O vazio sanitário da soja em Mato Grosso: um novo enfoque


Autores:

Erlei Melo Reis1, Wanderlei Dias Guerra2

Publicado em: 22/03/2023

Histórico

Na safra 2003/2004, em Mato Grosso (Sorriso, Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio, Sapezal e Primavera do Leste) e em Goiás (Goiânia), a incidência da ferrugem foi relatada 25 a 30 dias após a emergência, atingindo níveis epidêmicos no mês de dezembro. Na região de Primavera do Leste, o número de aplicações de fungicidas foi de 4,5 a 5,0 e houve casos de abandono de lavoura (Seixas; Godoy, 2007).
Esse fato motivou a implantação do vazio sanitário pela normativa em 2006 (MAPA/INDEA-MT, seguido por Normativa Federal em 2007 / MAPA  que implementou o Programa Nacional de Controle da Ferrugem da Soja - PNCFS), tendo como objetivo eliminar o cultivo da soja irrigada resultando o que vigora na maioria dos estados brasileiros.

Conceito

O vazio sanitário, de acordo com a Portaria nº 306, é o período definido e contínuo em que não se pode manter plantas vivas de soja em uma determinada área. Esse período deve ser de, pelo menos, 90 dias sem a cultura e sem plantas voluntárias no campo. Esse período foi definido com base na maior sobrevivência de esporos, relatada de 55 dias, em folhas de soja naturalmente infectadas e mantidas à sombra de uma árvore, na Índia (Patil et al., 1997).

Objetivo

O objetivo do vazio sanitário é a redução de inóculo do fungo durante a entressafra, por meio da eliminação do principal hospedeiro, a soja irrigada e a guaxa de sequeiro.
Em MT, é bem conhecida a presença de áreas com alta população de plantas de soja guaxas após a colheita em lavouras de sequeiro e nos acostamentos das rodovias. No entanto, não tem sido atentamente observada e documentada a evolução do desenvolvimento dessas plantas que terminam mortas pelo clima seco.

Paralelamente, a normativa citada aceitou a hipótese da presença de soja voluntária (guaxa, tiguera) ‘funcionando’ como “pontes-verde” (sensu GRDC, 2022) para Phakopsora pachyrhizi ‘passar’ o pousio de inverno com duração de 92 dias, mesmo sem a comprovação de sua sobrevivência em lavouras nos meses de agosto e setembro especialmente.
 Fato importante que merece exame é que, em Mato Grosso, na maioria dos casos a ferrugem tem sido detectada em lavouras de sequeiro somente a partir de dezembro.

Esse fato é comprovado por Godoy, et al (2020) que relatam que de 2015 a 2020 os primeiros registros foram feitos de 3 de dezembro a 4 de janeiro. Porque tão tarde se as pontes-verdes, fontes de inóculo, em lavouras de sequeiro estariam presentes desde as primeiras semeaduras em setembro e a maioria em outubro no final do pousio de inverno?
Havendo comprovação da ação do pousio de inverno em eliminar toda e qualquer planta anual nas lavouras de sequeiro, a normativa citada tem sido justificável para a soja irrigada e não para as lavouras de sequeiro durante a entressafra, cujo clima extremo se encarrega de eliminá-las naturalmente.

No entanto, até o presente momento, não foram encontrados registros que comprovem a existência dessas “pontes-verdes” em áreas não irrigadas, salvo em algumas invasoras no mês de junho até julho em meio a lavouras de algodão, mas não chegam vivas em 15 de setembro. Em MT o pousio natural de inverno (sensu Hass et al., 1974) se estende de junho a agosto com uma precipitação pluvial de 43,9 mm (média de 24 anos) tornando viável o cultivo de plantas anuais somente pela irrigação.

A normativa criada só faz sentido se for comprovada, em lavouras de sequeiro, a sobrevivência da soja [Glycine max (L.) Merr. ] e de Phakopsora pachyrhizi Sydow & Sydow. em MT, no período de 15 de agosto a 15 de setembro. Se neste período não há em lavouras de sequeiro soja verde e com ferrugem viável/ativa não se justifica a legislação atual (Reis et al., 2021) a legislação é inócua, apenas punitiva, sem justificativa técnica.

