Cultivares de soja com ciclo curto aumentam a limitação de nitrogênio em lavouras de altas produtividades


Autores: Guilherme Guerin Munareto*1, Eduardo Lago Tagliapietra2, César Eugenio Quintero3,Patric Scolari Weber4, Israel Dalmazzo Saldanha5, Leonardo Silva Paula5,Cristian Savegnago5, Solon de Lemos Rosa6, Nereu Augusto Streck7,Fábio Ricardo Marin8, Evandro Henrique Figueiredo Moura da Silva9, Alencar Junior Zanon7
Publicado em: 23/11/2021

Introdução

O Brasil é o maior produtor (128,5 milhões t) e exportador (86 milhões t) mundial de soja, produzindo aproximadamente um terço em clima subtropical (USDA, 2021). A soja é a base para alimentação humana e animal, por ser uma preciosa fonte de proteína vegetal e óleo, além de ser uma alternativa sustentável para combustíveis (WILSON, 2008).

Projeções da FAO apontam para aumento da demanda mundial de alimentos, baseada no crescimento populacional, mudanças na dieta e expansão da utilização de biocombustíveis (CASSMAN & GRASSINI, 2020). Verticalizar a produção, ao invés de expandir a área cultivada, com aumento na eficiência no uso de recursos (MUELLER et al., 2012) são caminhos para atender a demanda global de alimentos.

Para isso, torna-se imprescindível identificar fatores causadores da lacuna de produtividade (LP) na soja. Assim sendo, para minimizar situações desordenadas nos processos metabólicos da planta e garantir a manifestação do potencial produtivo (Yp), é necessário suprir a exigência nutricional da cultura ao longo do ciclo.

Um grande desafio para incrementar a produtividade de soja é atender a alta demanda de nitrogênio (N), em razão da sua disponibilidade ser crítica para a fixação fotossintética de carbono (SINCLAIR & HORIE, 1989) e pelo alto teor de proteína no grão (GILLER & CADISCH, 1995). A exigência de N por unidade de fotossintato produzida é a mais alta entre todas as culturas alimentares (SINCLAIR & DE WIT, 1976).

As principais fontes de N para a cultura são: a fixação biológica de N2 (FBN) em média 60% (SALVAGIOTTI et al., 2008), com maior protagonismo entre a floração e o enchimento de grãos e (b) N mineral do solo (NS) contribuindo principalmente na fase vegetativa.

Estudos recentes relataram a existência de um fornecimento limitado de nitrogênio “lacuna-N” (CIAMPITTI & SALVAGIOTTI, 2018; ORTEZ et al., 2018; CORDEIRO & ECHER, 2019; AMBROSINI et al., 2019a; CAFARO LA MENZA et al., 2017, 2019, 2020).

A literatura cientifica relata uma lacuna-N entre 4% (ORTEZ et al., 2018) e 22% (CORDEIRO & ECHER, 2019), em que a FBN e o NS não foram suficientes para suprir a necessidade da cultura havendo uma restrição na taxa de absorção de N, com maior ênfase entre o florescimento e o final da formação do legume (Cafaro La Menza et al., 2020).

Porém, estes estudos não avaliaram a relação entre lacuna-N e duração do ciclo da soja. Nossa hipótese é de que uma menor duração do ciclo da cultura propicia uma maior lacuna-N.

Diante do atual cenário, cada vez mais os produtores escolhem cultivares mais precoces (SPECHT et al., 2014) e estas com maiores potenciais de produtividade (HEATHERLY, 2005; ZANON et al., 2016; TAGLIAPIETRA et al., 2021) impulsionando maiores taxas de absorção de N em um menor período de tempo (SANTACHIARA et al., 2017b).

Sendo assim, são necessários estudos utilizando uma metodologia que garanta ausência de outros fatores limitantes que propiciem aproximar do Yp e que retratam a realidade dos produtores, com um conjunto de dados de amplo Yp e duração de ciclo de desenvolvimento.

O objetivo deste estudo foi determinar a lacuna-N na produtividade de grãos por duração do ciclo.

1 Materiais e Métodos

Os experimentos de campo foram conduzidos no Estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. O Estado tem a maior área cultivada de soja do mundo em clima subtropical úmido (USDA, 2021) com verão quente (Cfa), baseado no regime climático de Köppen.

O experimento foi conduzido durante três anos agrícolas (2018 a 2020), em cinco lavouras com histórico de alta produtividade (5 – 7 t/ha) com irrigação.

Os experimentos foram conduzidos em 17 ambientes, onde cada ambiente foi definido pela combinação entre data de semeadura, grupo de maturidade relativa (GMR), local e ano; nesses ambientes foram aplicados o tratamento de N (N-completo e zeroN). Confrontamos dois tratamentos, N-completo e zero-N, distribuídos aleatoriamente em cada ambiente.

O tratamento com N-completo tem como propósito garantir condições não limitantes no fornecimento de N ao longo do desenvolvimento da planta, por meio de adições de fertilizantes de acordo com a demanda da cultura, seguindo o protocolo de Cafaro La Menza et al. (2017).

Todavia, o tratamento zero-N tem escopo de reproduzir o manejo dos produtores, ou seja, o fornecimento de N dependa exclusivamente da fixação biológica de N2, NS e doses de N mineral na semeadura.

O fornecimento dos nutrientes foi baseado no potencial de produtividade, (exceto para o N no tratamento zero-N). O manejo de plantas daninhas, pragas e doenças foi de forma preventiva com o propósito de eliminar qualquer fator limitante e redutor de produtividade. As sementes foram tratadas com inseticida, fungicida e inoculadas.

