Calcário e fósforo em profundidade é garantia de planta vigorosa


Autores:

Anderson Lange1 e Thafila Vitoria Silva2

Publicado em: 24/07/2024

Introdução 

Os solos brasileiros de clima tropical apresentam baixa fertilidade natural, são muito intemperizados, com elevada acidez e saturação de alumínio e baixos teores de nutrientes, em especial fósforo (P), cálcio (Ca), magnésio (Mg), potássio (K) e micronutrientes e ainda, apresentam alta capacidade de retenção de P. Nesta situação, a ausência de um perfil de solo construído quimicamente faz com que as raízes cresçam superficialmente e tenham desenvolvimento restrito.


Para se ter um bom desenvolvimento das culturas como soja, milho e algodão é imprescindível o manejo de perfil do solo, o qual visa um ambiente favorável para que a planta possa desenvolver o seu sistema radicular em profundidade a fim de obter uma maior exploração da água e dos nutrientes do solo, auxiliando a mesma na tolerância à seca, principalmente em condições de veranicos e frente às adversidades climáticas que temos enfrentado nos últimos anos. Com perfil de solo se garante o desenvolvimento pleno das raízes e há condições para grandes produtividades. 


O milheto é uma gramínea de ciclo anual, semeada sobretudo nas regiões do Cerrado brasileiro, pois apresenta características que favorecem seu crescimento rápido, resistência à seca, capacidade de se desenvolver em solos de média fertilidade, e ainda, produzir grãos, forragem e palhada. É muito utilizada para cobertura de solo, pois tem capacidade de crescimento do sistema radicular em profundidade, o que garante uma boa formação de palhada e reciclagem de nutrientes que, por ventura possam ter lixiviado para camadas mais profundas, podendo alcançar até 3,60 m de profundidade (Skerman & Riveros, 1992).


O calcário promove um ambiente propício para o desenvolvimento radicular, visto que o corretivo é fonte de Ca e Mg, corrige a acidez e reduz ou elimina a toxidez de alumínio. Ainda aumenta a disponibilidade de nutrientes, diminuir o teor de elementos tóxicos, melhorar o ambiente radicular para raízes e para a microbiota.  
O Ca é um nutriente com papel preponderante no crescimento radicular das plantas e, juntamente com o P, que é um nutriente indispensável para o crescimento das raízes, se suprido de forma adequada, é essencial desde os estádios iniciais de crescimento da planta, por isto é importante que haja disponibilidade de P no perfil do solo e em quantidade adequada durante o ciclo da cultura, pois este elemento está envolvido na divisão celular, síntese de proteínas, lipídeos e nucleotídeos impactando diretamente na formação das raízes primárias e pêlos radiculares. Assim, realizou-se um estudo com milheto, como planta indicadora, no intuito de mensurar a distribuição das raízes em profundidade com distintas distribuições de calcário e fósforo no perfil do solo. 

Material e Métodos

O experimento foi instalado em casa de vegetação e o solo utilizado foi classificado como Latossolo Vermelho Amarelo Distrófico (LvAd), coletado em área de mata, no campus da UFMT, em Sinop – MT, com as seguintes características químicas antes da instalação: pH = 5,40; P= 0,80 mg/dm3, K = 44,0 mg/dm3; Ca = 1,00 cmolc/dm3; Mg = 0,41 cmolc/dm3; Al = 0,2 cmolc/dm3; H+Al = 6,00 cmolc/dm3 e V = 21,0%. 


Foi utilizado o delineamento inteiramente casualizado (DIC), com 5 tratamentos e 6 repetições, variando a correção do perfil do solo com calcário e fósforo, sendo: (T1) omissão total de ambos, (T2) fósforo incorporado a 15 cm e calagem até 35 cm, (T3) fósforo incorporado a 15 cm e calagem até 70 cm, (T4) fósforo e calcário incorporados a 35 cm e (T5) fósforo e calcário incorporados a 70 cm, conforme ilustra a figura 1. A dose de calcário foi equivalente a 8 ton/ha (calcário dolomítico, PRNT 89) e a fosfatagem, aplicou-se 300 mg/kg de P, via 05-32-04. 


 Para o cultivo, utilizou-se sacos plásticos resistentes, com capacidade de 24 kg de solo, que ao serem preenchidos, apresentaram altura da coluna de solo de 0,7 m (70 centímetros). Foram semeadas cinco sementes de milheto por saco, efetuando o raleio para uma planta, após 15-20 dias. A irrigação foi constante, mantida a aproximadamente 70% da capacidade de campo, sendo também adicionado N e K, na dose de 200 mg/kg de solo, em duas aplicações, aos 10 e 30 dias após a semeadura. Os sacos foram envoltos com manta escura para evitar a luz.


Após aproximadamente 90 dias, a irrigação foi suspendida e aos 95 dias, os sacos com solo+planta, foram fracionados em camadas de cinco (5) cm, sendo o solo passado em peneira, para a retirada das raízes. Para isso utilizou-se água corrente, para lavagem. As plantas foram ceifadas rente ao solo e a parte aérea e as raízes de cada camada foram secas em estufa por 48 h, a 65 ºC e posteriormente pesadas (g). Os dados obtidos foram submetidos a análise de variância pelo teste F a 5% de probabilidade e utilizou-se o teste de média de Scott Knott 5% de probabilidade para identificar as diferenças entre os tratamentos. 

