Percepção de produtores do sul do Brasil sobre a evolução do controle de plantas daninhas e estratégias de manejo adotadas


Autores:

Ingrid S. L. Dewes1, Anelise L. Silva1, Giovana Ribas1, Andre R. Ulguim1, Alencar J. Zanon1, Eduardo Lago Tagliapietra1, Eduardo Minussi Winck1, Pedro Paulo Araújo Vendrusculo1, Cíntia Piovesan Pegoraro1, Álvaro Carnelosso1, Kátia Mileni Manske1, João Vitor Santos de Souza1, Paula de Souza Cardoso1, Alexandre Ferigolo Alves1, Isabela Bulegon Pilecco1, Nereu Augusto Streck1

Publicado em: 04/07/2024


A intensificação sustentável da produção agrícola e a segurança alimentar são temas de preocupação devido às projeções de crescimento populacional e ao aumento da renda média global até 2050, fatores que impulsionarão a demanda por alimentos ALEXANDRATOS e BRUINSMA, 2012). A perda econômica global anual causada por plantas daninhas foi estimada em mais de $ 100 bilhões de dólares americanos (APPLEBY et al. 2021). Desde a década de 1940, a introdução dos herbicidas sintéticos consolidou esta ferramenta como principal alternativa para o controle de plantas daninhas, oferecendo eficácia, economia e relativa simplicidade operacional (SHANER, 2014). No entanto, o uso contínuo do mesmo herbicida ou do mesmo mecanismo de ação resultou na seleção de populações de plantas daninhas resistentes (CARVALHO, 2013; SHANER, 2014). 


A resistência de plantas daninhas a herbicidas tem grande relevância para o setor agrícola, pois gera o aumento dos gastos relacionados ao seu controle (ADEGAS et al. 2017). As perdas financeiras causadas por plantas daninhas resistentes ou tolerantes a herbicidas foram estimadas em R$ 4 bilhões na safra 2015/2016 no Rio Grande do Sul, com perspectivas de aumentarem a cada ano (ADEGAS et al., 2017). Ademais, de acordo com Hulme (2022), acredita-se que países como Brasil e Uruguai possuam uma quantidade significativamente maior de plantas daninhas resistentes do que é atualmente registrado, em virtude de suas condições agronômicas.


O Rio Grande do Sul (RS) possui um dos maiores potenciais de produtividade de soja do país. Isso se deve ao fato de que o fotoperíodo é mais longo nesta região, e a incidência de radiação solar é maior durante a estação de crescimento da soja (SENTELHAS et al., 2015). Ainda assim, existe uma grande lacuna de produtividade, tendo em vista que a produtividade média atual (3.000 kg/ha) está abaixo do potencial produtivo (6.000 kg/ha) (TAGLIAPIETRA et al. 2018). O manejo correto de plantas daninhas é um dos fatores essenciais para evitar perdas na produção agrícola, e desempenhará um papel importante para determinar se atenderemos às demandas futuras de produção de alimentos (WESTWOOD et al. 2018).
O presente estudo teve como objetivo entender como o controle de plantas daninhas está evoluindo no Rio Grande do Sul, e relacionar as estratégias de manejo de plantas daninhas resistentes adotadas pelos agricultores com a produtividade de grãos de soja. Nesse sentido, é necessário investigar os fatores envolvidos nas tomadas de decisão dos produtores quanto ao controle de plantas daninhas, bem como os resultados obtidos com suas práticas de manejo (JUSSAUME JR. et al, 2022). 

Material e Métodos

O estudo foi realizado no estado do Rio Grande do Sul nos seguintes anos agrícolas: 2015/2016, 2016/2017, 2017/2018, 2018/2019 e 2020/2021. Os questionários foram aplicados em duas modalidades: entrevistas pessoais e entrevistas online. Participaram do estudo 208 municípios, totalizando 796 lavouras de soja pesquisados ao longo de seis anos. Cada entrevista foi respondida individualmente, caracterizando a percepção do manejo de plantas daninhas de um único agricultor e de uma única lavoura ou talhão daquela propriedade.

As informações coletadas incluíram dados referentes a localização da lavoura, produtividade (a 13% de umidade), percepção do produtor em relação ao controle de plantas daninhas resistentes e estratégias de manejo (Tabela 1). Antes de iniciar as análises de dados, realizou-se um pré-processamento dos dados, a fim de eliminar informações que possam resultar em discrepâncias durante a análise. Essas informações, conhecidas como “outliers”, referem-se a dados que estão fora do padrão, seguindo um caminho distinto em comparação com os demais. Após a definição da amostra, foram realizadas as análises utilizando filtros e fórmulas no Microsoft Excel. 


Para determinar a influência das estratégias de manejo de plantas daninhas na produtividade de grãos, os dados de produtividade fornecidos pelos agricultores foram submetidos a uma análise de variância (ANOVA) pelo teste F, e as médias, quando significativas, foram comparadas pelo teste de Scott-Knott (a ≤ 0,05), usando a função ‘dic’ do pacote ‘ExpDes.pt’ no programa R Studio (Di Rienzo et al. 2018). 