A sobrevivência de pontes-verdes de soja no final do período de vazio sanitário é fato comprovado no sul do Brasil, na soja irrigada em Tocantins e Goiás, norte de Rondônia, em áreas experimentais autorizadas em MT, na Bolívia e no Paraguai, onde não falta água na entressafra.
O déficit hídrico imposto tem potencial para eliminar toda e qualquer planta anual das lavouras em MT? Se verdade, as plantas guaxas, provavelmente, não desempenham papel epidemiológico sendo eliminadas nesse período não garantindo o inóculo para a próxima safra, apesar de sua existência, e com ferrugem, nos perímetros urbanos, local onde a ação do estado deveria ser mais efetiva.

A hipótese é de que a soja, guaxa e a soja invasora em algodão e em outras culturas, sendo ou não “pontes-verdes”, podem ser eliminadas pelo pousio de inverno, também não havendo efetividade da normativa. Além de sua sobrevivência, a germinação de grãos de soja pós-colheita não deve ocorrer com o déficit hídrico em junho (precipitação pluvial de 13,19 mm) e em julho (precipitação pluvial de 6,52 mm). Outra hipótese é de que o último momento para tal, deve ser maio com 43,5 mm. As plantas voluntárias emersas em maio necessitam de um ciclo de 120 -150 dias para atingirem, ainda verdes, setembro/outubro, portanto morrem antes da próxima época de plantio! Além disso, provavelmente, não deve ocorrer a germinação de grãos de soja pós-colheita além do mês de maio (43,5 mm) e plantas de ciclo anual não sobrevivam ao déficit hídrico de junho (13,19 mm) e de julho (6,52 mm) (Marcuzzo et al, 2012).

Até a presente data, não foram encontrados registros que comprovem a detecção destas plantas, em condições de lavouras, nesse período (15 de agosto a 15 de setembro) salvo a exceções acima apresentadas. Sugere-se que sejam divulgados os laudos de autuação do INDEA para trazer resposta quanto a veracidade desse tema, a detecção de plantas com ferrugem em áreas cultivadas nos meses de agosto e setembro. Há dados de autuação da presença de soja ponte-verde em lavouras de sequeiro nestes meses que justificam tamanha extensão do vazio sanitário e sua exigência para áreas não irrigadas?

Em face das justificativas, se propõem manter a expressão ‘vazio sanitário’ referindo-se à proibição da soja irrigada e ‘pousio de inverno’ (Haas et al., 1974) referindo-se à eliminação das pontes-verdes (guaxas, tiguera, voluntárias) em lavouras de sequeiro.

1Instituto Agris, Passo Fundo, RS;
2Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso, Cuiabá, MT.

Referências

Godoy, C.V.; Seixas, C.D.S.; Meyer, M.C. & Soares, R. M. (2020). Ferrugem-asiática da soja: bases para o manejo da doença e estratégias antirresistência.  Londrina: Embrapa Soja, 39 p. (Documentos / Embrapa Soja, ISSN 2176-2937; n. 428).

Haas, H. J., Willis, W. O., & Bond, J. J. (1974). Summer fallow in the western United States  (USDA-ARS Conserv. Res. Rep. No. 17). U.S. Gov. Print. Office, Washington, DC.
Marcuzzo, F. F. N., Cardoso, M. R. D., & Faria, T. G. (2012). Chuvas no Cerrado da região Centro-Oeste do Brasil: análise histórica e tendência futura - DOI 10.5216/ag.v6i2.15234. Ateliê Geográfico, 6(2), 112–130. https://doi.org/10.5216/ag.v6i2.15234

Reis, E.M.; Guerra, W. D. & Zambolim, L. (2021). A soja e Phakopsora pachyrhizi sobrevivem durante o pousio de inverno em Mato Grosso? Summa Phytopathologica. Botucatu, v. 47, n. 2, p. 85-87.

Seixas, C.D.S. & Godoy, C. (2007). Vazio sanitário: panorama nacional de medidas de monitoramento. Simpósio Brasileiro de Ferrugem Asiática da Soja (2007: Londrina, PR). Novembro, p. 23 -33, 2007. EMBRPA, Embrapa Soja. MAPA. ISSN 1516-781X.