Anderson Lange1, Thomaz André Ulrich2, Carlos Pedro Alves dos Santos3, Ciro Augusto de Souza Magalhães4, Maurel Behling4, Renato Candido Alves Filho5
O primeiro registro de análise de solo no Brasil é datado do ano de 1889, publicado no relatório da Estação Agronômica de Campinas, que futuramente daria origem ao IAC (Instituto Agronômico). O imperador Dom Pedro II visando melhorar a produção de café, que na época era a principal cultura no Brasil, contratou o austríaco Dr. Franz W. Dafert para fundar em 1887 o instituto agronômico.
Em 1928, o Departamento de Análise do Solo, que permanece no IAC até hoje, foi criado para realizar um “Sumário de Análise do Solo” que realmente representasse o teor total de nutrientes no solo. Neste intervalo de tempo muita evolução ocorreu e, em 1955, os métodos de análise disponíveis foram atualizados e publicados por Catani e Gallo, no famoso Boletim 69, que era utilizado como referência pela maioria dos laboratórios de análise de solos do país. Em 1983 foi introduzido o método de extração de nutrientes do solo com resina e troca iônica e o cálculo de calagem por meio de saturação por bases.
Os benefícios que as análises de solo trazem para a agricultura moderna são imensos em relação ao preço pago pelos produtores, permitindo o diagnóstico mais assertivo, é possível saber as deficiências nutricionais do solo que podem ser corrigidas com uso de corretivos e fertilizantes minerais.
O número de análises de solo no início da década de 60 era de cerca de 20 mil anuais, chegando a mais de 1 milhão no ano de 2001. Para o ano de 2021 foram realizadas 3 milhões de análises para rotina básica, 917 mil para micronutrientes e 880 mil para granulometria do solo. As características químicas de classificação dos resultados das análises de solo para o Sudeste e Centro Oeste, áreas de Cerrado, não tiveram muitas alterações a partir dos anos 2000, como pode ser observado em tabelas do Boletim 100 (Cantarella et al., 2022), na 5ª Aproximação (CFSEMG, 1999), e no Boletim Cerrado (Sousa e Lobato, 2004).
Os benefícios da calagem e adubações já foram e são ainda muito estudados e conhecidos por todo o Brasil. Os resultados abaixo (dados ainda não publicados pelo autor), mostram os benefícios da calagem para a soja em Sinop-MT na safra 2016/17. O experimento foi instalado em agosto de 2014, com doses de calcário em superfície e avaliado nas safras de soja e milho entre 2014 e 2018. Após três anos da calagem (Tabela 1), ainda há grande impacto da calagem na soja, principalmente nas maiores doses, melhorando o desempenho da planta, com resultados expressivos na produtividade. A ideia do trabalho foi romper o mito/medo que os agricultores tinham da aplicação de doses acima de 2,5 t/ha em superfície.
Os solos do estado de Mato Grosso (MT), são pobres em cálcio (Ca) e magnésio (Mg), ácidos e tóxicos em alumínio (Al), o que acarreta baixas produtividades, se não forem corrigidos. Para tal correção usa-se o calcário, sempre de olho na análise de solo e no balanço de nutrientes.
Para a elaboração do estudo foi utilizada a coleção de resultados de análises de solo cedidas pelo Laboratório Solos & Plantas, com cerca de 363.646 resultados, que continham informações das características físicas e químicas dos solos coletados em lavouras comerciais de Mato Grosso em sua maioria e, algumas amostras dos estados de Rondônia, Pará e Goiás, entre os anos de 2016 e 2021. Não foram fornecidos pelo laboratório dados como profundidade de coleta, propriedades, histórico de uso das áreas amostradas, etc.
Do total das 29815 análises realizadas em 2016, apenas para 14450 foram solicitadas a caraterização da textura do solo, das 38937 em 2017 apenas 17787, das 102683 em 2018 apenas 48631, das 69880 em 2019 apenas 31787, das 77423 em 2020 apenas 33714 e das 44908 em 2021 apenas 21693 textura em 2021 foram solicitadas a caraterização da textura do solo. Em resumo, das 363646 amostras de solo consideradas no estudo entre 2016 e 2021 apenas 168062 tiveram a caraterização textural solicitada pelos produtores.
