Ergonomia e segurança em máquinas agrícolas


Autores:

Júlia Letícia Cassel

Publicado em: 29/08/2023

Introdução

Ergonomia de máquinas agrícolas é a ciência que estuda o bem-estar humano ao operar uma máquina agrícola e, consequentemente, o bom rendimento do trabalho. Algumas variáveis a serem consideradas são acesso, assento, controles, visibilidade e condições do ambiente (clima, ruído, vibração, luminosidade, gases e poeiras) nos postos de trabalho.


Já acidentes com máquinas agrícolas podem ocorrer pelo mau funcionamento das variáveis citadas ou o mau uso (ou não uso) de equipamentos de proteção, como: proteção de eixos (Cardan); proteção de correias e polias; cinto de segurança; e outros, por exemplo. Outra causa bastante significativa de acidentes é a negligência em relação ao uso desses equipamentos.


Para evitar danos à saúde dos trabalhadores e evitar potenciais acidentes, surgiu a NR 31.12, implantando e fiscalizando medidas de segurança no uso de máquinas agrícolas. Normas como essa são importantes para regulamentação desses quesitos que atendem segurança e ergonomia em máquinas agrícolas, pontos muitas vezes negligenciados pelas fabricantes e até mesmo pelo produtor, sendo que este último é o mais sujeito à danos de saúde oriundos dessas lacunas.


Diante disso, este trabalho objetiva uma breve revisão bibliográfica em relação à itens de ergonomia e segurança em máquinas agrícolas, sua função e seu uso correto, além de causas de acidentes agrícolas.

Revisão Bibliográfica

A utilização de tratores agrícolas tem efeitos negativos na saúde do operador, sendo que faz-se necessário que no projeto de uma máquina agrícola sejam levados em consideração fatores humanos, para aumentar a segurança e melhorar a qualidade de trabalho (SANTOS et al., 2019). Segundo Lopes (2016), o avanço da mecanização nas atividades agrícola e florestal propiciou a substituição da tração animal e dos métodos manuais por máquinas modernas e de elevada tecnologia e produtividade, contribuindo ainda para o aumento do conforto, segurança e saúde dos trabalhadores. Nas culturas como soja, milho, trigo e arroz mecanizado, é possível observar alto nível de mecanização (RUSSINI et al., 2020).


 Lopes (2016) ainda menciona que, atualmente, muitas máquinas ainda apresentam problemas de conforto e segurança, deixando os operadores expostos nos postos de trabalho em níveis de insalubridade acima do permitido pelas normas de segurança.


A NR 31.12 tem como objetivo o garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente na operação de máquinas e equipamentos no meio rural, por meio da implantação, manutenção e fiscalização de medidas de proteção, a serem cumpridas por empregados e empregadores, de acordo com as responsabilidades atribuídas a cada um na propriedade, como descrito em cartilha elaborada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) (2018). Assim, a normativa possui os seguintes propósitos:

  • Garantir uma operação segura no uso dos equipamentos;
  • Reduzir a probabilidade de ocorrência de acidentes;
  • Garantir a preservação da saúde e a integridade física dos colaboradores;
  • Reduzir os gastos com acidentes e incidentes; e
  • Preservar o meio ambiente.

Nesse contexto, Russini et al. (2020) menciona que o entendimento das causas que levam a ocorrência dos acidentes envolvendo máquinas agrícolas é o ponto chave para que se possa implementar medidas, visando a orientação ou, até mesmo, a qualificação e capacitação dos usuários. Pesquisas apontam que, 82% dos acidentes envolvendo conjuntos mecanizados decorrem de atitudes inseguras; e as condições inseguras contribuem para o restante dos acidentes.


O sistema homem-máquina (relação entre o homem (operador) e a máquina (trator)), deve estar em perfeita harmonia, de forma a aumentar a eficiência do sistema de forma a beneficiar o homem (LOPES, 2016).  Assim, segundo o autor, surge a avaliação ergonômica de máquinas, que busca estudar variáveis em relação ao acesso, assento, controles, visibilidade e condições do ambiente (clima, ruído, vibração, luminosidade, gases e poeiras) nos postos de trabalho. Ainda, o autor aponta que um dos aspectos desta avaliação consiste na obtenção das medidas destas variáveis, que são padronizadas por normas específicas e que devem estar de acordo com as variáveis antropométricas dos operadores.


Em relação ao acesso, muitas vezes, possui elementos que são causas de desconforto e de acidentes de trabalho, sendo importante atentar-se para o correto posicionamento e as características das vias de acesso ao posto de operação das máquinas (LOPES, 2016). Assim, segundo o mesmo autor, deve-se verificar se as dimensões dos degraus, a distância entre degraus, a altura do primeiro degrau em relação ao solo e do último à plataforma do posto de trabalho estão com as devidas medidas e posicionados de forma a não serem atingidos e danificados durante a operação da máquina.


