Lições de uma safra com alta incidência de cigarrinha-do-milho: efeito do número de aplicações de inseticida e timing de manejo


Autores: Isabela Bulegon Pilecco¹, Bruna San Martin Rolim Ribeiro¹, Leandro do Prado Ribeiro², Nereu Augusto Streck¹, Victória Brittes Inklman¹, Álvaro de Souza Carnellosso¹, Daniella Moreira Salvadé¹, Cintia Piovesan Pegoraro¹, Gabriel Martins Fortes¹, Gabriel da Rosa Rocha¹, Alencar Junior Zanon¹
Publicado em: 15/03/2022

Espiroplasma, fitoplasma e vírus-do-raiado-fino são os agentes causais do enfezamento-pálido, enfezamento-vermelho e virose-da-risca, doenças altamente destrutivas que acometem a cultura do milho (Zea mays L.) e que são transmitidas exclusivamente pela cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis (Hemiptera: Cicadellidae). Apesar de não ser um problema recente para a agricultura brasileira, a intensificação produtiva, especialmente pela expansão do milho de segunda safra (“safrinha”) e mudanças nos sistemas de manejo da cultura propiciaram condições para sobrevivência e disseminação do inseto-vetor e dos patógenos associados, especialmente pela formação de “pontes verdes” [1].

Atualmente, o complexo de enfezamentos está entre os principais problemas fitossanitários da cultura em diversas regiões brasileiras, causando perdas que podem ser superiores a 90%, dependendo do momento de infecção, condições ambientais e suscetibilidade dos híbridos cultivados [2]. Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia são exemplos de estados brasileiros que vem sofrendo, há alguns anos, com surtos epidêmicos recorrentes e perdas expressivas na produtividade de milho devido a incidência deste patossistema [1].

Na safra 2020/2021, os estados da região sul do Brasil foram afetados por intensos surtos populacionais da cigarrinha-do-milho e das doenças do complexo de enfezamentos, sendo Santa Catarina um dos mais afetados [3], com redução de aproximadamente 30% na produção estadual do cereal [4]. Santa Catarina é responsável por mais de 55% das exportações brasileiras de carne suína e 30% das exportações de carne de frango [5].

Porém, sua produção média anual de milho (2017-2021) é 61% inferior a sua demanda para a produção de suínos, frangos e leite [6][7]. A lacuna existente entre produção e demanda é ainda maior quando consideramos apenas a safra de 2020/2021, devido às perdas de produtividade que ocorreram nessa safra e que podem, em uma parte significativa das lavouras, serem atribuídas à ocorrência de cigarrinha-do-milho e doenças do complexo de enfezamentos.

As perdas de produtividade causadas pelas doenças transmitidas pela cigarrinha-do-milho são intensificadas quando não são adotadas medidas integradas de manejo em nível regionalizado [8]. Para o manejo da cigarrinha-do-milho é indicado o uso de híbridos tolerantes às doenças do complexo de enfezamentos, a eliminação das plantas espontâneas de milho (“guaxas ou tigueras”) e o tratamento de sementes com inseticidas sistêmicos [9].

Além disso, o monitoramento da lavoura na pós-emergência da cultura e a aplicação de inseticidas para a proteção das plantas, quando detectada a presença da praga, são medidas importantes [10], especialmente no período crítico de infecção (emergência até oito a dez folhas) [11]. Assim, no presente estudo nós buscamos compreender a relação entre a produtividade obtida em mais de 110 lavouras de milho acompanhas em Santa Catarina durante a safra 2020/2021 com o número de aplicação de inseticidas e com o momento da primeira aplicação (timing de manejo).

Como avaliamos a relação entre a produtividade do milho e o número de aplicações e o momento da primeira aplicação de inseticida?