Resultados e Discussão

Em relação a percepção dos produtores sobre a evolução do controle de plantas daninhas, 60% dos entrevistados declararam que melhorou nos últimos anos, 29% declararam que permanece o mesmo, enquanto para 11% dos entrevistados houve uma tendência de redução da eficácia no controle das invasoras nas últimas safras (Figura 1A). Quando questionados sobre o que motivou suas escolhas, 31% dos produtores relataram que o controle estava melhorando devido à alteração das práticas de manejo não relacionadas ao uso de herbicidas (Figura 1B).

Por outro lado, o principal motivo apontado pelos produtores para a redução na eficácia do controle foi a tolerância ou resistência de plantas daninhas a herbicidas (69%) (Figura 1C). Assim, os resultados permitem afirmar que estratégias baseadas somente no controle químico não serão confiáveis a longo prazo, porque a evolução da resistência irá sobrepor-se à eficácia dos herbicidas, como tem sido demonstrado pelo número crescente de casos de resistência múltipla (HEAP, 2023). 


As práticas de manejo de resistência mais comuns adotadas pelos produtores entrevistados foram a adição (mistura) de outro herbicida (40,5%), seguida de mudança do herbicida (21,9%), plantas de cobertura de outono/inverno (15,1%) e rotação de culturas (9,8%) (Figura 2A). Em um estudo realizado com consultores técnicos no RS, nas áreas onde foi comprovada a presença de plantas daninhas resistentes, 55% dos consultores entrevistados recomendaram a rotação de culturas, seguida da rotação de herbicidas com 24% e cultivo de outono-inverno com 18% (HOLKEM et al., 2022). 


Nossos resultados demonstram que os produtores adotam uma diversidade de estratégias para lidar com a resistência de plantas daninhas, apesar de a maioria focar na opção química. A relutância em adotar métodos não químicos para o controle de plantas daninhas está relacionada à falta de motivação por parte dos agricultores devido aos maiores custos e maior complexidade (MOSS, 2019). Consultores entrevistados nos EUA e Canadá, revelaram que 47% dos seus clientes produtores só adotariam boas práticas agronômicas para manejo de plantas daninhas resistentes quando a resistência já estivesse presente em suas lavouras, com aproximadamente 29% estando abertos a discutir tais práticas, mas o custo e o esforço adicionais muitas vezes os impediam de implementar métodos não herbicidas. (ASMUS; CLAY; REN, 2013). 


Entre as ferramentas disponíveis para o controle das plantas daninhas, a combinação de herbicidas com diferentes mecanismos de ação é uma das mais utilizadas por produtores tanto no Brasil como em outros países (GAZZIERO, 2015; OWEN et al., 2015). Conforme apresentado na Figura 2A, a adição (mistura) de outro herbicida no tanque foi a principal prática de manejo de resistência relatada pelos produtores entrevistados (40,5%). Em um estudo sobre misturas de agrotóxicos em tanque no Brasil, constatou-se que esta prática de manejo é amplamente adotada pelos produtores, onde 47% dos entrevistados responderam que sempre misturam agrotóxicos e 48% responderam que frequentemente adotam a mistura (GAZZIERO, 2015).


Os produtores que adotaram a rotação de culturas para o manejo da resistência obtiveram cerca de 763 kg/ha a mais no rendimento de grãos em relação aos produtores que relataram aumentar a dose do herbicida; e os produtores que utilizam as plantas de cobertura como prática de manejo obtiveram cerca de 649 kg/ha a mais que aqueles que utilizam a estratégia de aumentar a dose do herbicida (Figura 2 B). Aumentar a dose do herbicida para controle de plantas daninhas é uma prática comum entre os produtores, no entanto, não é o melhor tipo de manejo, tendo em vista que isto pode resultar em uma pressão de seleção e, consequentemente, resistência das plantas ao herbicida (ULGUIM et al., 2019). 


Desse modo, o manejo bem-sucedido da resistência de plantas daninhas requer ações práticas e economicamente viáveis na propriedade rural, com aprimoramento da capacidade dos agricultores e profissionais rurais para implementar essas práticas de forma eficaz, envolvendo conscientização, mudança de atitudes, construção de conhecimento e habilidades, responsabilidade compartilhada e pensamento de longo prazo (ESPIG; HENWOOD, 2023).

Conclusões

A mistura de herbicidas em tanque é a principal estratégia de manejo relatada, enquanto a rotação de culturas, plantas de cobertura e mudança do herbicida se destacaram com os melhores resultados de produtividade. Por fim, este estudo ressalta a importância de identificar os resultados das práticas de manejo dos produtores para oferecer evidências que auxiliem nas tomadas de decisões a fim de reduzir perdas causadas por plantas daninhas resistentes.
 

1Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil.
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Referências

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APPLEBY, A.P.; MÜLLER, F, CARPY, S. Weed control. In: Ullmann’s Encyclopedia of Industrial Chemistry, (Ed.), 2001.
ASMUS, A.; CLAY, S. A.; REN, C. Summary of certified crop advisors’ response to a weed resistance survey. Agronomy Journal. v.105, p.1160–1166, 2013.
CARVALHO, L.B. Plantas daninhas. Lages, SC: Edição do autor; 2013, 82 p.
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GAZZIERO, D.L.P. et al. Manual de identificação de plantas daninhas da cultura da soja. 2.ed. – Londrina: Embrapa Soja, 2015. 126 p.
HEAP, I. Current Status of the International Herbicide-Resistant Weed Database. The International Herbicide-Resistant Weed Database. 2023. Disponível em: www.weedscience.org/. Acesso em 28 de julho de 2023.
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