Júlia Letícia Cassel1, Bruna Dalcin Pimenta2, Rodrigo Luiz Ludwig2 e Daniela Batista dos Santos2
Introdução
O carbono (C), assim como outros nutrientes, sofre processos cíclicos: o C fotossintetizado é adicionado ao solo pelos resíduos vegetais, propiciando as emissões de C na forma de dióxido de carbono (CO2) e o estoque de C orgânico do solo, na forma de Matéria Orgânica, sendo estes componentes do ciclo no sistema solo-planta-atmosfera (COSTA et al., 2008). O solo é o principal reservatório temporário de C em um ecossistema, contudo o elemento possui comportamento dinâmico e sensível ao manejo realizado (SOUZA et al., 2012). Além disso, Moreira e Siqueira (2006) mencionam que a velocidade do ciclo é influenciada pelo clima, microclima e ações antrópicas.
Apenas cerca de metade do C fotoassimilado é consumido pelas plantas para seu crescimento e desenvolvimento, sendo a vegetação considerada um grande dreno de C-CO2, e o restante é consumido por animais ou deposto na serapilheira e, ao atingir o solo, é decomposto, devolvendo grande parte do C à atmosfera, processo que é mediado por microrganismos (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). Segundo Pereira et al. (2013), o uso do solo em sistemas agrícolas atua modificando tanto a entrada como a saída de carbono para a atmosfera, em função da produção diferenciada de resíduos, número de cultivos, das espécies vegetais, da adubação, dos procedimentos de colheita, do preparo do solo e do manejo dos restos culturais.
Portanto, destaca-se a importância do manejo do solo adequado, que seja capaz de reduzir a liberação de C-CO2 para a atmosfera, e visando maior incorporação de C no solo, que na forma de Matéria Orgânica do Solo, adsorve nutrientes de carga positiva. Nesse contexto, o presente artigo objetiva avaliar a decomposição de seis coberturas do solo (aveia; centeio; nabo; ervilhaca; consórcio de aveia, centeio e nabo; e consórcio de aveia, centeio e ervilhaca) em dois manejos de solo (Sistema Convencional e Sistema Plantio Direto).
Metodologia
O experimento foi implantado em uma propriedade rural, na localidade de Linha Mantiqueira, interior de Lagoa dos Três Cantos/RS. Situada na região fisiográfica do Planalto Médio – Microrregião do Alto Jacuí, Rio Grande do Sul, com clima Cfa (subtropical úmido) (MORENO, 1961). O solo é classificado como Latossolo Vermelho Distroférrico típico (EMBRAPA, 2018), a área está localizada a 420 m acima do nível do mar a uma latitude sul de 28° 31’22” e longitude oeste de 52° 52’45”.
O delineamento foi em blocos ao acaso, com duas repetições, em esquema fatorial de 2x6 (2 manejos de solo e 6 tratamentos de plantas de cobertura, com espécies puras e em consórcio), em arranjo de parcelas subdivididas. As parcelas principais (2 m x 21 m) foram compostas pelos manejos de solo e as subparcelas (2 m x 3 m), pelas espécies de plantas de cobertura.
Para a condução do experimento, foram utilizadas 4 espécies de plantas de cobertura, sendo 4 tratamentos compostos das espécies puras: aveia branca (Avena sativa), centeio (Secale cereale), nabo forrageiro (Raphanus sativus) e ervilhaca (Vicia cracca); e 2 tratamentos de consórcio entre elas: aveia branca, centeio e ervilhaca; e aveia branca, centeio e nabo forrageiro. Estas foram conduzidas em dois manejos de solo, o Sistema Convencional (SC) e o Sistema Plantio Direto (SPD).
As plantas de cobertura foram semeadas na data de 22 de junho de 2021, a lanço, todas no mesmo dia, e a emergência já foi observada 6 dias após a semeadura. Aproximadamente 120 dias após a semeadura das plantas de cobertura, foi realizada a coleta da parte aérea das plantas de cobertura, para a determinação de massa verde (MV) e massa seca ao ar (MSA), na área de 1 m², com 2 repetições por parcela. Após a área foi dessecada e foi realizado o preparo do solo nas parcelas de Sistema Convencional.