Nesse mesmo contexto, Mattar et al. (2010) observou que os tratores dotados de motores de maior potência apresentaram, em geral, acessos e saídas dos postos de operação mais ergonômicos e seguros, ainda concluindo que há baixa conformidade dos itens de ergonomia e de segurança dispostos ao operador sobre os postos de operação em tratores agrícolas nacionais, de acordo com as exigências da norma NBR 4252.


Assim, o posto de trabalho é designado por Lopes (2016) como o espaço formado pelo conjunto de dispositivos de informação e controle, acrescido do espaço gerado pelo deslocamento do operador e seus membros na execução da tarefa. Segundo o mesmo autor, é importante que o operador seja capaz de se sentar com conforto, adotando uma postura correta e evitando torções, abaixamentos e movimentos desconfortáveis durante a execução do trabalho.


O assento, cujo objetivo principal é aliviar o peso dos pés, auxiliar no apoio do operador de modo que possa manter uma postura estável durante o trabalho, e assim, relaxando os músculos não exigidos pela tarefa, é uma variável importante a ser avaliada (LOPES, 2016). Este, deve possuir uma inclinação ajustável entre a base e o encosto, favorecendo o apoio do tronco, possuir ajustes em relação às medidas de altura, profundidade e largura, apoios para os braços ajustáveis e espaço adequado para as pernas, descreve o autor.


Em relação aos controles e instrumentos existentes no interior do posto de trabalho nas máquinas, Lopes (2016) menciona que é necessário considerar as habilidades do ser humano, que depende de suas capacidades psicomotoras e das variáveis antropométricas. Por isso segundo o autor, devem ser levadas em consideração no projeto do posto de trabalho, as diferenças individuais, para que os comandos e instrumentos sejam acionadas por todos os operadores com o maior conforto e segurança.


 Além disso, os controles devem ser de fácil identificação visual ou por tato, com número de erros e tempo de acionamento reduzidos, além de serem adaptados à parte do corpo que irá acioná-lo, permitindo um contato firme e cômodo. Como explica Russini et al. (2020), as máquinas agrícolas contam com inúmeros comandos de operação, muitos de acionamentos simultâneos, o que requer conhecimentos específicos, bem como sua estrutura/concepção é totalmente diferente. Isso exige capacitação do usuário e até mesmo, anos de experiência para realizar determinadas operações agrícolas.

Em contraponto, Alonço et al. (2007) mencionam que o conhecimento sobre o significado que possuem os símbolos gráficos utilizados para caracterizar comandos e controles de máquinas agrícolas é bastante reduzido por parte dos principais envolvidos no processo.


 Os controles e instrumentos devem ser localizados de forma que os braços alcancem dentro de seu raio normal de ação, sem a necessidade do operador curvar o dorso ou deslocar o corpo, evitando-se fadiga e maior tempo na execução das tarefas. Já os comandos movimentados pelas pernas podem ser de maior exigência de força, devendo ser observada a posição ideal que permita esta movimentação exata. Por fim, os instrumentos do painel devem ser localizados dentro do raio normal de visão do operador, de modo que as informações atraiam a visão do operador e sejam de fácil entendimento (LOPES, 2016).


Além disso, é importante que o operador tenha uma visualização perfeita de todo o campo de trabalho, não havendo interferência por vidros embaçados, obstruídos por telas estreitas, braços e mangueiras hidráulicos e limpador de para-brisas, permitindo a realização de um trabalho com conforto, seguro e produtivo (LOPES, 2016).


Ainda, é mencionado para que haja um menor índice de acidentes, melhor qualidade, maior conforto, segurança e saúde do operador, torna-se necessário que as condições de iluminação, clima, ruído, vibração, gases e poeiras estejam dentro de padrões recomendados, é imprescindível que sejam avaliadas as condições do ambiente de trabalho (LOPES, 2016). Estas, têm grande efeito sobre o rendimento do trabalho, principalmente na execução de um trabalho contínuo.


Ainda, segundo Lopes (2016), deve-se atentar para o nível de iluminação recomendado, devendo considerar também o contraste entre o local focalizado, suas imediações e a presença de brilho no campo visual. No controle da iluminação deve ser levada em consideração a necessidade de evitar a distração visual, a fadiga e o desconforto da visão. Por isso, a iluminação adequada no campo de trabalho contribuirá para uma maior qualidade e produtividade do trabalho, além da redução dos riscos de acidentes e danos à saúde.


O ruído constitui um grave problema à saúde, podendo causar desconforto e até lesões irreversíveis como surdez do operador. Seu controle no interior dos postos de trabalho das máquinas deve ser realizado ao nível de projeto, por meio da concepção de cabines fechadas e com isolamento acústico. E quando houver necessidade, recomenda-se o uso de protetores auriculares como medida curativa, de forma a proteger o operador durante o trabalho (LOPES, 2016). Nesse contexto, Cunha et al. (2012) afirmam que a operação de tratores agrícolas impõe grande estresse físico e mental aos tratoristas, sendo o ruído e vibrações grandes responsáveis por esse efeito negativo.


