Erlei Melo Reis, Andrea Camargo Reis e Mateus Zanatta
Introdução
A mancha-alvo da soja [Glycine max (L.) Merr.], relatada pela primeira vez no Brasil, em São Paulo em 1976 (Almeida et al. 1976), é causada pelo fungo necrotrófico Corynespora cassiicola (Berk & Curt) Wei.
Essa doença ocorre com mais frequência, maior intensidade e causando danos em lavouras de soja cultivadas na região Centro-oeste. A ocorrência e os danos causados têm aumentado nas últimas safras pela monocultura da soja em plantio direto, maior área de uso de cultivares suscetíveis, sucessão de culturas hospedeiras do fungo (ex. algodão e crotalária) e a evolução da redução da sensibilidade do fungo agente causal às carboxamidas.
O objetivo da atividade agrícola é claramente expresso na afirmativa de Main (1977) de que “os agricultores cultivam a terra para ganhar dinheiro”. Portanto, a tecnologia gerada pelas instituições de pesquisa devem contribuir para a maximização do lucro dos agricultores.
Para alcançar esse objetivo, e não se sabendo o dano causado pela doença alvo do controle, não se pode tomar decisão de controlá-la ou não. É por isso que tem sido reconhecido pelos cientistas (Fawcet & Lee, 1926; Stern et al., 1959; Munford & Norton, 1984; Zadoks, 1985 Zadoks & Schein, 1979), que o montante de dano é a pedra fundamental do manejo integrado de doenças.
Conceito de dano. É a redução da quantidade (kg/ha) e da qualidade da produção devido ao ataque de um agente nocivo (ex. por C. cassiicola) (Zadoks, 1985).
Conceito de perda. É a redução financeira (R$) devido a diminuição da produção (Zadoks, 1985). O dano (kg/ha) leva a perda (R$). Lembre-se, “o agricultor cultiva a terra para ganhar dinheiro.”
Se a doença não causa dano não se justifica gasto em seu controle, isso por que, tanto a falta como o excesso de medidas de controle reduzem o lucro da atividade agrícola. Destaca-se também que o dano não depende da presença, mas sim da quantidade (severidade, incidência) da doença.
Este texto fornece a base científica para que os estudantes de fitopatologia, professores de fitopatologia, pesquisadores e consultores comparem os critérios até então usados como indicadores do momento da primeira aplicação de fungicida visando ao controle da mancha-alvo na cultura da soja, com o que diz a ciência (Fawcet & Lee, 1926; Munford & Norton, 1984; Stern et al., 1959; Zadoks, 1985; Zadoks & Schein, 1979).
A ferramenta básica para a determinação do dano é a função matemática obtida da relação entre o rendimento de grãos (kg/ha) e a severidade da doença (S). Essa função para a mancha-alvo da soja da foi obtida por Molina et al. (2018) relacionando o rendimento de grãos (kg/ha) da soja com a severidade foliolar (S) (Soares et al, 2009) da mancha-alvo com os dados de 41 experimentos conduzidos nas safras de 2012 a 2016 (Ensaio Nacional Cooperativo de fungicidas): R (rendimento de grãos) = 3.564 kg/ha – 17, 1 kg/ha para cada 1% de severidade (S) foliolar, ou normalizada: R= 1000 – 4,79x significando que para cada 1000 kg de grãos de soja produzidos, cada ponto (1,0%) percentual de severidade da mancha-alvo, reduz 4,79 kg/ha.
Posteriormente, Costa (2020) obteve a função R = 3.943 – 19,659 S (R2 = 0,62) para uma coleção de cultivares de soja de ciclo tardio. Quando normalizada, R = 1.000 – 4,98 S, observa-se que o esse coeficiente de dano é próximo ao obtido por Molina et al. (2018) (R = 1.000 – 4,79). Os autores citados não discutem o uso da função gerada como a principal ferramenta para se estimar o dano da mancha-alvo em soja e usá-la na tomada de decisão de seu controle.
Um outro exemplo da relação entre a severidade da mancha-alvo e o rendimento da soja foi relatado por Mesquini (2012) (Tabela 1).
Para melhor entendimento da importância prática da função estude a Tabela 2. Observe que o dano (redução da produção kg/ha) é função da quantidade da doença (severidade) e do rendimento(kg/ha) da soja.
Cálculo do limiar de severidade econômica (LSE). Ou da severidade máxima da mancha-alvo cuja perda (R$) iguala ao custo (R$) do controle indicando o momento (quantidade de dano/perda) para a aplicação do fungicida de modo a assegurar o retorno econômico. Portanto, o momento da aplicação de fungicida para o controle da mancha-alvo deve ser realizado evitando que a severidade (S) atinja o LSE:
LSE = Cc/Cd = 1/1 =1 (1).
O LSE é calculado utilizando-se a fórmula de Munford & Norton (1984), modificada por Reis et al. (2001) (Equação 2).
LSE ou ID = Cc/ (Pp x Cd) x Ec, na qual, (2);
ID = intensidade da doença; severidade foliolar da mancha-alvo (S);
Cc = custo do controle (R$/ha);
Pp = preço da tonelada da soja (R$/t);
Cd = coeficiente de dano (kg/ha) causado pela mancha-alvo; e
Ec = eficácia (%) do controle do fungicida fornecido pela pesquisa (ex. Godoy et al., 2022).
Considerando que para o controle econômico da doença sua intensidade não deve ultrapassar o LSE, a aplicação racional dos fungicidas deve ser feita com um valor da severidade foliolar inferior ao LSE, porém, nunca na ausência da doença.
O nível de controle ou nível de ação (momento da aplicação do fungicida) refere-se à menor intensidade da doença que indica a necessidade de a aplicação de táticas de controle, para impedir que uma perda (R$/ha) econômica seja atingida.