Para obter a produtividade média e a relação de práticas de manejo adotados nas lavouras de milho de Santa Catarina na safra 2020/2021, os extensionistas da Epagri acompanharam 158 lavouras distribuídas em todas as principais regiões produtoras. Durante o acompanhamento das lavouras, os produtores informaram, além da produtividade média, as práticas de manejo (data de semeadura, densidade de semeadura, híbrido, etc.), os insumos utilizados (fertilizante, inseticida, fungicida, herbicida etc.), e a ocorrência de insetos-praga, doenças e plantas daninhas.

Os dados passaram por um controle de qualidade sendo, posteriormente, separados de acordo com a produtividade média das lavouras em tercil superior, no qual estavam lavouras de altas produtividade (AP) e tercil inferior, composto pelas lavouras de baixas produtividades (BP) [12]. Assim, foram verificadas as diferenças de manejo entre os dois grupos.

Também foi realizada a análise de todo o conjunto de dados (altas, médias e baixas produtividades) e, identificaram-se as diferenças de produtividade de acordo com o manejo de insetos-praga incidentes nas lavoura amostradas, relacionando-as com o número de aplicações de inseticidas e o momento (estágio de desenvolvimento da cultura) em que foi realizada a primeira aplicação.

Manejo da cigarrinha-do-milho e a obtenção de maiores produtividades

Entre os produtores que informaram “Qual a praga de maior incidência ou que causou maior dano na lavoura na safra 2020/2021?” (n=118), a cigarrinha-do-milho foi relatada em 58% das lavouras, associada ou não com a presença de lagartas (alguns produtores responderam mais de um inseto-praga).

As lagartas, de forma geral (sem distinção entre espécies), que apareceram em segundo lugar como a praga de maior incidência ou que causou maior dano nas lavouras, estavam presentes em 46% das 118 lavouras acompanhadas. A produtividade média das lavouras de AP foi de 9600 kg/ha, enquanto para as lavouras de BP esse valor foi de 4000 kg/ha Identificou-se que, em média, as lavouras de AP realizaram 2,3 aplicações de inseticida, enquanto as de BP realizaram 1,9 aplicações, ou seja, uma diferença de 0,4 aplicações, diferença estatisticamente significativa (teste T, com nível de significância de 0,05).

Considerando 117 lavouras amostradas, identificou-se que aquelas que fizeram 3 ou mais aplicações de inseticidas tiveram produtividade superior em 1400 kg/ha em relação àquelas que não aplicaram inseticida ou que realizaram apenas uma aplicação (Figura 1). A cigarrinha-do-milho ataca as plantas de milho durante todo o ciclo de desenvolvimento, mas é nos estágios fenológicos iniciais que apresenta os maiores impactos, tanto pelos danos diretos (sucção de seiva e injeção de toxinas) quanto indiretos (transmissão de fitopatógenos).

Consequentemente, esse é o momento que o controle químico (associado ou não a produtos biológicos) é mais indicado [11], uma vez que compreende o período de migração do inseto para a lavoura e a disseminação primária das doenças (primeiras infecções). Considerando apenas as lavouras de milho em que foram efetuadas aplicações de inseticida (n=110), aquelas que realizaram a primeira aplicação quando as plantas possuíam entre uma e duas folhas expandidas tiveram produtividade superior em 1600 kg/ha do que aquelas que realizaram a primeira aplicação com cinco ou mais folhas expandidas (Figura 2).

Um fator limitante para o uso do controle químico é o curto efeito residual dos inseticidas, tanto via tratamento de sementes quanto em aplicações em pós-emergência, o que exige aplicações frequentes [10]. Além disso, essa praga possui elevada capacidade de dispersão, o que facilita a rápida reinfestação das lavouras e disseminação das doenças do complexo de enfezamentos [9].

Assim, realizar a aplicação de inseticida no momento adequado, ou seja, no período onde a infecção pelo complexo de enfezamentos é mais prejudicial para o desenvolvimento das plantas (milho com uma ou duas folhas expandidas), é uma medida importante dentro de um programa de manejo integrado de pragas da cultura em um contexto regionalizado. Isso se aplica também a outros insetos-praga que afetam a cultura (percevejo barriga-verde e lagarta-do-cartucho, por exemplo), os quais também possuem os estágios iniciais da cultura como período crítico.

