam ser dessecados com no mínimo 15 dias de antecedência.
A regra nesse caso é: quanto maior a quantidade de biomassa, maior o período necessário entre a dessecação e a semeadura do trigo. A explicação passa pelo rápido efeito do glifosato sobre milheto jovem, que possui basicamente folhas na sua estrutura, ou seja, representa menor efeito de imobilização de nitrogênio por apresentar uma taxa de decomposição mais rápida da biomassa.
Cabe destacar que no sistema aplique e plante, o trigo cultivado sobre milheto produziu 800 kg/ha a menos de grão em comparação ao pousio (Link, 2020), possivelmente explicado pela imobilização de N e problemas de plantabilidade. Logo, o sucesso do sistema passa pela escolha da espécie e intervalo adequado entre dessecação e semeadura do trigo.
Referências
Lucas Link. Plantas de cobertura de verão: crescimento e acúmulo de nutrientes, épocas de dessecação e produtividade do trigo. Dissertação de mestrado, 2020.
SANTOS, Djavan Pinheiro et al. Macrofauna edáfica associada a plantas de cobertura em um Latossolo Amarelo do sudoeste do estado do Piauí, Brasil. Arquivos do Instituto Biológico, v. 87, 2020.