Cultivares de soja e o manejo das doenças


Autores: João Maurício Trentini Roy , Ariel Muhl , Gabriele Larissa Hoelscher , Ana Claudia Constantino Nogueira , Tiago Madalosso
Publicado em: 31/08/2021

O Brasil tem importante papel na produção de grãos no mundo, com destaque para a soja, por ser o maior produtor. A área plantada na safra 2020/2021 foi de 38,5 milhões de hectares, com produção de 135,9 milhões de toneladas, com a região sul representando 31,6 % da produção nacional, com 43 milhões de toneladas, ficando atrás apenas da região Centro-Oeste (Conab, 2021).

Devido a importância da cultura, há estimativa do aumento da área e a busca por maiores produtividades, contudo devido ao crescimento surgem problemas fitossanitários, como as doenças foliares, que podem causar perdas de produção.

Dentre as doenças, podemos citar a ferrugem-asiática-da-soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, a mancha-alvo, que tem como agente causal Corynespora cassiicola e o Crestamento foliar de cercóspora ou mancha púrpura causada pelo fungo Cercospora kikuchii.

A ferrugem-asiática-da-soja, é uma das doenças mais agressivas que incidem sobre a cultura, em condições de alta severidade, ocorre desfolha precoce, reduzindo a capacidade fotossintética da planta e consequentemente prejudicando o enchimento dos grãos e a produtividade. Com danos variando de 10% a 90% (Yorinori et al., 2005; Hartman et al., 2015).

Algumas estratégias para o manejo desta doença são: o vazio sanitário, semeadura antecipada da soja, utilização de cultivares precoces, redução da janela de semeadura, utilização de cultivares com genes de resistência, o monitoramento durante todo ciclo da cultura e o uso de fungicidas preventivamente, ou quando do aparecimento de sintomas. (Godoy et al., 2020a)

Apesar da ferrugem ser a doença foliar economicamente mais importante da cultura, outras doenças tem preocupado os produtores. Em função do sistema de produção em monocultura, outros patógenos, principalmente os necrotróficos tem elevado sua relevância nas áreas de produção. Devido à presença de restos culturais, servindo como fonte de inóculo inicial, a infecção por estas doenças tem ocorrido precocemente nas áreas, desde os estádios iniciais de desenvolvimento da cultura.

Como é o caso da mancha-alvo, que gradativamente tem aumentado sua incidência nas últimas safras, isso está relacionado ao aumento de semeadura de cultivares suscetíveis e a menor sensibilidade do fungo a fungicidas (Godoy, et al., 2020b). Além da mancha-alvo possuir uma vasta gama de hospedeiros, o fungo pode sobreviver em sementes infectadas e em restos culturais, formando estruturas de resistência, os clamidósporos, facilitando ainda mais sua dispersão (Oliveira et al., 2012).

As perdas ocasionadas por essa doença, em função da desfolha podem chegar a 40%, principalmente em ambientes com umidade relativa alta e em cultivares suscetíveis (Molina et al., 2019). Para o manejo da manchaalvo é necessário o uso de diferentes estratégias, como utilização de cultivares resistentes ou tolerantes, realização do tratamento de sementes, rotação de culturas com espécies não hospedeiras e o con trole químico com fungicidas (Godoy et al., 2016).

Outra doença que vem aumento a nível de campo é o crestamento foliar por cercóspora, o patógeno tem se mesclado ao complexo de doenças de final de ciclo (DFC), assim denominadas, devido a evolução dos sintomas nos estádios finais de desenvolvimento soja. Porém, sabe-se que estas doenças se estabelecem nos estádios iniciais da cultura, mas devido a sua lenta evolução os sintomas são observados a partir do estádio R5.

Portanto, para a obtenção de altas produtividades deve se adotar manejos eficientes para o controle das doenças que causam danos a cultura, entre eles, é fundamental a adesão de estratégias, como uso de fungicidas e a utilização de cultivares resistentes.

Sendo assim, o objetivo do trabalho foi avaliar o desempenho de cultivares de soja as doenças, com ou sem a realização de aplicações de fungicidas e o reflexo no rendimento de grãos da cultura.

Metodologia

O experimento foi conduzido no Centro de Pesquisa Agrícola (CPA) da Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), localizado no município de Cafelândia/PR.

A área em estudo possui altitude de 580 m, cultivada em sistema de semeadura direta, tendo o trigo como cultura antecessora. O delineamento experimental foi o de blocos casualizados, com três repetições em esquema de parcela subdividida. Na parcela principal foi alocado o manejo de doenças (com e sem aplicação de fungicidas) e na subparcela os 16 cultivares de soja.

As parcelas continham 14 m de comprimento e 2,5 m de largura, totalizando 35 m². A semeadura do experimento ocorreu no dia 23/10/2020, com semeadora-adubadora SHM 11-13, espaçamento de linhas de 0,5 m, taxa de semeadura de 13,6 sementes/m para todos os cultivares e adubação de base de 300 kg/ha do fertilizante 04-24-16 N, P2O5 e K2O, respectivamente.