Assim, outro ponto importante são as vibrações, que podem ser vindas da máquina ou do local de operação, onde deve-se atuar na diminuição dos níveis de vibração ao nível de projeto da máquina, com uso de sistemas (amortecedores) que possam minimizar as vibrações das cabines, e quando necessário, ser minimizadas ou eliminadas por meio de lubrificações, manutenções periódicas e uso de isolamentos (LOPES, 2016). Nos trabalhos de Santos et al. (2019), o arado de disco, acoplados a um trator TDA 4X2, foi o equipamento que apresentou maior intensificação de vibrações, entre os demais equipamentos de preparo do solo avaliados (grade de disco, enxada rotatória, escarificador e outros). Esses autores ainda relatam que esse implemento possui, portanto, maior risco à saúde do operador em uma jornada de trabalho equivalente à 8 horas.


Cunha et al. (2012), ao avaliarem dois tratores, sendo um mais antigo e outro mais novo, concluíram que a operação de aração com os dois tratores apresentaram níveis de ruído acima do limite de 85 dB (A) para 8 horas de exposição diária, estabelecido pela NR-15, fazendo-se necessário o uso de dispositivos de proteção auricular durante sua execução. Ainda, em relação à vibração, o trator mais antigo apresentou níveis de vibração que podem comprometer a saúde, segurança, conforto e eficiência do tratorista, sendo que o mesmo não ocorreu para o trator mais novo (CUNHA et al., 2012).


Outros problemas como relação ao posicionamento, altura e distância do escapamento até o operador, podem ocasionar inalação e o contato dos gases de exaustão com os olhos, bem como da própria poeira existente no ambiente de trabalho, poderá provocar o ressecamento das vias respiratórias, o aparecimento de doenças nas vias respiratórias e dificuldade na visão, acarretando irritação, ardência e inflamação dos olhos (LOPES, 2016). Nesse ponto, é recomendado uso de cabines.


Em relação aos tipos de proteção que devem conter máquinas agrícolas, o Senar (2018) menciona: Proteção de eixos (Cardan); Proteção de correias e polias; Cinto de segurança; Guarda corpo; Proteção contra projeção de partículas; Sistema de proteção contra queda de materiais; Faróis, luzes e sinal sonoro de ré; Freio manual; Pino pega corrente; e Travas de segurança.


É necessário estar atento aos dispositivos e demais elementos de segurança da máquina, que quando corretamente instalados e utilizados, podem evitar acidentes, e reduzir significativamente a gravidade das lesões. Outro problema consiste na negligência em relação aos elementos de proteção e segurança, contribuindo para o aumento do número de acidentes (RUSSINI et al., 2020).


No contexto da presença e utilização de elementos de segurança, a EPCC (estrutura de proteção contra capotamento) e o cinto de segurança são importantes aliados na prevenção de acidentes, e suas condições devem ser observadas. Quando o trator possui EPCC, o uso do cinto de segurança se torna obrigatório, pois durante uma situação de capotamento o operador ficará “preso” ao assento, o que poderá evitar que seja esmagado pela máquina. Situação inversa ocorre quando os tratores não possuem tal estrutura, onde não se recomenda o uso do cinto de segurança. Neste caso, o uso do cinto fará com que o operador fique “preso” ao assento, porém devido à falta da EPCC, o mesmo poderá ser esmagado pela máquina (Russini et al., 2020).


Outros dispositivos podem colaborar para a prevenção de acidentes. Muitas vezes, tecnologias simples de serem aplicadas são deixadas de lado pelos fabricantes, por questões de custo ou falta de exigência do mercado. Uma delas é o acionamento da tração dianteira auxiliar (TDA) ao acionar os pedais do freio, colaborando para a maior capacidade de frenagem. Sensores de inclinação poderiam ser instalados, no intuito de alertar o operador quanto ao risco de tombamento da máquina quando a operação estiver sendo realizada em terrenos declivosos.    

Conclusão

Diante do apresentado, percebe-se que grande parte dos acidentes com máquinas agrícolas é derivado do mau uso ou negligência de equipamentos de segurança. Além disso, a ergonomia em máquinas agrícolas (acessibilidade, acento, comandos, ruído, poeira, iluminação e outros) deve ser observada de modo que sejam evitados danos à saúde do operador e, evitar cansaço ou desatenção no trabalho, que são potencias causadores de acidentes com máquinas agrícolas.
Ainda, algumas normas devem ser observadas, para que os requisitos de segurança e ergonomia sejam atendidos na fabricação de máquinas agrícolas. Dentre essas, a NR 31.12 objetiva garantir a saúde e segurança dos trabalhadores, através de normatização e fiscalização de máquinas agrícolas, visando atender fatores que muitas vezes são negligenciados por agricultores e fabricantes.

 

*Engenheira Agrônoma pelo IFRS Campus Ibirubá/RS.
Mestranda em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo/RS.
E-mail: [email protected]

Referências

Referências

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