O valor calculado do LSE não é fixo; varia em função dos valores das variáveis que compõe a sua equação (2).
Cc = Custo do controle. Como exemplo, será utilizado um valor estimado de R$ 478,00/ha, com preços tomados em 05/03/21 (considerando o dano do amassamento da lavoura pelo pulverizador, o custo do fungicida, do combustível e de salários). O Cc é variável para cada situação e, por isso, o Engenheiro Agrônomo deve calcular o valor correspondente para cada caso.
Pp = Preço da tonelada de soja R$ 150,00/60 kg, ou R$ 2.500,00/tonelada, tomado na Cotrijal em 05/03/21, Não-Me-Toque, RS.
O Cd (coeficiente de dano) é representado pelo segundo membro da função de dano: R= 1000 kg/ha – 4,79 S, isto é 4,79. Nesse caso, para cada tonelada de grãos de soja produzido, 1% de severidade da mancha-alvo reduz 4,79 kg/ha. Convertendo para tonelada (t), R= 1,0 – 0,00479 t/1% de S.
Ec = eficácia do controle. A eficácia do controle é variável entre o grande número de fungicidas comercializados no mercado da soja. Por isso, nesse exercício tomou-se dois valores atualizados da eficácia dos fungicidas obtida no Ensaio Nacional Cooperativo e de produtos com eficácia de 50 e de 70%, ou 0,5 e 0,7% (Godoy et al., 2022). Lembre-se que o maior rendimento é obtido com controle da doença superior a 80% e que a eficácia dos fungicidas comerciais usados no controle da mancha-alvo, no trabalho citado, foi de 39 a 73 %.
Rp = rendimento potencial da lavoura (kg/ha) a qual se quer estimar o dano. Como o rendimento não é igual para todas as lavouras, o Cd deve ser ajustado para o rendimento da lavoura onde a doença será controlada, pelo cálculo Cd x Rp. Por exemplo, uma lavoura com Rp = 3.800 kg/ha ou 3,8 t/ha, o Cd = 3,8 t/ha x 0,00479 t/ha = 0,018203. Lembra-se que cada lavoura terá um rendimento diferente ao qual o Cd deve ser ajustado (na mesma proporção, se numa tonelada o dano de 1% de severidade é de 0,00479 tonelada/ha, para o rendimento potencial da lavoura de 3,8 t/ha o coeficiente de dano nesse caso é de 0,018203 t/ha).
ID = intensidade da mancha-alvo ou LSE. É a intensidade máxima da doença tolerável economicamente objetivo do cálculo.
Substituindo os valores na fórmula, ID = [Cc/(Pp x Cd)] x Ec, tem-se:
a. Para um fungicida com Ec de 70%, ou 0,7%:
ID = [478,00/(2.500 x 0,018203)] x 0,7%
ID = (478,00/45,5075) x 0.7%
ID = 10, 5 x 0.7 = 7,35%.
ID = LSE = 7,35% S. Essa severidade resulta em perda de R$ 478,00/ha.
b. Para um fungicida com Ec de 50%, ou 0,5%:
ID = 10,5 x 0,5 = 5,25%
ID = LSE = 5,25% S. Essa severidade resulta em perda de R$ 478,00/ha.
Se pode inferir que em cultivares de soja que apresentem reação à mancha-alvo, < 5,00, a aplicação de fungicida não resulta em ganho econômico.
Para ambos os casos, sugere-se para fins práticos, utilizar como limiar de ação (LA) o momento em que a mancha-alvo for detectada, pelo monitoramento da lavoura, com qualquer valor < 5% S, mas nunca no pré-fechamento ou em V0.
Observação
Pelo cálculo o fungicida mais potente (0,7% de controle) deve ser aplicado com severidade maior do que o com eficácia menor (0,5%).
Considerações sobre a reação de cultivares de soja à mancha-alvo e o LSE
Em cultivares de soja altamente suscetíveis e suscetíveis o LSE pode ser frequentemente alcançado. No entanto, além da sensibilidade da cultivar o ambiente como um fator determinante de doença, tem efeito marcante sobre a intensidade da doença.
Como o LSE considera a intensidade da doença, ele é variável também em função da reação das cultivares à mancha-alvo. No planejamento de uma lavoura deve ser dar preferências às resistentes. Cultivares de soja são consideradas suscetíveis se a severidade da mancha-alvo for superior a 15%, portanto nesse caso deve ocorrer dano econômico justificando a aplicação de fungicida.
Por outro lado, se em cultivares resistentes o LSE não for atingido, não se justifica economicamente a aplicação de fungicida.
Finalmente, Wise & Mueller (2011), lembram que os fungicidas devem ser usados para o controle de doenças causadas por fungo e não por outro motivo! Na ausência da doença, e, portanto, sem danos quantitativos, jamais devem ser aplicados. Se assim se fizer não haverá retorno econômico dos gastos com a aplicação do fungicida - o excesso de medidas de controle também reduz o lucro dos produtores como por exemplo, aplicações em V0 (zero???), preventivas e, ou no fechamento das linhas da soja.
Os lucros da atividade agrícola devem ser otimizados pelo uso da tecnologia gerada.
Considerando os princípios estabelecidos por Fawcet & Lee (1926), Main (1977), Munford & Norton (1984), Stern et al. (1959), Zadoks (1985) e Zadoks & Schein (1979) a tecnologia do limiar de dano (= severidade) econômico (LSE) indicadora do momento para a primeira aplicação de fungicida, por eles defendida e aqui exemplificada, deveria ser difundida aos produtores de soja através das Indicações técnicas para a cultura da soja (ex. Indicações, 2022).
Instituto Agris – Passo Fundo, RS.
Referências
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