Manejo Integrado de Ferrugem-Asiática na Cultura da Soja


Autores: Carolina Cardoso Deuner; Bianca de Moura Barber; Jonatas Tognon; Nícolas Fávero; Felipe Escobar; Gláucia Pratti; Angela Bombarda; Jonas Zuch; Bruno Pasinato; Gabriela Adames
Publicado em: 31/08/2018

O termo, manejo integrado tem origem na entomologia (GEIER, 1966), sendo esse posteriormente adaptado para a área de fitopatologia (CHIARAPPA, 1974). O manejo integrado de doenças implica na “utilização de todas as técnicas disponíveis dentro de um programa unificado, de tal modo a manter a população de organismos nocivos abaixo do limiar de dano econômico e a minimizar os efeitos colaterais deletérios ao meio ambiente” (NAS, 1969).

Esse conceito está alicerçado em pilares como controle genético (cultivares resistente), cultural (rotação de culturas), biológico (organismos biocontroladores), físico (termoterapia) e químico (fungicidas).

Abordando as doenças na cultura da soja, verifica-se que mais de 40 doenças causadas por fungos, bactérias, nematoides e vírus já foram identificadas no Brasil. Nesse contexto, a ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi Sydow & P. Sydow) constitui-se na principal doença foliar da cultura no Brasil (Figura 1).

O manejo integrado da ferrugem-asiática está baseado no controle cultural, genético e químico, sendo que o controle mais eficiente, duradouro e econômico é obtido pelo somatório de estratégias de manejo disponíveis e nunca de uma prática isolada.

Referente ao controle cultural, por se tratar de um fungo biotrófico, as estratégias de controle cultural incluem remoção de plantas voluntárias de soja e/ou hospedeiros secundários, como kudzu (Pueraria montana var. lobata Willd.) e feijão-comum (Phaseolus vulgaris L.), ausência do cultivo de soja na entressafra agrícola (vazio sanitário) e a calendarização da semeadura da soja.

O vazio sanitário é o período de no mínino 60 dias sem a cultura e plantas voluntárias no campo. No Brasil treze estados e o Distrito Federal adotaram essa medida, visando reduzir a sobrevivência do fungo durante a entressafra e assim atrasar a ocorrência da doença na safra (Figura 2).

Já a calendarização da semeadura da soja é a determinação de data-limite para semear a soja na safra, sendo essa medida adotada por sete estados produtores de soja, até o momento: Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Bahia e Mato Grosso do Sul (Figura 3). Essa estratégia visando reduzir o número de aplicações de fungicidas ao longo da safra e com isso reduzir a pressão de seleção de resistência do fungo aos fungicidas (EMBRAPA SOJA, 2018).

Com relação ao controle genético, já foram descritos cinco genes de resistência á P. pachyrhizi, Rpp1, Rpp2; Rpp3, Rpp4 e Rpp5, sendo que o gene Rpp1 confere resposta imune da soja ao patógeno, os genes Rpp2 e Rpp5 limitam o crescimento e a esporulação do fungo por meio de reação de hipersensibilidade (reddish-brown) (BONDE et al., 2006) (Figura 4).

Apesar da existência de fontes de resistência, já existem relatos de variabilidade genética desse fungo em soja, sendo relatado 9 raças fisiológicas de P. pachyrhizi (TSCHURTSCHENTHALER et al., 2012). Portanto, a utilização de cultivares de soja com genes únicos de resistência vertical pode levar à rápida seleção de biótipos que quebrem a resistência dessas cultivares, não sendo adequando utilizá-las isolado e sim em associação a outra estratégia, como por exemplo, o controle químico.

Na Universidade de Passo Fundo (UPF) já foram avaliados cultivares com resistência e verificou-se que, quando se utiliza a resistência genética associada ao controle químico é possível atrasar a doença no tempo, reduzir a taxa de progresso da doença e utilizar intervalos de até 21 dias, o que não seria possível com uma cultivar suscetível. No Brasil, o controle químico da ferrugem-asiática teve início em 2003, utilizando fungicidas do grupo químico triazol (IDM) e estrobilurina (IQe) isolados ou em misturas (REIS et al., 2016).

Atualmente, são 46 fungicidas registrados para o controle dessa doença, que combinam diferentes grupos químicos como IDM, IQe, carboxamida (ISDH), ditiocarbamato (MULT) e morfolina (AGROFIT, 2018). O controle químico sem dúvida é a estratégia mais utilizada pelos produtores, e por isso, existe uma grande preocupação com a redução de sensibilidade de fungo a fungicidas.

Ao mencionar o controle químico de doenças, invitavelmente é necessário falar de resistência de fungos a fungicidas um assunto atual e que assusta tanto produtores, quando pesquisadores, devido ao número reduzido de grupos químicos disponíveis para controle da ferrugem-asiática. A resistência é definida como uma alteração genética estável e herdável, que resulta na redução da sensibilidade do patógeno à molécula fungicida.

O desenvolvimento da resistência de fungos aos fungicidas se dá a partir da alteração do sítio-alvo (mutação no gene que o codifica), da redução da absorção ou aumento do efluxo do fungicida (xenofobia), da falta de conversão para o composto ativo, da supressão da enzima-alvo e do desenvolvimento de vias metabólicas alternativas que não incluem o sítio-alvo do fungicida (respiração alternativa) (LEROUX; WALKER, 2011).

Já existem comprovação de redução de sensibilidade para o grupo químico IDM, IQE e ISDH (GODOY et al., 2017), sendo que esse fato se deve em grande parte pelo uso de fungicidas com o mesmo mecanismo de ação, com alta pressão da doença (aplicações erradicativa) e subdoses dos fungicidas, seja consciente, pela redução da dose no tanque, ou pelo erro de tecnologia de aplicação.