Os manejos fitossanitários da cultura foram realizados de acordo com recomendações técnicas para a região. As aplicações de fungicidas estão descritas na tabela 1. As variáveis analisadas foram severidade de mancha alvo (Corynespora cassicola), por meio de notas visuais de parcela em porcentagem, sendo 0 ausência das doenças, nos estádios R5.1, R5.5 e R6, com os dados foi possível calcular a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD).

O cálculo de AACPD, seguiu metodologia descrita por Campbell & Madden, (1990), tomando por base a severidade de cada parcela nas três avaliações realizadas. Da mesma forma, avaliou-se as doenças finais de ciclo (DFCs), incluso cercospora (Cercospora kikuchii) e septoriose (Septoria glycines).

A severidade de ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi), foi determinada por meio da coleta de 8 folíolos por parcela, sendo divididos em 50% entre parte superior e inferior da planta, no estádio R6, 15 dias após a última aplicação de fungicidas. A avaliação da severidade seguiu a escala diagramática proposta por (GODOY et al, 2005).

O rendimento de grãos foi determinado por meio da colheita das três linhas centrais da parcela com a utilização de colhedora de parcelas Wintersteinger, modelo Classic Plus, a massa obtida teve sua umidade corrigida à 13% e os dados extrapolados para kg/ha. Os dados obtidos foram submetidos a análise de variância e as médias quando significativas agrupadas pelo teste de ScottKnott à 5% de probabilidade de erro.

Resultados e Discussão

Os cultivares AS 3680 IPRO, FPS 1867 IPRO, M 5917 IPRO e P 95R90 IPRO apresentaram as maiores AACPD para DFCs no experimento. A utilização de fungicidas propiciou menores níveis de DFCs em todos os cultivares, com redução de 62% na AACPD. Quando realizado a aplicação de fungicidas, os cultivares não diferiram entre si para DFCs. A principal doença observada entre as DFCs foi a Cercospora, doença amplamente disseminada nas regiões produtoras de soja no Brasil. O fungo apresenta capacidade de sobreviver em restos culturais ou sementes (mancha púrpura), tem seu desenvolvimento favorecido por temperaturas elevadas, associados a períodos de umidade e molhamento foliar.

Devido à ausência de rotação de culturas e habilidades de sobre vivência do fungo, a relevância da Cercospora em lavouras de soja na região Oeste do Paraná tem aumentado.

No experimento, com o manejo químico ocorreu redução nos níveis da doença, sem ocorrer variações entre os cultivares tratados. Baseado nestes resultados, o manejo desta doença não é dependente da genética dos cultivares analisados, mas sim, da utilização de outros métodos, como o controle químico.

Como a doença apresenta capacidade de infectar e se disseminar via sementes, a utilização de fungicidas no tratamento de sementes da soja é uma prática que apresenta grande contribuição na redução dos danos provocados pelo fungo na germinação e estabelecimento da cultura, bem como a sua disseminação nas lavouras de soja.

A aplicação de fungicidas não resultou em redução da AACPD para manha alvo na média dos 18 cultivares analisados, este resultado pode estar associado as características genéticas dos materiais, pois alguns cultivares tiveram baixos níveis de mancha alvo, mesmo sem a utilização de fungicidas. O cultivar AS 3680 IPRO apresentou a maior AACPD para mancha alvo no experimento, seguido do cultivar BS 2606 IPRO e AS 3590 IPRO.

A mancha alvo, encontrada em todas as regiões produtoras de soja, apresenta capacidade de sobreviver em restos culturais, tem sua infecção favorecida em condições de alta umidade relativa do ar e temperaturas amenas, como as observadas no mês de janeiro na região.

Em situações com a presença do patógeno e ambiente favorável, somado a cultivares suscetíveis, as perdas são elevadas. Este fato foi observado na região Oeste do Paraná na safra 2020/2021, pois o cultivar BS 2606 IPRO apresentava maior porcentagem de área semeada. Além disso, devido ao excesso de chuva em janeiro, ocorreu atraso no intervalo de aplicações de fungicidas, favorecendo o desenvolvimento da doença.

Os cultivares AS 3590 IPRO, AS 3680 IPRO, BMX 57I59 IPRO, BMX 58I60 IPRO, BS 2606 IPRO, FPS 1867 IPRO, NA 5909 RG e NS 6220 IPRO, tiveram reduções significativas na AACPD de mancha alvo com a aplicação de fungicidas. A sensibilidade dos cultivares para as doenças, deve ser considerada no momento da escolha do material, visto que em situações favoráveis para a ocorrência de mancha alvo, mesmo com a aplicação de fungicidas em intervalos adequados, é observadas severidades significativas da doença, e consequentemente reduções de rendimento.