As semeaduras foram realizadas de meados de agosto até final de janeiro, afim de representar a região subtropical, com faixa de mais de cinco meses de semeadura.

Para isso, usamos uma variação de GMR entre 5.0 a 6.8 com o intuito de simular a duração do ciclo (entre emergência e a maturidade fisiológica) utilizada a campo pelos produtores, no experimento foi entre (102 a 138 dias).

O espaçamento entre fileiras de soja foi de 0.45 m e o tamanho das parcelas de 6 fileiras por 10 m, cada ambiente era composto por oito parcelas (quadro repetições por tratamento de N).

A fenologia das plantas foi acompanhada a cada três dias, seguindo a escala de Fehr & Caviness (1977).

Separamos nosso conjunto de dados em três grupos de GMR: curto (GMR entre 5.0 a 5.2, com 5 ambientes); médio (GMR entre 5.5 a 5.9, com 8 ambientes) e longo (GMR entre 6.2 a 6.8, com 4 ambientes), doravante assim chamados.

2. Resultados e Discussões

A diferença de produtividade do tratamento N-completo em relação ao zero-N, reduziu em 44.7 kg/ha/dia para duração do ciclo (<124 dias), após sem diferença, ou seja, não houve limitação de N no tratamento zero-N (Figura 1A).

Os resultados indicam que o grau de limitação de nitrogênio está negativamente associado a duração do ciclo (até 124 dias), após 124 dias o tratamento zero-N (padrão dos produtores) quando comparado a um manejo com amplo N para soja, não diferiu, apontando que as fontes de NS e FBN atenderam a demanda de N da soja.

O GMR curto foi o que mais respondeu ao tratamento sem limitação de nitrogênio (N-completo), se diferindo dos demais, com diferença média de produtividade (18.5%; 850 kg/ ha) superior ao tratamento zero-N (Figura 1B) atribuímos a resposta ao seu maior potencial produtivo corroborando com Zanon et al. (2016) e Tagliapietra et al. (2021).

A maior lacuna-N pode estar relacionada a maior taxa de absorção de N (SANTACHIARA et al., 2017b), com menor eficiência do uso de N (SANTACHIARA et al., 2017a), a qual o tratamento zero-N não supriu a alta exigência, ocasionando uma lacuna temporal e espacial entre a demanda e o fornecimento de N para a planta.

O GMR médio apresentou uma lacuna-N de produtividade (3.5%; 150 kg/ha) entre o tratamento (N-completo menos zero-N) (Figura 1B).

Este grupo apresentou a maior magnitude de diferença de produtividade dos tratamentos de N entre os grupos (Figura 1B), estando negativamente associada ao fornecimento de NS, corroborando com Cafaro La Menza et al. (2019), ou seja, a grande variação no fornecimento de NS refletiu na variação da diferença entre tratamentos de N (Figura 2).

A diferença de produtividade entre os tratamentos de N para o GMR longo foi (0.5%; 50 kg/ha) a mais para o zero-N comparado ao N-completo (Figura 1B), tendo a menor diferença de produtividade entre os grupos (Figura 1B), indicando que o tratamento zero-N conseguiu suprir a exigência de N, devido ter menores taxas de absorção (SANTACHIARA et al., 2017b).

De acordo com Patterson & La Rue (1983) a contribuição da FBN é maior em genótipos de maior ciclo, por ter mais tempo para ocorrer a fixação de N2. O grupo médio e o longo não apresentaram diferença entre ambos (Figura 1B).

Compreendemos que a quantidade de fertilizante N aplicada no estudo não é sustentável (sem viabilidade ambiental e econômica), todavia o protocolo nos permitiu fornecer N acima da capacidade da FBN e NS juntas, fornecendo N em condições não limitantes para altos potenciais produtivos de soja, condicionou testar nossa hipótese.

Há uma forte tendência de intensificação de cultivo nas áreas agrícolas em produzir mais culturas por ano (CASSMAN & GRASSINI, 2020) e com maiores produtividades (TAGLIAPIETRA et al., 2021), deste modo, cultivares de ciclo mais curtos são alternativas.

Assim, sugerimos alguns possíveis manejos para utilizarmos cultivares de ciclo curto e médio: incrementar NS com uso de plantas de cobertura pré-soja de menor relação C/N, aumentar a contribuição da FBN com mais doses de inoculante e realizar coinoculação, fertilização mineral, e provavelmente sejam necessárias associações entre as alternativas.

Também podemos, em função do potencial de oferta de NS, realizar zonas de manejo de cultivares de acordo com a duração do ciclo.

3 Conclusão

Nossos resultados apontam para uma maior lacuna-N na produtividade de grãos conforme reduz a duração do ciclo da cultura.

Deste modo, o GMR curto apresentou a maior sensibilidade ao fornecimento limitado de N.

A lacuna-N na produtividade de grãos no GMR médio foi dependente ao fornecimento de NS.

Não há lacuna-N na produtividade de grãos para o GMR longo, revelando que a FBN e o NS atenderam a demanda da cultura.

1 Aluno de mestrado em Engenharia Agrícola, UFSM, Santa Maria/RS *Autor para correspondência: [email protected]
2 Aluno de doutorado em Agronomia, UFSM, Santa Maria/RS
3 Professor na Universidad Nacional de Entre Ríos, Paraná/ARG
4 Mestre em Engenharia Agrícola, Santa Maria/RS
5 Aluno de graduação em Agronomia, UFSM, Santa Maria/RS
6 Engenheiro Agrônomo, Santa Maria/RS
7 Professor na UFSM, Santa Maria/RS
8 Professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq)
9 Aluno de doutorado no programa de Engenharia de Sistemas Agrícolas, Esalq, Piracicaba/SP.

Referências

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