Os resultados das análises foram classificados de acordo com a tabela 2, construída com padrões do Boletim Cerrado, da 5ª Aproximação ou adaptados pelo autor (Tabela 2). Para cada ano em questão os resultados dos atributos foram distribuídos em % de frequência (0 a 100%), ano a ano, a fim de comparar a mudança e/ou evolução dos atributos químicos do solo.
Em relação a frequência por grupamento textural, das 168.062 amostras caraterizadas 21.741 eram de textura arenosa, 66.238 eram de textura média, 68.067 eram de textura argilosa e apenas 12.016 eram de textura muito argilosa, destacando a importância dos solos de textura média e argilosa, que representam 80% dos solos analisados.
Em 2016 os solos de textura média predominavam, com 40% das amostras, seguidos pelos argilosos com 34% e arenosos com 23%. Em 2017 acontece o aumento das áreas argilosas chegando a 51%. Ao longo dos anos, há uma aparente estabilidade nas classes e predominância dos solos com textura entre média e argilosa (150-600 g/kg) e menor frequência dos muito argilosos (Figura 1).
Em relação aos atributos químicos, valores de pH maiores que 7,0 não foram observados, menores que 4,5, apenas em 2016 e valores entre 4,6 e 5,4 ficaram praticamente estáveis a 10% das amostras recebidas (Figura 2). Percebe-se que até 2019, a classe de valores médios domina (5,5-6,0) e em 2020 há inversão com domínio para a classe adequado (pH entre 6,1-7,0). Em valores absolutos (2020), foram 34234 amostras nesta classe (56% das amostras recebidas pelo laboratório) e média da leitura de pH foi 6,32, ou seja, um valor adequado para o desenvolvimento das culturas, mostrando o impacto do maior consumo de calcário no estado. Este resultado tem relação direta com os valores de V% e de cálcio no solo, como será abordado abaixo.
Para os valores de fósforo (P-Mehlich) em solos com baixo teor de argila (<150 g/kg), a porcentagem para o nível Alto estava 36% em 2016, cai para próximo a 20% até 2021, e a classe Muito Baixo que representava apenas 9% das amostras em 2016 chegou a 53% em 2021 (Figura 3). Isso pode ter duas explicações possíveis, ou são solos novos, áreas arenosas sendo incorporadas ao processo produtivo ou os produtores tem utilizado menos adubo fosfatado nestas áreas ao longo destes seis anos de observação.
Para os solos com teor de argila entre 150-350 g/kg, mudanças são vistas a partir de 2018, com a frequência do nível Muito Baixo subindo para 39% das amostras, chegando a 47%, 43% e voltando para 37%, e os níveis Alto e Adequado, caíram nos anos de 2018, 2019 e 2020. Em 2021 que o nível Alto teve um incremento, chegando a 30% das amostras. Este resultado pode ter relação com áreas novas sendo incorporadas ao processo produtivo entre 2018 e 2020, ou a redução no uso de P aplicado ao solo para esta classe.
Para solos com teores de argila entre 350-600 g/kg, 41-44% na das amostras enquadram-se na classe Alto nos anos de 2016 e 2017, decaindo abaixo de 30% em 2020 e voltando a subir em 2021. Já os níveis Muito Baixo e Baixo que somavam 13% das amostras em 2016 representaram 45% em 2019 e fechando 2021 com 38%. O ano de 2020 se destaca pela equalização dos níveis. Então temos domínio dos dois extremos nesta classe importante de textura para o estado, ou são solos pobres em P (38%) ou com altos teores (41%).
Os solos com teores de argila maiores que 600 g/kg mantiveram nos anos de 2016 e 2017 com domínio da classe de Alta da disponibilidade de fósforo. Posteriormente, aumentam as áreas de Baixa disponibilidade, chegando a 48% em 2021, demonstrando a incorporação de áreas novas, mas com predomínio do uso de solos de textura entre média e argilosa no processo produtivo (Figura 1).
