Produtividade de grãos de cultivares de soja sob El Niño


Autores:

Laís de Paula Ribeiro2, Edgar Salis Brasil Neto2, Lucas Nascimento Brum2, Rafaela Leopoldina Silva Nunes2, Vítor Sauzem Rumpel2, Fernando Sintra Fulaneti2, Yago Müller Alves2, Lucas Pedro Cipriani2, Giovani Luciano Wrasse², Helena Ramos Pinto1, Guilherme Tuchtenhagen Macalin1, Angélica Guareschi1, Renata Ehleres Dos Santos1, Lucas Pedroso Bilhalva1, João Matteus Fleck Pillon1, Léo Antônio Limberger Speth1, Lucas de Ferreira Vallejo1, Sara Jordana Zanatta1, Gabriel Nunes Souto1, Lucas dos Santos Bianchin1, Jenifer Souza da Silva1, Thomas Newton Martin*3
 

Publicado em: 28/07/2024

Introdução

A soja (Glycine max (L.) Merrill), reconhecida como a oleaginosa de maior cultivo em escala global, é considerada uma das principais fonte de proteína e óleo para a nutrição animal, além disso, também é um alimento básico na dieta humana (Sedivy et al., 2017). Na safra 2022/23 obteve-se uma produção mundial de 378,20 milhões de toneladas, correspondente a 59,30% da produção total de oleaginosas no mundo (USDA, 2024). O Brasil é o líder mundial na produção da soja com (162 milhões de toneladas), seguido dos Estados Unidos (116 milhões de toneladas), Argentina (25 milhões de toneladas), China (20 milhões de toneladas) e Índia (12 milhões de toneladas) (USDA, 2024). 


Com 98,8% da área colhida, o nono levantamento da Conab, realizado em junho de 2024, indicou uma pequena queda de produtividade. A produtividade média foi de 3.205 kg/ha, representando uma redução de 8,6% em relação à safra 2022/20, principalmente devido à redução na produtividade no Rio Grande do Sul. A produção total no país foi de 147.353,5 mil toneladas, 4,7% menor que a safra anterior, resultado das condições climáticas adversas durante a implantação e desenvolvimento da cultura, com falta e excesso de precipitações. Mesmo assim, essa safra segue sendo a segunda maior já registrada para a oleaginosa. No Mato Grosso, a colheita da safra 2023/24 não sofreu danos significativos, apesar das interrupções das atividades de campo em abril devido ao clima. A produtividade média foi de 3.156 kg/ha, resultando em uma produção total de 38,4 milhões de toneladas. No Rio Grande do Sul, apesar da ocorrência de eventos climáticos extremos e alagamentos, e considerando que 75% das áreas já haviam sido colhidas antes das chuvas de maio, a safra se encerra dentro da normalidade, com produtividade média de 2.985 kg/ha (Conab, 2024).


A variabilidade climática atual é influenciada pelo El Niño-Oscilação Sul, que se caracteriza pela ocorrência de uma fase neutra e duas extremas: El Niño e La Niña (Bento, 2020). A precipitação pluvial e temperatura do ar são fortemente influenciadas pelo EI Niño e La Niña, principalmente nas regiões Nordeste e Sul do país, onde os efeitos se manifestam mais intensamente (Luiz; Silva, 2023). Em anos de El Niño, na região Sul do Brasil, ocorrem enchentes, danos à infraestrutura e impacto negativo na produção agrícola (Bento, 2020).


A produtividade da soja é altamente dependente das condições climáticas, fatores como radiação solar, temperatura do ar e duração do ciclo da cultura influenciam direta e indiretamente no ciclo da cultura (Sentelhas et al., 2015). Para mitigar os efeitos das mudan-ças climáticas, diferentes processos fisiológicos são exigidos, bem como, requerem sistemas de manejo agronômico cada vez mais específicos (Sadras et al., 2015).


O desenvolvimento de cultivares mais adaptadas, produtivas e estáveis às diferentes condições climáticas, tem sido cada vez mais alvo de trabalho dos programas de melhoramento genético. Esses programas visam não apenas a produção de grãos, mas também aprimorar atributos agronômicos, como a qualidade das sementes, composição química, tolerância a herbicidas e resistência a doenças (Carneiro et al., 2019). Compreender o comportamento das diversas cultivares disponíveis para os produtores e sua capacidade de produtividade em cenários climáticos instáveis é um desafio e uma necessidade. 


