Cultivares de soja submetidas a estresse hídrico em Santa Maria/RS


Autores:

Fernando Sintra Fulaneti*3, Edgar Salis Brasil Neto3, Vitor Sauzem Rumpel3, Janaina de Fatima Spanevello3, Eduarda Spagnol Bronzatto3, Yago Müller Alves3, Iuri de Oliveira Buligon1, Sabrine Cremonese1, Rogério Peixoto Amaral, Léo Antônio Limberger Speth, Hecthor Ribas Schiefelbein, Astor Nied, Thomas Newton Martin2

Publicado em: 06/08/2023

Introdução

A soja [Glycine max (L.) Merr.] é uma aleuroleaginosa cultivada no Brasil, sendo o grão brasileiro economicamente mais importante dentre as demais culturas. O grão é rico em proteínas e possui grande diversidade de uso, como na alimentação humana e animal. O Brasil é o maior produtor mundial destas commodities e, na safra 2022/23, foi responsável aproximadamente por 40% da produção mundial, em uma área cultivada de 43,7 milhões de hectares [20].

No Brasil, são 2.656 cultivares de soja registradas [16], classificadas de acordo com o seu grupo de maturidade relativa (GMR), variando seu comportamento de acordo com a latitude em resposta a fatores como fotoperíodo e temperatura. Pelos motivos expostos, é importante a utilização do zoneamento agroclimático como ferramenta indispensável para o cultivo da soja [10].

A soja é considerada uma planta de dias curtos, pois seu florescimento ocorre quando o comprimento dos dias é menor que o fotoperíodo crítico. Além disso, a temperatura é importante para o desenvolvimento da cultura, e ambos os fatores são responsáveis pelas mudanças que ocorrem durante seu ciclo.

Entretanto, o que determina realmente a adaptação de diferentes cultivares a uma região é a sensibilidade do grau de resposta que cada cultivar tenha ao estímulo do fotoperíodo [18].

As cultivares com tipo de crescimento indeterminado são as mais utilizadas no Brasil, preferencialmente para aquelas que tem um menor GMR. Isto ocorre devido à capacidade de estas cultivares se adaptarem a diferentes condições de ambiente, podendo até mesmo tolerar momentos limitados de estresses hídricos.
A produtividade da soja está diretamente relacionada à sua necessidade hídrica, que fica entre 450 e 850 mm, conforme o ciclo de cada cultivar [8].

Estudos afirmam que, em anos de baixa precipitação, o deficit hídrico é um fator limitante de produtividade para a cultura [3,4]. Sendo assim, na região Sul do Brasil, em anos quem há presença do fenômeno La Niña, ocorrem períodos de longas estiagens, influenciando o crescimento e produtividade da cultura, devido ao deficit hídrico [14]. Em contrapartida, este efeito pode ser amenizado pela utilização de estratégias como a presença palhada na superfície do solo [3,4] e o uso de bioestimulantes [2].

O melhoramento genético está especializado em desenvolver diversos materiais capazes de atender as demandas necessárias em cada região específica, visando sempre o aumento da produtividade da commoditie no país. A realização de avaliações regionalizadas com cultivares de soja no Brasil é necessário, a fim de que possam ser identificados os materiais mais adaptados para cada ambiente, que atendam a necessidade particular de cada produtor [15].
Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar as principais características produtivas de cultivares de soja em relação a situação de estresse hídrico da região sob efeito climático La Niña na depressão central do Estado do Rio Grande do Sul, no município de Santa Maria (RS).

Material e Métodos

O experimento foi semeado em 05/11/2022, na área experimental pertencente ao Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizado nas coordenadas geográficas, -29º43’ de latitude sul, -53º44’ de longitude oeste e 103 metros de altitude, na safra 2022/23. O solo do local é classificado como Argissolo Vermelho distrófico Arênico [9], correspondente ao Ultisol [19]. As características físico-químicas do solo estão apresentadas na Tabela 1. O clima da região, conforme a classificação de Köppen, é do tipo Cfa, subtropical de clima temperado chuvoso [1], precipitação média de 1688 mm ao ano. No mês mais quente, a temperatura média foi de 24,8°C, e no mês mais frio foi de 14,1°C [13].

O delineamento do experimento foi de blocos ao acaso com quatro repetições e utilizaram-se 53 cultivares de soja em uma área de plantio direto sobre palhada de trigo. O espaçamento entre fileiras foi de 0,45 m e 16 plantas/m linear na fileira, com densidade de 355,555 plantas/ha.

Cada unidade experimental foi formada por cinco fileiras espaçadas 0,45 m entre si e mediam 7,75 m de comprimento por 2,25 m de largura, totalizando uma área de 17,44 m2 em todos experimentos.

A adubação do experimento de cultivares foi realizada com 300 kg/ha de adubo mineral químico da fórmula 0-30-20, seguindo a recomendação da adubação para cultura da soja do Manual de Adubação e Calagem do Rio Grande do Sul e Santa Catarina [6]. Durante a semeadura foi realizada a coinoculação via sulco com 300 ml de Bradyrhizobium japonicum e 100 ml de Azospirillum brasilense em 50 L de calda.