Resultado e Discussão 

A distribuição em profundidade da massa das raízes foi influenciada pela disponibilidade de P ao longo do perfil, assim como a massa da parte aérea e a altura das plantas. A inibição do crescimento das plantas sob deficiência de P é devida ao alongamento celular reduzido afetando a atividade meristemática e é irreversível quando a deficiência de P é mantida por muitos dias, o que resultará em menor rendimento (Reymond et al., 2006).


É possível visualizar na figura 2 a importância da calagem e da disponibilidade de P por todo o perfil do solo para que ocorra crescimento radicular em profundidade. O principal fator responsável pelo aumento da massa de raízes em profundidade foi a disponibilidade de P por todo o perfil, até 70 cm, corroborando com Hansel et al (2017). O tratamento com omissão de calcário e P limitou extremamente o crescimento radicular e a partir de 25 cm, praticamente já não haviam mais raízes nesta condição.  Estatisticamente, o tratamento que recebeu correção completa com P e calcário até 70 cm (T5), foi superior na produção de raízes em todas as profundidades, em relação aos demais tratamentos, sendo similar na primeira camada (0-5 cm) apenas à aplicação de P e calcário até 35 cm (T4). Outro tratamento que se destacou foi o T3 (P-15cm, CALC 70 cm), que apesar de estatisticamente igual ao T1, T2 e T4, acumulou numericamente uma quantidade maior de raízes, decorrência da calagem até 70 cm, corrigindo Al tóxico.


Uma extrapolação pode ser feita aqui, pensando em condições de campo. Sabemos que 1 hectare tem 7.000.000 de decímetros cúbicos de solo na camada até 70 cm, ou seja, seriam 7.000.000 de kg de solo, pensando num solo com densidade 1 (g/cm3). Assim, na condição de correção completa até 70 cm, em 24 kg de solo encontramos 170 g de raízes, o que corresponderiam a mais de 40 toneladas de raízes por hectare, hipoteticamente, numa profundidade de 70 cm, com crescimento efetivo. Obviamente que estes números talvez não ocorreriam em campo, mas isso nos mostra como um solo com perfil corrigido pode apresentar crescimento vigoroso de raízes em profundidade. 


 A figura 3 mostra o desenvolvimento das plantas e sua relação com a disponibilidade de P e calcário no perfil. A massa vegetal da parte aérea (palha) e altura de plantas demonstraram-se superiores estatisticamente em todos os tratamentos que receberam fósforo e calcário P em relação a omissão total (T1), o que mostra a importância de um perfil de solo construído quimicamente para o desenvolvimento completo da planta. Um sistema radicular bem desenvolvido garante boa formação e sustentação da parte aérea (Batista; Monteiro, 2006).

O suprimento de água e de nutrientes para as plantas depende das interações entre os complexos processos fisiológicos e celulares ocorrentes no sistema radicular, que resultam numa arquitetura específica (habilidade da planta em adquirir os recursos do solo). Esse efeito pode ser observado na figura 3, no tratamento T5, em que as plantas que apresentaram desenvolvimento superior na massa de raiz também apresentaram desenvolvimento superior na massa aérea e altura. Chama a atenção ainda que a massa do sistema radicular, dos tratamentos 3 e 4, apesar de iguais, estatisticamente, mas o T3 com maior massa, devido a calagem em todo o perfil, frente ao T4, com calagem apenas a 35 cm, o que corrobora com Moraes et al (2023), ao estudar a incorporação de calcário em profundidade e sua relação com o crescimento radicular. Isso mostra de a combinação calcário e P em profundidade (perfil construído) garante sistema radicular volumoso, agressivo com retorno direto na massa da planta.

Conclusão 

A incorporação de calcário e fósforo no solo, no caso do estudo até 70 cm de profundidade, constrói perfil de solo quimicamente e propicia o desenvolvimento agressivo das raízes em profundidade, o que garante condições para que a planta tenha desenvolvimento máximo.

1Professor de Solos, ICAA, Universidade Federal de Mato Grosso, Sinop, MT. E-mail: [email protected]

2Acadêmica do curso de Agronomia, Universidade Federal de Mato Grosso, Sinop, MT.

Referências

BATISTA, K.; MONTEIRO, F. A. Sistema radicular do capim-Marandu, considerando as combinações de doses de nitrogênio e de enxofre. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.30, n.5, 2006.
HANSEL, F. D.; AMADO, T.J.C. ; RUIZ DIAZ, D.A. ; ROSSO, L.Z H.M. ; NICOLOSO, F.T. ; SCHORR, M. . Phosphorus Fertilizer Placement and Tillage Affect Soybean Root Growth and Drought Tolerance. Agronomy Journal, v. 6, p. 2936-2944, 2017.
MORAES, F. A. ; MOREIRA, SILVINO G. ; PEIXOTO, D. S. ; SILVA, J. C. R. ; MACEDO, J. R. ; SILVA, M. M. ; SILVA, B. M. ; SANCHEZ, P. A. ; NUNES, M. R. . Lime incorporation up to 40 cm deep increases root growth and crop yield in highly weathered tropical soils. European Journal of Agronomy, v. 144, p. 126763, 2023.
REYMOND, M., SVSTOONOFF, S., LOUDET, O., NUSSAUME, L. e DESNOS, T., 2006. Identificação de QTL que controla a resposta do crescimento radicular à privação de fosfato em Arabidopsis thaliana. Planta, Célula e Meio Ambiente, vol. 29, não. 1, pp. 115-125. PMid:17086758.
SKERMAN, P.J.; RIVEROS, F. Gramíneas tropicales. Roma: FAO, 1992. p. 627-635.