Em análise realizada por Schmitz et al. (2014) foram observadas mutações pontuais do gene CYP51 em isolados de P. pachyrhizi (safra 2009/2010) provenientes de diferentes regiões brasileiras produtoras de soja, indicando redução na sensibilidade aos IDM. Em outro trabalho, realizado por Klosowski et al. (2016) ocorreram mutações no gene CYTB, códons F129L, G137R e G143A em isolados de P. pachyrhizi (safra 2013/14), confirmando redução de sensibilidade aos fungicidas IQe.

Já em relação ao grupo químico carboxamida (ISDH), isolados de P. pachyrhizi das safras 2015/2016 e 2016/2017 apresentaram uma mutação na subunidade C, códon I86F, causa provável da redução da sensibilidade do patógeno ao grupo químico (KLAPPACH, 2017).

Essas mutações resultaram na redução de eficiência dos fungicidas, sendo que algumas estratégicas podem ser utilizadas visando minimizar essa situação como: fazer aplicações de fungicidas preventivamente alternando grupos químicos (triazol + estrobilurina e carboxamida + estrobilurina) adicionado de fungicidas protetores (DEUNER & WINCK, 2016; VISINTIN et al. 2015), e não mais utilizando somente triazol + estrobilurina em todas as aplicações ou fungicidas isoladamente, aplicar dose correta, respeitar intervalos de aplicação e utilizar tecnologia de aplicação que permita deposição satisfatório em todos os terços da planta.

Portanto, nenhuma das estratégias mencionadas quando utilizadas isolamentente terá resultado satisfatório no controle da ferrugem-asiática. Por isso, a associação das estratégias é importante para manter a doença em níveis que sejam controlados por fungicidas que perderam eficiência ao longo dos anos, essa associação de estratégias caracteriza-se no manejo integrado de doenças.

Referências

AGROFIT. Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários. MAPA. Disponível em: < http://agrofit.agricultura.gov.br/ agrofit_cons/principal_agrofit_cons>. Acesso em: 03 ago. 2018.

BONDE, M.R.; NESTER, S.E.; AUSTIN, C.N.; STONE, C.L.; FREDERICK, R.D.; HARTMAN, G.L.; MILES, M.R. Evaluation of virulence of Phakopsora pachyrhizi and P. meibomiae isolates. Plant Disease, v.90, p.708-716, 2006.

CHIARAPPA, L. Possibility of supervised plant disease control in pest management systems. FAO Plant Prot. Bull. 22:65–68. 1974. GEIER, P.W. Management of insect pests. Annual Review Entomology 11:471-490, 1966.

DEUNER, C.C.; WINCK, M. Aplicação certeira. Revista Cultivar Grandes Culturas, v. 204, p. 6-10. 2016 (Encarte técnico).

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA SOJA. Disponível em: < https://www.embrapa.br/soja/ferrugem iosanitariocalendarizacaosemeadura>. Acesso em: 03 ago. 2018.

GODOY, C.V.; UTIAMADA, C.M.; MEYER, M.C.; CAMPOS, H.D.; LOPES, I. de O.N.; FORCELINI, C.A.; PIMENTA, C.B.; JACCOUD FILHO, D.S.; MOREIRA, E.N.; BORGES, E.P.; ANDRADE JUNIOR, E.R. de; SIQUERI, F.V.; JULIATTI, F.C.; FAVERO, F.; FEKSA, H.R.; ARAUJO JUNIOR, I.P.; GRIGOLLI, J.F.J.; NUNES JUNIOR, J.; BELUFI, L.M. de R.; CARNEIRO, L.C.; SILVA, L.H.C.P. da; SATO, L.N.; CANTERI, M.G.; VOLF, M.R.; GOUSSAIN, M.; DEBORTOLI, M.P.; MARTINS, M.C.; BALARDIN, R.S.; FURLAN, S.H.; MADALOSSO, T.; CARLIN, V.J.; VENANCIO, W.S. Eficiência de fungicidas para o controle da ferrugem-asiática da soja, Phakopsora pachyrhizi, na safra 2016/17: resultados sumarizados dos ensaios cooperativos. Londrina: Embrapa Soja, 2017. 12 p. (Embrapa Soja. Circular Técnica, 129).

KLAPPACH, K. Informação sobre carboxamidas em ferrugem da soja. Frac International, SDHI – Working g

KLOSOWSKI, A. C; DE MIO, L. L. M.; MIESSNER, S.; RODRIGUES, R.; STAMMLER, G. Detection of the F129L mutation in the cytochrome b gene in Phakopsora pachyrhizi. Pest Manager Science. v. 72, n. 6, p. 1211-1215, 2016.

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REIS, E.M.; REIS, A.C.; CARMONA, M.A. Manual de fungicidas: guia para o controle químico racional de doenças de plantas. Passo Fundo: Berthier, 2016.

SCHMITZ, H.K.; MEDEIROS, A.C.; CRAIG, I.R.; STAMMLER, G. Sensitivity of Phakopsora pachyrhizi towards quinoneoutside-inhibitors and demethylationinhibitors, and corresponding resistance mechanisms. Pest Management Science, v. 7, p. 378-88, 2014.

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WIEBKE-STROHM, B.; LIGABUEBRAUN, R.; RECHENMACHER, C.; DE OLIVEIRA-BUSATTO, L.A.; CARLINI, C.R.; BODANESE-ZANETTINI, M.H. Structural and transcriptional characterization of a novel member of the soybean urease gene family. Plant Physiology Biochemy 101:96-104. 2016