Roberto Serena Fontaneli; Renato Serena Fontaneli; Carlos Bondan; Henrique Pereira dos Santos; Sérgio de Oliveira Juchem; Rodrigo Pizzani; Arthur Pegoraro Klein; Emanuel Cassol Dall Agnol; Marcelo André Klein; Manuele Zeni; Jessica Aneris Folchini; Maria Eduarda Tramontini Ceolin; Mylena Palma Consoli Webber; Andrei Guimarães Strapazon; Maria Eduarda Gubert
Introdução
A crescente demanda por alimentos em nível global impulsionada principalmente pela China e a redução dos estoques internacionais levaram ao aumento da cotação das commodities no mercado internacional pandêmico. O Brasil com sua área agrícola de aproximadamente 70 milhões de hectares tende a aproveitar essa oportunidade e consolidar, ainda mais, sua vocação agrícola.
Por sua vez, reforça ainda mais o compromisso do empresário rural brasileiro aumentar sua eficiência na produção de alimentos para atender tanto a demanda interna, reprimida, e a do consumo mundial de forma racional e sustentável. O País é o maior exportador de carne bovina por apresentar o maior rebanho bovino comercial do mundo, e sexto maior produtor de leite, atividade que vem crescendo a uma taxa anual superior à dos países que apresentam produções mais elevadas.
Quão importante como o volume da produção é a estabilidade produtiva: um dos requisitos necessários para o adequado atendimento de mercados consumidores. A pecuária brasileira tem a sua base alimentar em pastagens e é afetada negativamente pela sazonalidade da produção em termos quantitativos e qualitativos. Nesse contexto, a conservação de forragem pela silagem é uma estratégia a ser utilizada para suprir volumoso de qualidade aos rebanhos durante o período de escassez das pastagens e garantir a estabilidade produtiva.
No inverno, por exemplo, na região Sul, muitas vezes, às áreas agrícolas e máquinas estão ociosas e potencialmente podem ser alternativas para produção de cereais de inverno para grãos, pastagens ou para forragear os rebanhos com o excedente que podem ainda ser conservados estrategicamente para às épocas de escassez garantindo uma maior constância na produção ou para a comercialização gerando renda e diluindo os custos fixos da empresa rural.
Já para a pecuária de corte e leite, que exige uma boa base alimentar com pastagens e forragens conservadas, a silagem de plantas forrageiras tanto de inverno como de verão é indicada pela pesquisa, difundida pela extensão rural e cada vez mais empregada pelos pecuaristas.
No Brasil subtropical os cereais de inverno são cultivados com os propósitos de produção de grãos, cobertura para o sistema plantio direto e alimentação animal na forma de pastejo, feno e silagem. A produção animal, baseada no uso de pastagens e de forragens conservadas, é uma das alternativas mais competitivas e rentáveis de exploração do fator produtivo da terra.
Todos os cereais de inverno possuem características que permitem a sua utilização para a produção de silagem (LEHMEN et al., 2014). A concentração de carboidratos solúveis e o teor de matéria seca são essenciais para que o processo fermentativo no silo ocorra adequadamente (ROOKE; HATFIELD, 2003). Quando o cereal de inverno é colhido no momento adequado e o processo de ensilagem é realizado corretamente, o alimento conservado pode apresentar valores de proteína superiores ao da silagem de milho, entretanto com menor valor energético e mais fibras.
A silagem é o produto final de um processo chamado de ensilagem, em que certa quantidade de biomassa de plantas forrageiras inteiras ou parte dela, úmida ou pré-emurchecida, fragmentada, compactada, em um silo vedado a passagem de ar, o que permite que esta biomassa seja fermentada por bactérias epifíticas ou inoculadas, ficando por certo tempo até sua estabilização pelo aumento da concentração [H+] em um nível de acidez moderado.
Este processo consiste em preservar ao máximo as características nutricionais da forragem no momento da colheita. Porém, há uma série de condicionantes e etapas criteriosas a serem seguidas para atingir a eficácia almejada.
A ensilagem deve visar o aproveitamento da forrageira em seu estádio ótimo de desenvolvimento, conciliando produtividade e valor nutritivo. O seu objetivo é minimizar as perdas de matéria seca (MS) e de energia e manter a qualidade da fração protéica da forrageira durante a estocagem, conservando o valor nutritivo e as características para alimentação dos animais o mais próximo possível aos da forragem original.
Para tal, a ocorrência de um processo de fermentação eficiente é fundamental (TOMICH et al. 2003).
Cereais de inverno para ensilar
No processo de escolha de cultivares para silagem, é interessante observar as indicações de manejo de cultivares comerciais e aspectos práticos como, por exemplo, a presença ou não de aristas que alguns técnicos e produtores acreditam que podem injuriar o aparato bucal dos animais. Na verdade é uma crença que não é relatada ou confirmada na literatura internacional e Embrapa em parcerias com a UPF, Uergs e outras instituições estão pesquisando nas condições e com os genótipos brasileiros.