Uma vez que variáveis climáticas impactam na produtividade da soja, a seleção de cultivares adequadas à região é essencial para superar dificuldades e impulsionar o crescimento da cultura. Isso permite obter informações de qualidade na hora da tomada de decisões. Portanto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a produtividade de grãos de cultivares de soja em condições edafoclimáticas em Santa Maria, Rio Grande do Sul.

Material e Métodos 

O experimento foi semeado em 17/11/2023, na área experimental pertencente ao Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), localizado nas coordenadas geográficas, -29º43’ de latitude sul, -53º44’ de longitude oeste e 103 metros de altitude, na safra 2023/24. O clima da região, conforme a classificação de Köppen, é do tipo Cfa, subtropical de clima temperado chuvoso (Alvares et al., 2013), precipitação média de 1688 mm ao ano. No mês mais quente, a temperatura média é de 24,8°C, e no mês mais frio é de 14,1°C (Heldwein et al., 2009). O solo do local é classificado como Argissolo Vermelho distrófico Arênico (Dos Santos et al., 2018), correspondente ao Ultisol (Soil Survey Taff, 2022). As características físico-químicas do solo estão apresentadas na Tabela 1.  


A adubação do experimento foi realizada com 350 kg/ha da fórmula 00-28-20, conforme a recomendação da adubação para cultura da soja (CQFS, 2016). Durante a semeadura foi realizada a coinoculação via sulco de semeadura, com 300 ml de Bradyrhizobium japonicum e 100 ml de Azospirillum brasilense em 50 L de calda/ha.


O delineamento do experimento foi de blocos ao acaso com quatro repetições. Foram semeadas 62 cultivares de soja em sistema plantio direto sobre palhada de trigo. O espaçamento entre fileiras foi de 0,45 m e 13 plantas/metro linear na fileira, com densidade de 288.888 plantas/ha. Cada unidade experimental foi formada por cinco fileiras em que mediam 7,75 m de comprimento por 2,25 m de largura, totalizando uma área de 17,44 m2


Os dados de balanço hídrico com o déficit e excedente hídrico, a radiação global diária e precipitação diária que ocorreram durante a safra foram obtidas da estação meteorológica automática do 8° DISME/INMET, localizada no Campus da UFSM, e conforme os dados disponibilizados pelo INMET, demonstrados respectivamente na Figura 1 e Figura 2.


As variáveis analisadas foram massa de mil grãos (MMG) e produtividade de grãos (PG). No estádio fenológico R8, maturação plena da cultura (Fehr et al., 1971), foi colhida e trilhada uma área útil de 4,05 m² de cada unidade experimental. Na sequência, foi realizada a pesagem, por meio de balança analítica, ajustando-se o conteúdo de água (13%) (Brasil, 2009). A determinação da massa de 1000 grãos foi realizada com o mesmo material provindo da avaliação de produtividade de grãos. Foram realizadas oito contagens de 100 grãos, determinando-se a média das pesagens das oito subamostras, multiplicado por 10 (Brasil, 2009). 


A visualização do comportamento geral dos dados foi feita através do cálculo de medidas de posição e de dispersão. Após, foi realizada a análise da variância (ANOVA) e, com o atendimento dos pressupostos do modelo matemático e rejeição da hipótese nula, procedeu-se a análise complementar. O teste de separação de médias utilizado foi o de Scott-Knott com 5% de probabilidade de erro. Para as análises estatísticas e confecção das figuras foi utilizado o pacote ggplot2 (Wickham, 2016) software R (R Core Team, 2023).

Resultado e Discussão

As respostas do experimento de cultivares de soja instalado na safra 2023/24 foram fortemente influenciadas pela atuação e intensidade do El Niño. Este fenômeno El Niño Os-cilação Sul (ENOS) é caracterizado por uma interação oceano-atmosfera, conexo a anomali-as na temperatura média do oceano, e pelo aquecimento das águas do Pacífico Tropical próximo à costa da América do Sul (Marengo et al., 2016; Molion, 2017). A ocorrência do fenômeno impactou a soja em diversas fases do ciclo produtivo. Desde o início em 2023, interferindo negativamente, a semeadura do experimento e estabelecimento da cultura, com o excesso de chuvas ocasionadas que marcaram o regime hídrico nesta safra (Figura 1), até as fases de desenvolvimento e colheita do experimento e das lavouras nas regiões produtoras do país (Figura 2), sobretudo a região sul, impactando na produtividade média de grãos das cultivares.