Todavia, a recomendação de tais práticas deverá ser acompanhada do monitoramento rotineiro das lavouras, empregando os preceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e da Entomologia Econômica.

Conclusão

Considerando 158 lavouras comerciais de milho acompanhadas na safra 2020/2021 em Santa Catarina, conclui-se que a proteção das plantas através do aumento do número de aplicações de inseticidas em pós-emergência da cultura do milho possibilitou atingir produtividades 20% superiores em relação aqueles não aplicaram ou que aplicaram inseticida em pós-emergência apenas uma vez.

Além disso, a aplicação de inseticida no momento adequado, ou seja, nos estágios iniciais da cultura (“manejo precoce”, possibilita produtividades superiores na ordem de 21% em comparação com a adoção do controle químico em estágios mais avançados do desenvolvimento da cultura.

1 Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fitotecnia, Santa Maria/RS
2 Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar, Chapecó/SC

Referências

[1] DA COSTA, R. V. et al. Incidence of corn stunt disease in off-season corn hybrids in different sowing seasons. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 54, p. 1-9, 2019. doi: 10.1590/S1678-3921.PAB2019.V54.00872.

[2] TEIXEIRA, F. F. et al. Pré-melhoramento de milho quanto à resistência a enfezamentos. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 48, n. 1, p. 51–58, 2013. doi: 10.1590/S0100-204X2013000100007.

[3] RIBEIRO, L. P.; CANALE, M. C. Cigarrinha-do-milho e o complexo de enfezamentos em Santa Catarina: panorama, patossistema e estratégias de manejo. Agropecuária Catarinense, v. 34, n. 2, p. 22–25, 2021. doi: 10.52945/rac.v34i2.1144.

[4] EPAGRI/CEPA. Boletim Agropecuário: março/2021. Florianópolis, 2021, 46p. (Epagri. Documentos, 334).

[5] MAPA. AGROSTAT: Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro. Brasília, 2021. Disponível em: https://indicadores.agricultura.gov.br/agrostat/index.htm. Acesso em: 13 janeiro 2022.

[6] MARCONDE, T. The agriculture in Santa Catarina: current scenario and main trends. Revista NECAT, v.? , n.?, p. 8–38, 2016.

[7] IBGE/SIDRA. Levantamento sistemático da produção agrícola. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6588. Acesso em: 23 dezembro 2021.

[8] OLIVEIRA, C. M. et al. Genetic diversity in populations of Dalbulus maidis (DeLong and Wolcott) (Hemiptera: Cicadellidae) from distant localities in Brazil assessed by RAPD-PCR markers. Environmental Entomology, v. 36, n. 1, p. 204–212, 2007. doi: 10.1603/0046-225X(2007)36[204:GDIPOD]2.0.CO;2.

[9] SABATO, E. O. Manejo do risco de enfezamentos e da cigarrinha no milho. Comunicado técnico 226. Sete Lagoas: EMBRAPA, 2018. 18p. ISSN 1679-0162.

[10] WAQUIL, J. M. Cigarrinha-do-milho: vetor de molicutes e vírus. Circular Técnica 41. Sete Lagoas: EMBRAPA, 2004. 7p. ISSN 1518-4269.

[11] MASSOLA JÚNIOR, N. S.; BEDENDO, I. P.; AMORIM, L.; LOPES, J. R. S. Quantificação de danos causados pelo enfezamento vermelho e enfezamento pálido do milho em condições de campo. Fitopatologia Brasileira, v. 24, p. 136-142, 1999.

[12] GRASSINI, P. et al. Soybean yield gaps and water productivity in the western U.S. Corn Belt. Field Crops Research, v. 179, p. 150-163, 2015. doi: 10.1016/j.fcr.2015.04.015.