Segundo Fontaneli et al. (2019) existem diferenças a serem avaliadas como:
a) Cultivares de trigo de duplo propósito com aristas são indicadas preferencialmente para realização de pré-secados na fase vegetativa (exemplo BRS Tarumã e BRS Tarumaxi);
b) Cultivares de trigo de duplo propósito sem aristas ou pequenas aristas apicais, podem ser utilizadas tanto para elaboração de pré-secados na fase vegetativa e na fase reprodutiva, bem como silagem de planta inteira ou de grão úmido no final da fase reprodutiva. Essas cultivares permitem até três cortes ou pastejos no ciclo da cultura (exemplo BRS Umbu e BRS Pastoreio);
c) Cultivares de trigo precoce sem aristas que permitem apenas um corte na fase reprodutiva (Tbio Energix);
d) Cultivares de cevada produzem forragem precoce de elevado valor nutritivo e médio potencial de produção de massa seca por hectare (exemplo BRS Cauê);
e) Cultivares de aveia devem ter boa tolerância ao acamamento para a produção de uma silagem de qualidade (exemplos Embrapa 139 Neblina, URS 21, URS Guapa, URS Brava, URS Altiva, IPR Afrodite, URS Corona, URS Taura, UPFA Gaudéria, UPFA Ouro, UPFA Fuerza e Barbarasul);
f) Cultivares de triticale (Embrapa 53, BRS Minotauro e BRS Saturno).
Cultivo dos cereais de inverno
As lavouras cultivadas devem ser manejadas para serem ensiladas no fim de inverno e início de primavera, devem ser conduzidas visando alta produtividade de grãos, de acordo com algumas indicações, por exemplo:
a) Escolha de espécies e cultivares, adaptados, produtivos e resistentes aos principais fatores bióticos e abióticos;
b) Época de semeadura entre março e junho, respeitando a época indicada para cada cultivar;
c) Adubação de acordo com a análise de solo;
d) Densidade de semeadura de 300 a 400 sementes aptas por metro quadrado;
e) Preferir sempre que possível semeadura em linhas espaçadas de 0,17 a 0,20 m entrelinhas;
f) Adubação de cobertura conforme indicação da espécie/cultivar e histórico da área visando alta produtividade.
Momento de ensilar
A indicação para colheita de forragens ensiladas diretamente deve ser quando as plantas de cereais de inverno estejam no estádio de desenvolvimento, descrita por grãos pastosos a massa firme, com cerca de 70% de umidade, para resultar em boa compactação, com alto teor de carboidratos solúveis resultando em boa fermentação e estabilização rápida com baixo pH. Após o estádio de grãos em massa firme, ocorrerá dificuldade de compactar bem e eliminar oxigênio, que resultará em desenvolvimento de microrganismos indesejáveis e produção de micotoxinas.
Quando a umidade for maior que 70%, as plantas devem ser manejadas para redução de umidade, ou seja, aumento da concentração de MS, processo denominado de emurchecimento. Pode-se proceder ao corte após a evaporação do orvalho e deixar secar de 2 a 6 horas, até atingir cerca de 45 a 65% de umidade.
O corte de cereais de inverno para ensilagem deve ser realizado de 5 a 15 cm acima da superfície do solo, independente se procedido com segadeira de barras ou disco. Segadoras e condicionadoras aceleram a perda pelo rompimento de camadas de cutícula, que pode ser manejada com ancinhos para espalhar e enleirar quando necessário para melhorar a eficiência do processo.
Produção de biomassa ensilável
Existe uma variabilidade de fatores que podem afetar a produção da biomassa aérea em função dos genótipos, estádio de desenvolvimento, efeito de ano, precipitação pluviométrica, fertilidade do solo.
Observa-se que não somente a quantidade como a qualidade dos materiais são alterados por esses fatores. Fontaneli et al. (2009) e Lehmen et al. (2014) estudaram o rendimento de biomassa de genótipos de espécies de cereais de inverno e obtiveram rendimentos variando entre 4,7 a 13,4 t de biomassa seca ensilável e média na ordem de 7,9 t. Sendo importante considerar que além da variabilidade no rendimento existe a variabilidade do valor nutritivo, estrutura de planta, características morfoanatômicas desses materiais para o desejado desempenho animal (tabela 1).
Quantidade e qualidade de forragem
Em trabalho clássico os cientistas Blaser e Novaes (1990) ilustram o efeito inversamente proporcional entre o acúmulo da biomassa seca e o decréscimo da qualidade da forragem, sendo que há um ponto ótimo de qualidade e quantidade de biomassa ensilável. Uma dicotomia que é transversal ao manejo da forragem para fins de ganhos por animal ou por área.