Para a determinação da decomposição de resíduos vegetais, foi utilizada a metodologia de Doneda et al. (2012), através de sacos de decomposição. A subamostra que foi coletada para avaliar a MSA, permaneceu secando até a massa constante para a pesagem e, a partir dela, foi estabelecida a quantidade de resíduo padronizada a ser adicionada nas bolsas de decomposição (correspondente a área de 0,04 m², que foi a área do saco de decomposição), de acordo com a massa seca produzida por cada espécie e sistema de manejo do solo.
As bolsas de decomposição foram fabricadas com tecido, em dimensões de 0,20 x 0,20 m. Cada bolsa, contendo os resíduos culturais, foi considerada como uma unidade experimental. As bolsas foram distribuídas na superfície do solo das parcelas onde foram coletados os resíduos culturais.
As coletas e quantificação da massa presente nos sacos de decomposição foram realizadas aos 7, 14, 21, 28, 57, 122 e 141 dias após a colocação das bolsas no campo. As amostras foram secas ao ar para realização da pesagem.
Os resultados foram submetidos à análise da variância pelo teste F (p<0,05) e quando as interações foram significativas, foi realizado o desmembramento dos efeitos de tratamento de um fator dentro de cada nível de outro fator. Para os tratamentos qualitativos foi realizada a comparação de médias com o teste de Tukey (p<0,05) para os tratamentos quantitativos, pela análise de regressão.
Resultados
Inicialmente, são observados os dados de produção de massa verde e massa seca ao ar produzidas por cada espécie ou consórcio (Tabela 1). Para a produção de massa verde (t/ha), verifica-se que houve maiores valores para o nabo puro ou o consórcio onde esta espécie se faz presente. Nesse mesmo contexto, Santos et al. (2018) discutem que o nabo forrageiro pode chegar a uma produção de fitomassa de 40 a 60 toneladas por hectare, uma quantidade que os autores tratam como bastante expressiva. Além disso, os mesmos autores trazem que devido às características de ciclagem de nutrientes, a espécie é bastante utilizada na rotação de culturas, e também como adubação verde e descompactação do solo. Além disso, para a produção de massa verde, não houve diferença significativa entre os tratamentos de solo.
Ademais, Doneda et al. (2012) observaram uma produção de fitomassa em ordem decrescente nas espécies de nabo-forrageiro, ervilha forrageira, centeio e aveia-preta, respectivamente, ordem essa semelhante à verificada no presente trabalho. Os autores apontam que foi possível observar uma relação C/N (carbono/nitrogênio) maior em poáceas (centeio e aveia-preta), se comparado às crucíferas e leguminosas.
Quanto à produção de massa seca, obtiveram destaque os dois consórcios, aveia branca, centeio e nabo (Tabela 1), enquanto a ervilhaca foi a espécie de menor produção. Sendo assim, observa-se que o nabo foi capaz de liberar maior quantidade de água durante a secagem, se igualando estatisticamente aos tratamentos de consórcio, aveia e centeio quanto à massa seca. Ainda, destaca-se que a ervilhaca, mesmo com menor produção de massa seca, é capaz de fixar N da atmosfera através da simbiose com bactérias (FABIAN et al., 2016).
Já comparando os sistemas de manejo do solo, observou-se maior produção de massa seca em Sistema Plantio Direto, diferindo dos resultados de Suzuky e Alves (2006), que observaram maior valor em Sistema Convencional.
Levado em conta a precipitação ao longo do tempo de decomposição, observou-se valores abaixo do esperado para o período, influenciando na decomposição das plantas de cobertura. Ribeiro et al. (2014), trazem que são influentes na decomposição de restos culturais a precipitação pluvial, umidade e temperatura do solo e temperatura ar.
