Cancros da haste da soja: novos fatos


Autores:

Erlei Melo Reis e Andrea Camargo Reis*

Publicado em: 31/10/2023

Introdução

Na cultura da soja [Glycine max (L.) Merr.] ocorrem várias doenças causadas por fungos, oomicetos, bactérias vírus e nematóides.
Em hastes, merece destaque a seca-da-haste e da-vagem, a antracnose, o mofo branco, a necrose parda da medula e os cancros. Em relação aos cancros, considerando-se os sintomas, ocorrem doenças semelhantes, denominadas conjuntamente de cancro-da-haste. Para distinguí-las pelos nomes comuns, propõem-se em português as denominações de ‘cancro-meridionalis’, ‘cancro-caulívora’ e cancro-‘uequeri’.
    
Ocorrência

a. Cancro-meridionalis: Foi descrito por Yorinori et al. (1989).
b. Cancro-caulívora: No Brasil, foi observado pela primeira na safra 2005/06, nos municípios de Coxilha e Passo Fundo, RS (Costamilan et al. 2008).
c. Cancro-uequeri: A espécie foi descrita por Udayanga et al. (2014) isolado de pepino (Cucumis melo), e no Brasil por Silva (2021).

Etiologia

O gênero Diaporthe Nitschke (= Phomopsis Sacc. & Harter) inclui espécies patogênicas à plantas cultivadas e invasoras, saprofíticas e endofíticas e causando eumicetomas em seres humanos (Cabeza et al. 2023). Espécies fitopatogênicas do complexo Diaporthe estão associadas a três doenças altamente destrutivas da soja: deterioração de sementes, seca da haste e da vagem e cancros da haste.
São citados causando doenças na soja D. aspalathi, D. caulivora, D. citri, D. endophytica, D. infertilis, D. longicolla, D. phaseolorum, D. meridionalis, D. sojae e D. ueckeri a prevalente. Convém ser citado que todos os isolados D. phaseolorum foram erroneamente identificados e, por isso, realinhados em outras espécies tais como D. miriciae, D. ueckeri ou D. rosae. Semelhantemente, todas as publicações de D. phaseolorum causando infecções em seres humanos (até 2020) hoje são atribuídas a D. rosae, D. miriciae ou D. uekeri.
O conceito inicial de espécie de Diaporthe, baseado na suposição de especificidade do hospedeiro, resultou na introdução de mais de 1000 espécies (http://www.indexfungorum.org/Names/Names.asp).  No MycoBank (acessado em julho de 2023) estavam citadas mais de 1000 espécies no gênero Phomopsis e em Diaporthe, mais de 860 espécies.
Com a supressão do art. 59 do Código Internacional de Nomenclatura para algas, fungos e plantas (CIN), os nomes das forma assexuais (anamórfica) e sexuais (teleomórficas) de fungos passaram a receber o mesmo nome (Hawksworth et al. 2011) – um fungo, um nome científico. Como o nome Diaporthe foi proposto em 1870, anterior a Phomopsis, registrado em 1905, Diaporthe é hoje validado para esse grupo de fungos em substituição a Phomopsis.
Nos últimos anos, no entanto, uma abordagem polifásica empregando dados de DNA multilocus juntamente com morfologia e ecologia tem sido empregada para delimitação de espécies no gênero. Como os caracteres morfológicos são inadequados para definir as espécies neste gênero, os dados da sequência de DNA são essenciais para a determinação das espécies. Como resultado, várias espécies diferentes podem ser encontradas em um único hospedeiro como ocorre em soja.
A identificação morfológica precisa das espécies que causam essas doenças tem sido uma tarefa difícil. O patógeno de deterioração de sementes, D. longicolla, foi determinado como distinto de D. sojae. A espécie Diaporthe phaseolorum, originalmente associada à cancros da haste e de folhas do feijão-lima, não foi encontrada associada à soja. E mais recentemente uma nova espécie, D. ueckeri em pepino (Cucumis melo) foi descrita sendo também patogênico à soja.
A determinação molecular de D. ueckeri, isolados de hastes de soja coletados em Palotina, Coxilha, Vacaria, Santa Vitória do Palmar, na safra 2022/23, com sintomas de cancro da haste, foi feita na Agronomica Porto Alegre.
Em humanos

Curiosamente, Diaportehe uekeri um patógeno de plantas,  causa eumicetoma, uma infecção subcutânea crônica, progressiva e localizada, que acomete os pés, os membros superiores ou as costas. Essa doença surge quando o fungo entra no organismo humano por meio de um trauma na pele (Cabeza et al. 2023). Portanto, esta espécie é onipresente e como oportunista pode infectar humanos e uma planta hospedeira como a soja.
O cancro-caulívora é causado por Diaporthe (MycoBank MB 518520), o meridionalis por Diaporthe aspalathi (MycoBank MB500803) e o uequeri por Diaporthe ueckeri (MycoBank MB827136)

Sintomatologia

a.    Cancro-meridionalis:  As lesões em hastes surgem no início do estádio reprodutivo, como pequenas áreas pardo-avermelhadas, comumente nos nós inferiores da planta. Observa-se a presença de lesões pardas (Figura 1) que podem circundar a haste e causar a murcha e, finalmente, a morte do topo da planta. As folhas podem apresentar-se enroladas, devido à presença de cancros nos pecíolos. Os sintomas ocorrem em pecíolos, folhas e hastes. Em folhas é do tipo ‘folha-carijó’.
   
b.    Cancro-caulívora: Lesões pardo-escuras frequentemente observadas em um único nó na porção inferior da haste (Figura 2).
 
c.    Cancro-uequeri: Sintomas diferenciais constituídos por inúmeras lesões nas hastes principal, secundárias e pecíolos. As lesões em hastes se concentram nas axilas de racemos e de pecíolos. Sobre as hastes numerosas lesões pequenas escuras, alongadas, elíticas com pontas agudas, crescem atingindo até 1,5 cm de comprimento. As maiores e mais velhas ostentam o centro levemente deprimido, forma elítica, cor rosa-claro devido a massa de conídios. As lesões nas axilas evoluem, podem coalescer, terminando por matar o ramo (Figura 3). Detalhes da localização e da morfologia das lesões que compões o quadro sintomatológico em hastes da soja safra 22/23 (Figura 3).

Considerações finais

Tratando-se de doenças bem definidas e descritas com riqueza na literatura consultada não apresentam relação com as discutidas anomalias da soja.

 

*Instituto Agris - Passo Fundo, RS
Fone: (54) 99939-0485
E-mail: [email protected]

Referências

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