O registro de Blaser e Novaes (1990) desafiou a forma de conservar as forragens no período vegetativo e com isso, na prática desenvolvida em reduzir o teor de umidade através do emurchecimento, pois as forragens no período vegetativo são impróprias para a ensilagem direta.
Ademais, a desidratação de forragens para ensilagem é capaz de aumentar a razão ácido lático:acético, reduzir a produção de amônia e restringir a produção de ácido butírico, além de haver economia de carboidratos solúveis, diminuir a solubilização do nitrogênio e evitar a produção de efluentes (Berto e Mühlbach, 1997). Tais respostas são relacionadas à redução de processos indesejáveis que podem ocorrer durante o processo de ensilagem, que surgem com a demora na queda do pH ou então a alta atividade de água.
Já Cerutti (2018) relata em seu estudo que os cereais colhidos em estágio vegetativo, resultaram em silagens com melhores atributos bromatológicos, porém com inferiores estimativas de produção de leite por área. A utilização de alimentos conservados, como a silagem présecada de cereais de inverno, vêm se tornando uma ferramenta para manutenção da produtividade do sistema pecuário intensivo.
No entanto, a quantidade e a qualidade da forragem produzida pelos cereais de inverno são dependentes de diversos fatores, dos quais cabe destacar a variabilidade entre as espécies, entre genótipos de mesma espécie, e suas adaptabilidades às diferentes condições ambientais (HORST et al. 2017).
Considerando a cultivar de aveia branca UPF-7, o corte das plantas entre o início do florescimento e o estádio de florescimento pleno, está indicado para a obtenção de silagem de aveia de boa qualidade para o consumo animal (BOIN, et al. 2005).
Considerações Finais
A produção de cereais de inverno nas áreas ociosas durante o inverno para produção de forragem e a conservação do alimento excedente em forma de feno e silagem é uma estratégia a ser considerada para intensificar a produção pecuária no sul do Brasil. Pois reduz os riscos de falta de alimento para os animais durante o ano e permite destinar mais área no verão para produção de grãos em detrimento de silagem de milho.
Portanto, é fundamental o incentivo à prática de ensilar cereais de inverno também para proteção e estruturação dos solos e para ciclagem de nutrientes; produzir volumosos de qualidade tanto para períodos de escassez quanto para comercialização (silos bola ou ‘bags’); redução dos riscos da falta de volumosos por intempéries climáticas; redução pela competição das áreas de verão pelo plantio de milho para silagem, permitindo que o milho seja destinado à comercialização e gerar mais renda.
Silagens de cereais de inverno, bem elaborada, tanto com emurchecimento (pré-secados) ou colheita direta, tem sido utilizada como único volumoso tanto para novilhas leiteiras ou misturadas com a tradicional silagem de milho para vacas em produção. É importante considerar a oportunidade de armazenamento de forragem para as diversas espécies e classes animais de ruminantes em sistemas de integração lavourapecuária na região sul-brasileira, utilizando parte das áreas ociosas disponíveis em quase todas as propriedades rurais.
Referências
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BLASER. R. E.; NOVAES, L.P. Manejo do complexo pastagem-animal para avaliação de plantas e desenvolvimento de sistemas de produção de forragens. 1990. In: Pastagens/SBZ. Piracicaba: FEALQ, 1990. p. 157-205.
BOIN, C.; FLOSS, E. L.; CARVALHO, M. P. et al. 2005. Composição e digestibilidade de silagens de aveia branca produzidas em quatro estádios de maturação. B. Indústr. Anim., N. Odessa, v.62, n.1, p.35- 43, 2005
CERUTTI, W. G. Silagem pré-secada de cereais de inverno com ou sem uso de aditivos. 2018. 50 F. TESE (Doutorado em Zootecnia) Pós-graduação em Zootecnia, Área de concentração Produção Animal, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2018.
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FONTANELI, Ren. S.; KLEIN, A. P.; FONTANELI, Rob. S. et al.2019. Silagem de cereais de inverno para o aumento da renda e sustentabilidade da pecuária de leite no sul do Brasil. Rev. Plantio Direto, Aldeia Norte: Passo Fundo. n.171, set/out, 2019.
HORST, E. H.; NEUMANN, M.; MAREZE, J. et al.2017. Silagem pré-secada de cereais de inverno em estádio de pré-florescimento: revisão. PUBVET, v.11, n.4, p.415-423, Abr., 2017.
LEHMEN, R. I., FONTANELI, Ren. S., FONTANELI, Rob. S., SANTOS, H. P. dos. Rendimento, valor nutritivo e características fermentativas de silagens de cereais de inverno. Ciência Rural, 44, 1180-1185, 2014.
ROOKE, J.A; HATFIELD, R.D. Biochemistry of ensiling. In: BUXTON et. al. Silage science and technology . Madison: USDA-ARS, 2003. p.95-135. TOMICH, T.R. et al. Características químicas para avaliação do processo fermentativo de silagens: uma proposta para qualificação da fermentação. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 20p. (Documentos, 57).