Ademais, para a decomposição das plantas de cobertura, de acordo com os sistemas de manejo do solo e ao longo do tempo, são apresentadas as equações de regressão Figura 1. A taxa de decomposição dos restos culturais depositados sobre o solo, de acordo com Nunes et al. (2010), está principalmente relacionada à relação carbono/nitrogênio (C/N) do tecido, por isso espécies não gramíneas possuem maior decomposição, quando comparadas com gramíneas.
A decomposição de aveia branca (Figura 1A) apresenta comportamento quadrático em ambos sistemas. Em SPD a redução de massa seca chegou a um percentual de mais de 45% aos 140 dias de decomposição. Crusciol et al. (2008), ao avaliarem a decomposição de aveia preta (Avena strigosa), observam que após 53 dias a cobertura já se decompôs 66%.
O centeio (Figura 1B), apresentou redução linear de massa seca, independente do sistema. Em média, eram decompostos, a cada 10 dias, 264,5 kg/ha, correspondentes a aproximadamente 3% do total de massa seca produzido. Doneda et al. (2012), trazem os primeiros 21 dias como os de maior decomposição (de até 28%), diferindo do presente trabalho, devido às condições climáticas desfavoráveis aos mecanismos responsáveis pelo processo.
Para a cobertura de nabo (Figura 1C), os sistemas apresentaram um decomposição linear ao longo do tempo, sendo mais acentuada em SPD (304 kg/ha a cada 10 dias, ou 2,95%) se comparado ao sistema convencional (215 kg/ha a cada 10 dias, correspondente a 2,59%). Medrado et al. (2011) constataram uma decomposição de 9% de nabo em um mês.
A ervilhaca (Figura 1D), apresentou decomposição linear para ambos os sistemas, de forma mais acentuada em SPD (249 kg/ha a cada 10 dias - 3,44%). Já em Sistema Convencional, a decomposição a cada 10 dias é de 1,77% (124 kg/ha). Aita e Giacomini (2003) trazem que a proporção do N presente no compartimento mais facilmente mineralizável foi cerca de 3,4 vezes maior na ervilhaca em relação ao nabo, tornando a cobertura vantajosa se consorciada com gramíneas.
Para o consórcio entre aveia, centeio e nabo (Figura 1E), o SPD apresentou a decomposição de resíduos mais acentuada, igual a 3,63% a cada 10 dias, sendo que o SC decompôs, nesse mesmo período, 2,62%. Wamser et al. (2006) trazem que o uso de consórcios entre gramíneas, ervilhaca e nabo constitui-se uma alternativa para a produção de elevada quantidade de fitomassa e rápida mineralização do N.
Já o consórcio de aveia, centeio e ervilhaca obteve decomposição linear independente do sistema (Figura 1F), onde em média, são decompostos 260 kg/ha a cada 10 dias, que correspondem a 2,58% do total de massa seca produzido. Aita e Giacomini (2003), em seu trabalho comparando ervilhaca pura e consorciada com aveia, concluíram que com o consórcio reduziu a decomposição.
Considerações finais
A produção de massa seca das plantas de cobertura, em média, foi maior no Sistema Plantio Direto, que apresentou maior decomposição, podendo ser associada aos dados climáticos (baixa precipitação e temperaturas elevadas), que foram desfavoráveis aos mecanismos e microrganismos responsáveis por este processo.
Referente às plantas de cobertura, a ervilhaca foi a de menor produção de massa seca. Para produção de massa verde, destacaram-se nabo e o consórcio de aveia, centeio e nabo, que se igualaram a aveia e centeio quanto a massa seca devido à perda de água.
Maiores decomposições foram observadas para as coberturas de consórcio de aveia, centeio e nabo; nabo; e ervilhaca, todos em Sistema Plantio Direto. Enquanto que as menores decomposições foram de centeio e o consórcio de aveia, centeio e ervilhaca, independente do sistema de manejo de solo.
Agradecimentos
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Ibirubá e à agência de fomento FAPERGS.
1Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo/RS.
2Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul - Campus Ibirubá/RS - [email protected]
Referências
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