 As variáveis analisadas foram massa de mil grãos (MG) e produtividade de grãos (PG). No estádio fenológico R8, maturação plena da cultura [11], foram colhidas (área útil de 4,05 m² de cada unidade experimental) e trilhadas. Na sequência, foi realizada a pesagem, por meio de balança analítica, ajustando-se o conteúdo de água (13%) [5]. A determinação da massa de 1000 grãos foi realizada com o mesmo material provindo da avaliação de produtividade de grãos. Foram realizadas oito contagens de 100 grãos, determinando-se a média das pesagens das oito subamostras, multiplicado por 10 [5].

O teste de separação de médias foi o de Scott-Knott com 5% de probabilidade de erro. Para as análises estatísticas e figuras foram utilizados ggplot2 [21] pacotes do software R [17].

Resultado e discussão

A Tabela 2 e 3 apresentam as principais características das 53 cultivares utilizadas no experimento, de acordo com as informações disponibilizadas nos sites das empresas detentoras dos materiais.

A análise de variância obteve efeito significativo para as variáveis PG e MG. Conforme o resultado do teste de separação de médias, as cultivares foram classificadas em quatro grupos distintos para cada variável, sendo que as cultivares diferem entre si quando estiverem em grupos diferentes.

Para a variável PG, o grupo a apresenta valores entre 3.736,7 e 4.119,8 kg/ha, o grupo b valores entre 3.273,8 e 3.695,6 kg/ha, o grupo c valores entre 2.658,2 e 3.114,6 kg/ha e o grupo d apresenta valores entre 2.025,8 e 2.573,1 kg/ha. Para a variável MMG, o grupo a apresenta valores entre 204,2 e 221 g. o grupo b valores entre 187,6 e 201,7 g, o grupo c valores entre 175 e 185,6 g e o grupo d valores entre 157,7 e 172,6 g.

A figura 3 ilustra o resultado para MG. Seis cultivares foram classificadas no grupo a, 18 no grupo b, 19 no grupo c e 10 no grupo d. A cultivar que apresentou maior MMG foi a BRS 5804 RR, com 221 g e a menor MMG foi da cultivar CE 57K58 RSF, com 172,6 g. A diferença da maior para a menor MMG foi de 48,4 g, uma variabilidade de 21,9%. O resultado para a variável PG pode ser observado na figura 2. Dez cultivares produziram acima de 3.736 kg/ha, e a cultivar NS 6299 IPRO foi a que apresentou maior produtividade, com valor de PG de 4.119,8 kg/ha. O menor valor de PG foi da cultivar FPS 2260 IPRO, 2.025,8 kg/ha.

A diferença da maior para menor PG foi de 2.094 kg/ha, 50,8% de variabilidade.

Estudos anteriores do Grupo Coxilha na região central do Estado do Rio Grande do Sul reportam essa variabilidade em MMG e PG na cultura da soja [12, 7]. Ressalta-se que foi um ano de deficit hídrico (Figura 1) em que vários dias apresentaram balanço hídrico negativo, o que impactou o crescimento das cultivares. Por outro lado, trinta e seis cultivares apresentaram PG acima dos 3.000 kg/ha, evidenciando que, mesmo em anos desfavoráveis, os materiais disponíveis são capazes de atingir bons patamares de produtividade quando os manejos nas várias etapas de desenvolvimento da cultura são bem realizados.

As cultivares que apresentaram maior PG não foram as que apresentaram maior MG. Em experimento com diferentes cultivares, [7] informa que cultivares de maior PG apresentaram maior MG, o que não se constatou no presente estudo. A cultivar NEO 610 IPRO apresentou alta PG e baixa MG, consolidando resultados de safras anteriores [12,7].

Conclusão

Os maiores valores de PG foram das cultivares NS 6299 IPRO, BMX 64I61 RSF IPRO, NEO 630 IPRO, NS 6601 IPRO, NEO 610 IPRO, ST 622 IPRO, DM 64I63 IPRO, HO 64HO114 IPRO, NS 5922 IPRO, BMX 64IX66RSF I2X e os maiores valores de MMG foram das cultivares BRS 5804 RR, FPS 1867 IPRO, ST 580 I2X, BMX 65I65 RSF IPRO, NEO 580 IPRO, BMX 57IX60 RSF I2X.

1Aluno de Graduação em Agronomia, Universidade Federal de Santa Maria - (UFSM), Santa Maria/RS.
*Autor para correspondência: [email protected]

2Professor na Universidade Federal de Santa Maria - (UFSM), Santa Maria/RS

3Aluno de Pós Graduação, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS

Referências

[1] ALVARES, C. A. et al. Köppen’s climate classification map for Brazil. Meteorologische Zeitschrift, v. 22, n. 6, p. 711-728. 2013.
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[3] BALBINOT JUNIOR, A.A.; SANTOS, J.C.F.; DEBIASI, H.; COELHO, A.E.; SAPUCAY, M.J.L.C.; BRATTI, F.; LOCATELLI, J.L. Performance of soybean grown in succession to black oat and wheat. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.55, e01654, 2020.
[4] BEUTLER, A.N; FONTINELLI, A.M; SILVA, L.S; GALON, L; FERREIRA, M.M; FULANETI, F.S. Soil compaction and cover with black oat on soybean grain yield in lowland under no-tillage system. Ciência Rural, v.51:11, e20200927, 2021.
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