As Tabelas 2 e 3 apresentam as principais características gerais das 62 cultivares utilizadas no experimento, de acordo com as informações disponibilizadas nos sites das empresas detentoras dos materiais. 
A análise de variância obteve efeito significativo para as variáveis PG e MMG. Conforme o resultado do teste de separação de médias, as cultivares foram classificadas em quatro grupos distintos para cada variável, sendo que cultivares dentre de um mesmo grupo não diferem estatisticamente.


A produtividade de grãos (PG) das cultivares de soja em Santa Maria (RS) estão representadas na Figura 3. Na safra (2023/24), obteve-se uma produtividade média geral de 2.985 kg/ha. Essa produtividade foi 9% menor do que a estimativa da média de produtivida-de do estado do RS nessa safra (Conab, 2024).
Para a variável PG (Figura 3), o “grupo A” apresenta valores entre 5274,7 e 5603,3 kg/ha, o “grupo B” valores entre 4543,1 e 5090,1 kg/ha, o “grupo C” valores entre 3656,1 e 4309,3 kg/ha e o “grupo D” apresenta valores entre 2854,3 e 3557,7 kg/ha. Para a variável MMG (Figura 4), a cultivar NS 6446 I2X apresenta a média mais alta de 210,63 g, formando unicamente o “grupo A”, que difere estatisticamente em relação ao “grupo B”, representado com cinco cultivares que apresentam valores entre 188,43 e 195,68 g. O “grupo C”, com 22 cultivares que apresentam valores entre 172,38 e 187,21 g. Já o “grupo D” valores entre 160,63 e 168,64 g com 11 cultivares e o “grupo E” valores entre 144,65 e 159,42 g representado por 17 cultivares.


A Figura 3 ilustra o resultado para a variável de PG, que é o valor de produtividade de cada cultivar de soja obtida no experimento. Onde é possível destacar que 20 cultivares produziram acima dos 5.000 kg/ha, porém apenas quatro cultivares destacaram-se com uma produtividade acima dos 5.500 kg/ha. Destaca-se a cultivar NEO 580 IPRO, que apresentou maior valor de PG de 5770,19 kg/ha, seguida pela BMX 51X51 RSF I2X com o valor de PG 5603,35 kg/ha, BMX 55I57 RSF IPRO com o valor de PG 5585,67 kg/ha, CZ 15B99 I2X com o valor de PG 5576,35 kg/ha.


Estudos anteriores do Grupo Coxilha na região central do Estado do Rio Grande do Sul mostram que há variabilidade em MMG e PG na cultura (Fulaneti et al., 2023). Salienta-se que foi um ano com alto volume de chuvas (Figura 1) em que vários dias apresentaram excesso hídrico, impactando em atraso na semeadura, ressemeadura de algumas cultivares e atraso no período de colheita, contudo, a chuva foi essencial para momentos mais críticos da cultura.


Mesmo assim, destaca-se 20 cultivares que apresentaram PG acima dos 5.000 kg/ha, o que evidencia, que em anos de altos volumes de chuva, maior disponibilidade de água, os materiais podem alcançar seus patamares de teto produtivo quando todos os manejos em cada etapa de desenvolvimento da cultura são muito bem conduzidos. 
 
Conclusões

Apesar da influência desfavorável do fenômeno El Niño nas condições climáticas de Santa Maria, com volumes de precipitação, frequência, temperatura média e nebulosidade muito superiores à normal climatológica, caracterizando um ambiente adverso e desfavorável para a grande maioria das cultivares de soja.
Ressalta-se que houve produtividade de grãos de soja acima de 5.500 kg/ha sendo estas as cultivares do grupo A, seguida pelos grupos B, C e D, sendo destaque a cultivar CZ 16B21 I2X com a maior média (5770,2 kg/ha) e a cultivar com maior massa de mil grãos, a NS 6446 I2X (210,6 g).

 

1Graduando (a) em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS. 

2Pós Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

3Eng. Agrônomo Prof. Doutor da UFSM, Programa de Pós-graduação em Agronomia, Bolsista CNPq. *Autor para correspondência: [email protected] 

Referências

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