Alelopatia em trigo como ferramenta para o manejo de plantas daninhas


Autores:

Rudimar Risso de Oliveira Junior1, Noryam Bervian Bispo2

Publicado em: 24/07/2024

1 Introdução

A demanda global por alimentos deve aumentar continuamente devido ao crescimento populacional. O trigo, junto com o arroz e o milho, constitui uma das culturas alimentares mais importantes do mundo, e no Brasil, em 2022, sua produção atingiu 10,5 milhões de toneladas, cultivado principalmente nos estados da região Sul (área tradicional) e no Sudeste e no Centro-Oeste (regiões de expansão da cultura) (EMBRAPA, 2023; Conab, 2023).
A tendência é que com esse crescimento novas tecnologias sejam adquiridas pelo setor agrícola principalmente para o manejo de plantas daninhas, que interferem na produção e no rendimento das grandes culturas de grãos (Ullah et al., 2023; Charan et al., 2023). As plantas daninhas competem constantemente com as plantas cultivadas, causando uma perda considerável na sua produtividade - restrições que chegam na faixa de 45-95% ao competir por luz, água e nutrientes com a cultura principal (Choudhary et al., 2023).


Ao longo da evolução, as plantas desenvolveram um metabolismo especializado eficaz que lhes permite enfrentar ataques de herbívoros, competição intra ou interespecífica, infecções fitopatogênicas e desafios abióticos (Korkina, 2007). A alelopatia é um fenômeno notável dessa evolução e é caracterizada como uma resposta a estímulos externos pela liberação de metabólitos secundários. Através da liberação de aleloquímicos, algumas espécies de plantas podem impedir o crescimento das plantas competidoras de recursos e auxiliar o desenvolvimento de outras culturas consecutivas (Rice, 1984; Pinto et al., 2023).


O trigo (Tritricum sp.) tem a capacidade de produzir e exalar aleloquímicos sob condições de campo que afetam negativamente o crescimento de plantas daninhas (Wu et al. 2001; Bertin et al. 2003 ). Foi avaliado que aleloquímicos de diferentes genótipos do trigo, na sua maioria benzoxazinoides e compostos fenólicos (Jabran & Jabran, 2017), inibem o crescimento de várias espécies de plantas daninhas, incluindo Bromus japonicus, Chenopodium album, Portulaca oleraceae, Avena fatua e Lolium rigidum (Hussain et al., 2022).
Neste estudo, sistematizamos o potencial alelopático do trigo em dois cenários: no manejo de plantas daninhas em cultura do trigo e na sucessão de culturas.

2 Aleloquímicos do trigo e seu potencial no manejo de plantas daninhas

Aleloquímicos são metabólitos secundários defensivos que abrangem uma vasta gama de classes químicas; as mais representativas são compostos fenólicos (fenois simples, flavonoides, quinonas, cumarinas, etc.), terpenoides (mono-, di- e triterpenos, sesquiterpenos e esteroides) e os compostos que contêm um átomo de nitrogênio (por exemplo, benzoazinoides). Existem inúmeros compostos alelopáticos e bioativos do trigo com características potentes que já foram notados nas pesquisas de alelopatia (Tabela 1). 


Os aleloquímicos podem afetar diretamente o alvo ou, quando liberados no solo, transformam-se em produtos de degradação secundária, que podem interferir no desenvolvimento de outra planta ou modificar o microambiente, afetando indiretamente o crescimento (Choudhary et al., 2023). A questão da alelopatia na agricultura é pensada como um potencial benéfico em questões de maior rendimento, redução da população de plantas daninhas e uma quebra no ciclo de doenças e insetos (Vieitez et al., 2023; Yang et al., 2023; Alghamdi et al., 2022), além de que o sistema de cultivo em rotações pode estimular o fluxo de culturas (Albuquerque et al., 2020).


As interações alelopáticas do trigo e plantas daninhas podem ter efeitos inibitórios, estimulatórios e antifúngicos (Tabela 2). A maioria dos aleloquímicos são ecologicamente corretos devido à sua organização estrutural, vida curta nos solos e ação sinérgica quando liberados no meio ambiente (Kyaw et al., 2022). Choudhary et al. (2023) concluíram que o uso de bioherbicida de aleloquímicos pode ser uma abordagem para o manejo de plantas daninhas, e que a atividade alelopática sobre plantas daninhas oferece uma oportunidade para manter a diversidade ecológica e cumprir os termos da agricultura sustentável.
Existem diferentes mecanismos pelos quais a alelopatia pode ser explorada para controlar plantas daninhas: culturas de cobertura, rotação de culturas com espécies alelopáticas, culturas consorciadas e extratos de plantas (Scavo e Mauromicale, 2021). No caso do trigo, a alelopatia é potencialmente explorada do ponto de vista da cobertura vegetal, incorporação de resíduos culturais, ruptura de tecidos, consórcio com cultivares alelopáticas e aplicação de extratos aquosos de trigo (Hussain et al., 2022).


Ainda, plantar diferentes culturas em sequência na mesma área é uma tática agrícola que permite o controle de plantas daninhas e pragas, redução de doenças do solo relacionadas à monocultura, melhoria da matéria orgânica do solo e dos microrganismos do solo, aumento da fertilidade do solo e rendimento das colheitas (Tabela 2). Uma cultura alelopática em um sistema de rotação pode ajudar a controlar as plantas daninhas tanto na cultura atual como nas próximas, liberando aleloquímicos no solo através da exsudação das raízes, decomposição de resíduos vegetais e lixiviação da folhagem da planta.


A cobertura alelopática de trigo pode ser aplicada para suprimir plantas daninhas tanto no trigo quanto em outras culturas agrícolas (Jabran & Jabran, 2017). Nesses sistemas de sucessão, os resíduos culturais ficam enterrados no solo e, portanto, a liberação de aleloquímicos das plantas em crescimento e a decomposição dos resíduos podem atuar sinergicamente. Por exemplo, num estudo de Chauhan (2018), a infestação de planta daninha é reduzida na cultura do trigo se cultivada após a cultura do sorgo devido à liberação de aleloquímicos do sorgo.

4 Conclusão
    
Estratégias alternativas de manejo sustentável de plantas daninhas, como a alelopatia, poderiam ser incluídas em programas integrados de manejo dessas plantas para reduzir o uso de herbicidas sintéticos. As práticas culturais agronômicas, como a rotação de culturas e as culturas de cobertura com o potencial alelopático do trigo, podem fazer parte das práticas agrícolas convencionais para um controle eficaz de plantas daninhas. Nesse sentido, a seleção e o melhoramento de genótipos de trigo ricos em aleloquímicos e uma melhor compreensão da sua atividade no solo e na rizosfera, juntamente com o potencial das plantas daninhas desenvolverem resistência, serão necessários para gerar genótipos de trigo melhorados para utilização em programas de gestão sustentável de plantas daninhas.

 

1Acadêmico do curso de Ciências Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul Campus Sertão. E-mail: [email protected]

2Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul Campus Sertão.

Referências

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