Consorciações de forrageiras anuais de inverno


Autores:

Emanuel Dall’Agnol, Manuele Zeni, Diógenes Cecchin Silveira, Renato Serena Fontaneli, Renata Rebesquini, Francine Talia Panisson, Maria Eduarda Tramontini Ceolin, Felipe Martinazzo Escobar, Mylena Palma Consoli Webber

Publicado em: 30/04/2021

Introdução

Na região Sul do Brasil, o uso de pastagens de inverno intercaladas com culturas comerciais de verão, como soja, milho ou feijão, constitui uma estratégia de elevada importância para os agricultores em virtude da carência de alternativas de cultivos agrícolas economicamente viáveis durante o inverno (BALBINOT JUNIOR et al., 2009).

A integração lavoura-pecuária (ILP), se caracteriza como estratégia promissora para desenvolver sistemas de produção menos intensivos no uso de insumos e mais sustentáveis ao longo do tempo. Salientando-se em inúmeros trabalhos o efeito depressor acarretado por vários anos de agricultura contínua sobre várias propriedades do solo. Sendo que, esse efeito é invertido à medida que se aumenta o número de anos sucessivos com implantação de pastagens (PANIGATTI, 1992).

Assim, sistemas ILP possibilitam a intensificação da viabilidade econômica de áreas agrícolas subutilizadas e proporcionam vantagens biológicas aos sistemas de produção (BALBINOT JUNIOR et al., 2009), como melhorias na estrutura e fertilidade do solo, melhor controle de plantas daninhas, quebra de ciclos de doenças e pragas e aumento na disponibilidade de alimentos de qualidade para os rebanhos durante o período de pastejo (MCKENZIE et al., 1999), porém, segundo

Assmann et al., (2004), apresentam rendimentos abaixo do seu potencial produtivo, em função de diversas vezes se realizar o manejo inadequado juntamente com a falta de adubação, principalmente do nitrogênio.

O objetivo do presente trabalho é revisitar o tema de misturas forrageiras com ênfase na contribuição das forrageiras anuais de inverno, gramíneas e leguminosas, tentando abordagem com respostas econômicas em produção de ruminantes, mas priorizando a conservação dos solos e melhoria de sua vida biológica.

Desenvolvimento

A consorciação ou mistura de forrageiras ou ainda popularizada mais recentemente como ‘mix’ é uma prática que permite associar em uma mesma área a semeadura de mais de uma espécie para aumentar o acúmulo de biomassa na propriedade, em relação ao cultivo singular, enriquecer a vida biológica do solo, protegê-lo contra a erosão e possibilitar renda adicional via produção animal.

Podendo também ser considerada como uma técnica agrícola de conservação que visa um melhor aproveitamento em longo prazo do solo, bem como o cultivo na qual se utiliza mais de uma espécie de uma cultura na mesma área e no mesmo período (PEIXOTO et al., 2001), por resultarem em uma maior quantidade de raízes e palhada (CHIODEROLI et al., 2012).

Dentre as gramíneas anuais de inverno destacam-se a aveia-preta (Avena strigosa Schreb.), o azevém (Lolium multiflorum Lam.), a aveia branca (Avena sativa L.), o centeio (Secale cereale L.), o triticale (X Triticosecale Wittmack), a cevada (Hordeum vulgare L.) e o trigo (Triticum aestivum L.).

Sendo o centeio o mais precoce e o azevém, o mais tardio. Embora tenham maior acúmulo de forragem no fim do inverno e início da primavera, podem ter boa taxa de crescimento no outono se semeados no fim de verão e início do outono (março-abril) (FONTANELI et al., 2018).

As consorciações de forrageiras anuais de inverno se destaca como alternativa, visando principalmente aumentar o período de oferta de forragem e de pastejo, com maior produtividade e valor nutritivo, além disso, aumentar o aporte de nitrogênio no sistema, via introdução de leguminosas.

Dalpizol; Fontaneli (1983) reportaram incrementos de 54% na consorciação de azevém com trevo-vermelho, em relação ao azevém isolado, com liberação da área para cultivo em novembro. Dentre as leguminosas destacam-se na região sul-brasileira as ervilhacas (Vicia spp.), a ervilha-forrageira (Pisum sp.) e o trevo-vesiculoso (Trifolium vesiculosum Savi), este o mais tardio e mais produtivo.

Para que uma mistura seja eficiente, é necessário que uma espécie não prejudique o desenvolvimento da outra, em termos de competição por luz ou absorção de nutrientes, para que a produtividade das espécies seja maximizada dentro do consórcio (ROSO et al., 2000).

O consórcio de duas ou mais gramíneas forrageiras de inverno tende a combinar os picos de produção de matéria seca (MS), que são atingidos em diferentes épocas, de acordo com o genótipo, resultando no aumento da produção e do período de utilização da pastagem. A consorciação de gramíneas anuais de inverno como o trigo de duplo propósito, centeio, aveia e azevém pode ser muito eficiente na possibilidade de prolongar o tempo de pastejo nos períodos críticos (TAVARES, 2014).