Os cultivares, BMX 64I61 IPRO, M 5705 IPRO, M 5917 IPRO, M 5947 IPRO, NEO 610 IPRO, NS 6601 IPRO, P 95R90 IPRO e P 96Y90 RR, não apresentaram reduções significativas de AACPD para mancha alvo pela a aplicação de fungicidas, evidenciando o efeito da genética frente ao patógeno.

Dentro do manejo integrado das doenças, estes cultivares são alternativas visando a redução de impacto na redução de rendimento da mancha alvo na cultura da soja, além de reduzir os custos de produção pela menor necessidade de aplicação de fungicidas.

Embora, deve-se considerar a sensibilidade a outras doenças para a definição do manejo a ser adotado. Para a ferrugem asiática, os cultivares FPS 1867 IPRO, NEO 610 IPRO, BMX 64I61 IPRO, M 5917 IPRO, M 5947 IPRO, BMX 58I60 IPRO, NS 6220 IPRO, NS 6601 IPRO e AS 3680 IPRO, apresentaram as maiores severidades para a doença. Todos os cultivares, tiveram reduções significativas de ferrugem pela aplicação de fungicida, com exceção do BMX 57I59 IPRO que não apresentou sintomas da doença, devido aos genes de tolerância a ferrugem presentes no cultivar.

A ocorrência da ferrugem no experimento, aconteceu apenas na fase final do ciclo da soja, devido as condições ambientais desfavoráveis para o desenvolvimento da doença até o estádio R3.

Porém, é importante destacar que a grande maioria dos cultivares apresentaram respostas pela aplicação de fungicidas e o manejo da doença deve ser realizado com muita atenção pelo alto potencial de redução de rendimento que está doença apresenta. A utilização de cultivares com genes de tolerância é uma estratégia a ser considerada visando o manejo integrado da ferrugem.

A resistência à ferrugem de um cultivar, está associada a uma melhor convivência com a doença no campo, não se configurando como imune. As cultivares suscetíveis a doença, apresentam abundante esporulação do fungo e lesões castanhas.

Diferentemente dos cultivares resistentes, que reduzem a níveis muito baixos a esporulação do patógeno, provocando lesões marrom-avermelhadas, conhecidas como reddish-brown (RB), as lesões nesse caso são similares a lesões de hipersensibilidade. Houve diferença estatística para o rendimento de grãos na média dos cultivares pela aplicação de fungicidas. A redução de rendimento foi de 16% (803 kg/ha), pela ausência de manejo. Os cultivares NEO 610 IPRO, M 5947 IPRO e NS 6220 IPRO, apresentaram as maiores produtividades do experimento.

Os cultivares AS 3680 IPRO, AS 3590 IPRO, BS 2606 IPRO, NA 5909 RG e P 95R90 IPRO, tiveram os menores rendimentos do experimento. As reduções de rendimento tiveram variações de 1 a 28% pela ausência de aplicação de fungicidas entre os cultivares avaliados.

O cultivar BS 2606 IPRO, que apresentou uma das maiores AACPD para mancha alvo, teve a maior redução de rendimento quando não aplicado fungicida, evidenciando a maior necessidade e resposta da aplicação de fungicidas, em cultivares com elevadas sensibilidades a determinadas doenças principalmente em ambientes que são favoráveis para a evolução da mesma.

A variação de rendimento pela ausência de manejo químico das doenças, demonstra a necessidade de compreensão do comportamento dos cultivares de soja com relação aos patógenos de parte aérea.

No ensaio, foram realizadas 5 aplicações de fungicidas, pois o objetivo foi proporcionar elevado controle das doenças, possivelmente, os cultivares apresentariam diferentes necessidades ao número de aplicações, baseado na sensibilidade as doenças e ao ciclo dos mesmos. O cultivar BMX 57I59 IPRO, não apresentou redução significativa de rendimento pela ausência de controle químico.

Este resultado reflete a importância da gené tica para o manejo das doenças, porém o rendimento deste cultivar não foi elevado, ou seja, para a escolha de um cultivar vários fatores devem ser considerados na tomada de decisão. Diante dos dados apresentados, é evidente a necessidade da análise da sensibilidade dos cultivares de soja às doenças para auxiliarem na definição das estratégias de manejo.

Atualmente o emprego de fungicidas é realizado considerando apenas o momento da primeira aplicação, intervalo e número de pulverizações, baseado no ciclo do cultivar. O emprego de fungicidas em soja, baseado na eficácia dos produtos para as doenças, atrelados a sensibilidade dos cultivares aos patógenos, é uma excelente estratégia de maximização do controle.

Novos estudos devem ser realizados visando compreender o comportamento dos cultivares frente as doenças. Para aumentar a assertividade do manejo, redução de perdas de rendimento, uso racional de fungicidas e utilização de outros métodos de controle no manejo integrado de doenças da cultura da soja, aumentado a sustentabilidade do sistema e redução da pressão de seleção sobre os fungicidas.

Referências

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