Quanto de grãos de soja o Rio Grande do Sul deixou de colher na safra 2020/21 em função da redução da eficácia no controle da ferrugem asiática pelos fungicidas sítio-específicos?


Autores:

Erlei Melo Reis ; Andrea Camargo Reis ; Mateus Zanatta

Publicado em: 31/08/2021

Introdução

A importância da soja [Glycine max (L.) Merr.] no agronegóccio brasileiro pode ser avaliada pela extensão da área cultivada que na safra 2020/21 foi estimada em 38,2 milhões de hectares e pela produção de grãos na safra anterior de 133,817 mihões de toneladas. No Rio Grande do Sul, na mesma safra, a área cultivada estimada foi de 6,06 milhões de hectares (Conab. 2021).

A cultura é tão atrativa aos produtores de tal maneira que a área cultivada e a produção de grãos tem aumentado safra após safra. O preço pago pelo saco de 60 kg de grãos atingiu R$ 153,00, na Cotrijal, em Não-Me-Toque, RS, em 28 de julho de 2021. Mesmo assim, os produtores esperam maior produtividade, redução do custo de produção, maior preço da soja e maior lucratividade!

As doenças da soja que interferem no processo fotossíntético reduzem a área foliar sadia e a eficácia na absorção da radiação solar pela folhagem refletindo-se na diminuição direta do rendimento de graõs (Waggoner & Berger, 1987) o que é indesejável para os produtores. A fitopatologia, parte das ciência agrárias, estuda as doenças de plantas tendo como principal objetivo mitigar os prejuízos causados pelas enfermidades parasitárias (bactérias, fungos, nematóides e vírus).

A ferrugem asiática da soja (FAS), causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi Sydow & Sydow (Sydow & Sydow, 1914) tem sido por duas décadas a doença que maior redução causa no rendimento de grãos. Se essa doença não causasse dano e não reduzisse o lucro dos produtores, esta informação não faria sentido. No entanto devem se preocupar evitando gastos desnecessários procurando sempre aumentar o lucro.

Em fitopatologia dano é a redução da qualidade e da quantidade da produção causada por um agente nocivo (Nutter et al., 1993) no presente caso a FAS.

A principal estratégia de controle da FAS é a aplicação de fungicidas na folhagem visando a manutenção da área sadia por mais tempo possível. Os três fungicidas mais usados são: IDMs, IQes e ISDHs, todos penetrangtes móveis e sítio-específicos, que nas primeiras safras de uso apresentavam controle > 80% (Reis et al., 2017).

Porém, nas últimas safras apresentam resistência cruzada e múltipla a P. pachyrhizi (Klosowski et al., 2016; Schmitz et al., 2014; Simões et al., 2018). Serve de comprovação dessa afirmação a evolução da redução da eficácia de um fungicida IDM com reflexo negativo no controle da FAS (Figura 1). Este texto visa informar que a atual e crescente redução do controle químico da FAS com reflexo no menor rendimento de grãos da soja, tem reduzido o lucro dos produtores e, consequente, menor arrecadação de impostos municipais e estaduais.

Se espera que os usuários procurem, cientes do desempenho dos fungicidas, optar pelos mais eficientes e econômicos. O foco do problema levantado é a evolução da redução da eficácia dos fungicidas sítio-específicos usados no controle da doença e, portanto, chamar a atenção do leitor de que a eficácia atual do controle da FAS se reflete na redução no rendimento de grãos da soja (Tabela 1).

Observe que os fungicidas não apresentam a mesma potência no controle da FAS sendo que o controle variou de 9 a 78%. Behe (1977) chama a atenção de que ‘a ciência sem números não tem valor, ou sem números não há ciência’. Esses dados mostram também que o rendimento líquido depende da eficácia (%) do controle e do preço (R$) do fungicida. Essa redução na eficácia do controle se reflete direta e linearmente no rendimento de grãos (Figura 2).

Nesse exemplo, a partir do rendimento das parcelas sem fungicida (1.927,9 kg/ha), cada ponto percentual de controle incrementou 31,63 kg/ha de grãos da soja. O rendimento máximo é obtido com controle > a 80% como mostrado na Figura 2 e por Reis et al. (2021a). Portanto, segundo os dados da Tabela 1, apenas um fungicida resultou em controle próximo (78%). O montante de redução da produção em função da redução da eficácia dos fungicidas, na área 6,06 milhões de hectares cultivada de soja no RS na safra 2020/21 (Conab, 2021) é visualizado na Tabela 2.

Foi utilizada no cálculo a função matemática, R = 1.927,9 + 31,633 C (onde R = rendimento de grãos e C = controle) (Figura 2). Espera-se que essa análise possa conscientizar os técnicos que prestam consultoria aos produtores de soja e que estejam preocupados com a sustentabilidade econômica dessa oleaginosa. O Engenheiro Agrônomo pode calcular o prejuízo numa lavoura em função da ‘eficácia’ do controle resultante do fungicida utilizado e da área cultivada tomando como base os dados da Tabela 2.

Nos 6,06 milhões de hectares cultivados anualmente o estado sofre uma redução na produção de 1.897.980 a 9.489.900 toneladas devido ao controle da FAS de 70 e 30%, respectivamente. Qual o montante de recursos financeiros que deixa de circular anualmente nos municípios e no estado devido a deficiência do controle da FAS? 

Preocupada com a redução do controle, a ADAPAR (Agência de Defesa da Agricultura no Paraná), em gesto histórico em defesa dos produtores, suspendeu o cadastro de fungicidas para o controle da ferrugem com controle < 80% (Adapar, 2016). Logo a seguir, o MAPA suspendeu o registro de produtos com controle < 80% (Mapa, 2016).

É importante ressaltar que a eficácia de controle de 80% não tem sido obtida em experimentos conduzidos nas últimas safras (ver dados dos Resultados sumarizados dos ensaios cooperativos de fungicidas divulgados na internet). Técnicos e produtores devem ter ciência dessas resoluções oficiais. Fica evidente que os produtores, por meio de uma simples decisão, podem aumentar o rendimento da soja optando por fungicidas registrados com maior eficácia.

Os produtos mais potentes devem trazer em sua formulação a mistura duplas ou triplas de sítio-específicos (IDM, ou IQe, ou ISDH) com multissítios (clorotalonil, ou mancozebe ou oxicloreto de cobre). Já é tarde, mas a solução é ter formulações prontas contendo fungicida sítio-específico + multissítio e usá-las em toda a área cultivada com soja e em todas as aplicações.

A situação se torna mais grave economicamente quando são utilizados pelos agricultores produtos ‘sem ação fungicida’, registrados ou não, não indicados e sem dados científicos que comprovem sua eficácia (nutrientes foliares, hipoclorito de sódio, cloretos de etilbenzalcônios/benzalcônios, amônia quaternária, fosfitos, silício, aminoácidos, ácidos orgânicos, e etc.).

Além do acima exposto, o lucro dos produtores pode ser ainda maior se usarem como indicador do momento da primeira aplicação a presença da FAS numa intensidade menor do que a apontada pelo nível ou limiar de dano econômico (Casa et al., 2013; Danelli et al., 2015). A utilização de critérios empíricos (‘aplicação zero’, fechamento das linhas, ‘preventivo’, estádio fenológico e etc.), não ensinados nas Universidades, indicadores da primeira aplicação, também contribui para aumentar o custo de produção reduzindo também o lucro dos produtores.

Espera-se que este texto possa contribuir para que as autoridades brasileiras ligadas ao agronegócio tomem conhecimento e assumam uma posição de defesa dos produtores.

Referências

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