Os níveis de P-resina se mantiveram ao longo dos anos, com aproximadamente 50% das amostras se enquadrando no nível Alto (> 20 mg/dm3) até o ano de 2020 e as classes Médio e Adequado com 15-20% das amostras (Figura 4). Diferenças são vistas apenas no ano de 2021, em que as amostras de solo com os níveis Muito Baixo e Baixo tiveram suas % aumentadas, o que pode ter relação com a entrada de amostras de áreas novas ou de redução na fertilização fosfatada pelos produtores, em função dos custos de produção elevados, como também visto para P-Mehlich e a classe de Alta disponibilidade caiu para valores próximos a 30%. O P é o nutriente mais utilizado na adubação das culturas no Cerrado por conta da sua forte interação com o solo RAIJ (1991). O teor de P extraído pelo método de resina iônica é pouco influenciado pelo teor de argila no solo, logo, independentemente do teor de argila, os níveis críticos são de 15 mg/dm³ a 20 mg/dm³, que são suficientes para obter 80 a 90% do rendimento potencial na ausência de aplicação de P naquele ano agrícola (SOUSA e LOBATO, 2004).
Em relação ao teor de K no solo, para os solos com CTC < 4 há uma certa estabilidade nas classes, com domínio para a o nível Médio, sendo que os solos com CTC<4 representam apenas 5% das amostras recebidas.
A classificação revela que para solos com CTC > 4, a grande maioria das amostras recebidas (~95% do total de amostras), os níveis Baixo e Alto mantem-se estáveis e com representação entre 20-25% das amostras, havendo domínio da classe Adequado (> 50 e <=80 mg/dm3), com ~50% das amostras, ou seja, predomínio de amostras de solos com valores desejáveis de disponibilidade de K mesmo após o final do cultivo de milho 2ª safra, época tradicional de amostragem (Figura 5). É importante frisar que nesta situação a grande maioria do K do sistema se encontra na palhada da gramínea, o que pode mascarar o resultado da interpretação pelo técnico responsável, pois este deve levar em consideração o K da palhada, que é extremamente importante no sistema de produção soja/milho (Cavalli et al., 2019).
Para cálcio (Ca) os níveis Baixo e Muito baixo (< 1,2 cmolc/dm3) mantiveram constância e mesma tendência ao longo dos anos avaliados, e se somados não ultrapassam 15% das amostras recebidas (Figura 6). As mudanças no perfil das amostras ocorreram para os níveis Médio (1,21-2,4 cmolc/dm3) que reduziu nos últimos anos, migrando para Bom (2,41-4,0 cmolc/dm3) e Alto (> 4,0 cmolc/dm3). Como já discutido, os produtores tem consumido mais calcário no estado, resultado visto no pH mais adequado nas amostras enviadas e do maior valor de V%. Este resultado está ligado ao maior consumo de calcário do Estado (Tabela 3), de acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola, ABRACAL (2023), e possivelmente de calcário mais rico em cálcio, já que a grande maioria dos produtores usava quase que exclusivamente calcário rico em cálcio e magnésio até os anos de 2016 a 2017. Nitidamente a classe Alto evoluiu de 1-3% em 2016 para 10% em 2021, o que significa um incremento significativo de Ca ao solo.
Os níveis de magnésio no solo seguiram tendência semelhante ao Ca, mas em menor magnitude, com redução para os níveis Médio e Baixo, e migração para os níveis Alto, confirmando o maior consumo de corretivo no estado (Figura 7).
A saturação por bases (V%) que é a proporção da CTC do solo que é preenchida pelas bases trocáveis (Ca, Mg e K) em 2016 apresentava em 55% das amostras abaixo do valor 50, 29% estavam entre 50-60 e apenas 18% acima de 60 (Figura 8). Em 2017 a situação piorou com mais áreas abaixo de 40, cerca de 31%, na faixa de 40-50, se manteve os percentuais de 30%. As áreas entre 50-60 e 60-70 tiveram queda de 4 e 3%, respectivamente. Em 2018 iniciou um ciclo de queda nas áreas com V% abaixo de 50, perdurando até o ano de 2021.
Em contrapartida, a partir de 2018, áreas com saturação >50% começaram a ter mais destaque, amostras entre 70-80% chegam a 10% do total e a classe com altas saturações (> 80%) começa a ter participação a partir de 2021.
Percebe-se que de modo geral, o uso de calcário e as modificações positivas deste insumo são perceptíveis nos solos de Mato Grosso, o que certamente impactou na produtividade das culturas, em especial da soja (Tabela 3). Estes dados abaixo, mostram o incremento do uso de calcário no estado, em especial puxado pelas áreas de soja, o que se traduziu em ganhos no V% e certamente nas melhores produtividades de soja, além de outros fatores. Fica nítido o aumento do consumo de calcário em toneladas por hectare cultivado de soja, sabendo que este calcário não vai apenas para a soja, mas para o sistema soja/milho ou soja/algodão. Então temos um consumo saindo nestas áreas de 0,5 t/ha em 2016 para 1,2 t/ha em 2021.
A relação Ca/Mg no solo teve aumento gradativo a partir do ano de 2016 observando principalmente as classes Adequado e Alto seus níveis e queda para os níveis Baixo e Médio, são reflexo/resposta do aumento do uso de calcário mais rico em cálcio (Figura 9). Segue, apenas a título de conhecimento os valores e a evolução do S e micronutrientes no solo (Figura 10).
Como conclusão das observações acima, percebe-se um aumento da preocupação dos produtores em relação a calagem, visto que o pH de grande parte das amostras que chegaram ao laboratório para análise estavam abrangendo classes maiores nos últimos anos, similar avanço para o V%. O P no solo, que decaiu das classes mais altas, mostrando que a incorporação de novas áreas de baixa fertilidade puxaram as porcentagens para baixo e um possível menor investimento no nutriente. Cálcio do solo com tendência a níveis mais altos, mostrando que o consumo de calcário, possivelmente mais rico em cálcio teve aumento a partir dos anos de 2016 e 2017 e magnésio sem grandes alterações, mas com incrementos devido a calagem.
Agradecimentos: ao laboratório Solos & Plantas por disponibilizar os resultados das análises de solo e a SINECAL por auxiliar com informações para construção deste trabalho.
1Professor de Solos, ICAA, Universidade Federal de Mato Grosso, Sinop, MT, Brasil, [email protected];
2Acadêmico do curso de Agronomia, UFMT, Sinop,
3Gestor Técnico, Reical,
4Pesquisador, Embrapa Agrossilvipastoril, Sinop, MT,
5Laboratório Solos & Plantas.
Referências
CANTARELLA, H. ; QUAGGIO, J.A. ; MATTOS JR., D. ; BOARETTO, R. M. ; RAIJ, B.Van . Boletim 100: Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo. 1. ed. Campinas: Instituto Agronômico, 2022. v. 1. 489p.
CAVALLI, E.; LANGE, A. ; CAVALLI, C. ; MIORANZA, M. ; FREDDI, O. S. ; MELLIS, E. V. . The release of macronutrients from second crop corn straw and their behaviour in a red-yellow latosol. Australian Journal Of Crop Science (Online), v. 13, p. 1833-1838, 2019.
COMISSÃO DE FERTILIDADE DO SOLO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - CFSEMG. Recomendação para o uso de corretivos e fertilizantes em Minas Gerais: 5ª Aproximação. Viçosa, 1999.
RAIJ B. V., CANTARELLA H., QUAGGIO J.A., FURLANI A.M.C. Instituto Agronômico, Campinas. Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo, 2.ed.rev.atual. Campinas, Instituto Agronômico/Fundação IAC, 1997. 285p. (Boletim técnico, 100) 1. a edição: 1985 2.” edição: 1996;
SOUSA, D. M. G. LOBATO, E. (Ed.). Cerrado: Correção do solo e adubação. 2. ed. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2004. 416p.