Para reforçar estas afirmações, Roso et al. (1999), avaliando a produção e qualidade de forragem da mistura de diferentes gramíneas anuais de estação fria sob pastejo contínuo, concluíram que: a mistura triticale mais azevém apresentou melhor distribuição na produção e maior estabilidade na qualidade de forragem (tabela 1); triticale e aveia-preta apresentaram maior contribuição nos pastejos no início do ciclo da mistura; triticale e aveia-preta apresentaram elevado potencial de produção de forragem e, quando utilizados na mistura com o azevém, resultaram em longo período de utilização, com alta produção de forragem de elevada qualidade, e que a mistura de triticale, aveia preta e azevém singulares produzem menos MS/ha que as misturas de triticale mais azevém ou aveia mais azevém (tabela 2).

A mistura de aveia-preta e azevém, são as principais espécies utilizadas para pastejo na região Sul basicamente em função da facilidade na aquisição de sementes e das particularidades em relação ao ciclo de produção das espécies (ROSO et al., 2000), pois visa associar as máximas produções de biomassa para evitar a flutuação no fornecimento de forragem aos animais.

A máxima produção de aveia concentra-se nos períodos iniciais da pastagem de inverno, devido a sua precocidade, arquitetura e disposição das folhas, diferentemente do azevém, cuja participação aumenta ao longo do período de primavera (AGUINAGA et al., 2008), por apresentar desenvolvimento lento em temperaturas baixas, e aumento na produção de MS quando as temperaturas são mais elevadas (FLOSS, 1989).

De maneira geral, no início do desenvolvimento da pastagem consorciada de aveia-preta e azevém, existe uma dominância da aveia-preta com um percentual de 73%, em média, devido a maior produção de colmos e folhas, ocupando os extratos mais altos do dossel, que tendem a suprimir o azevém (ASSMANN et al., 2004).

Com o aumento das temperaturas na primavera, as taxas de acumulação de MS em forma de folhas por parte da aveia-preta tendem a diminuir, enquanto as do azevém aumentam e, no final do ciclo da pastagem, pode-se dizer que o azevém participa com aproximadamente 82% da massa seca total produzida (AGUINAGA et al., 2008). Estes diferentes picos de produção e oscilação das espécies dentro da pastagem contribui para a estabilidade de produção na área.

Para estabilidade de produção adequada e elevado rendimento de biomassa, a fertilidade do solo deve ser considerada, visando principalmente a adubação nitrogenada.

À medida que aumenta a adubação na pastagem, há aumento dos custos, gerando desembolso maior de recursos para o produtor, mas o tempo de retorno do investimento é relativamente curto, principalmente, se a pastagem for utilizada para terminação de animais ou produção de leite. Os custos das pastagens de estação fria com adubação são altos, especialmente nos últimos anos, sendo de fundamental importância que essas pastagens sejam utilizadas da maneira mais eficientes nos sistemas de produção (LUPATINI et al., 2013).

Conforme Lupatini et al., (2013) que avaliaram a produção de bovinos em pastagem de aveia-preta e azevém, que foram submetidas à adubação nitrogenada com 0, 150 e 300 kg de N/ha, obtiveram ganho de peso vivo por hectare de 335, 641 e 865 kg respectivamente, com desempenho individual na média de 0,980 kg por bezerro/dia para os três tratamentos.

Os autores concluíram que a adubação de 150 kg de N por ha é a melhor opção na relação custo-benefício. Segundo Bagley et al. (1988) o uso de azevém-trevos ou azevém-N tem sido reportado por promoverem aumento de produção de forragem mais na primavera do que no inverno. Trevo-vermelho e trevo-vesiculoso são mais efetivos por prolongarem o período de pastejo por toda a primavera (Fontaneli et al., 1999).

Já Roso e Restle (2000), avaliando a produção animal de bezerras de sete meses de idade e o resultado econômico das misturas de aveia-preta + azevém, triticale + azevém e centeio + azevém em pastejo contínuo com adubação nitrogenada de 220 kg/ha, obtiveram ganho de peso vivo/ha de 802,7 kg para triticale e azevém, 753,9 kg para centeio e azevém e 726,3 kg para aveia e azevém.

A receita líquida com a comercialização do ganho de peso vivo obtido nas diferentes misturas foi 27,51% a mais em triticale e azevém (R$ 224,78) do que em relação à aveia e azevém, que apresentou lucro de R$ 176,29 e 15,58% superior ao centeio e azevém, que apresentou lucro de R$194,48 por hectare.

Os autores ainda concluíram que as três misturas apresentaram excelente potencial de produção de forragem e ganho de peso, além de particularidades na produção de forragem, que são importantes para o planejamento de sistemas de forrageamento nos períodos críticos do ano de disponibilidade de forragem.

Portanto, a adubação nitrogenada em pastagens de estação fria deve ser utilizada, de forma planejada e integrada com o planejamento das atividades da propriedade e da alimentação dos animais, bem como a utilização de taxa de lotação variável com oferta de forragem adequada, potencializando a produtividade animal.

A decisão do nível de utilização de adubação nitrogenada nas pastagens de gramíneas de inverno em termos econômicos depende basicamente da eficiência de utilização do N na produção de forragem e animal, da remuneração do produto e do custo do adubo nitrogenado (LUPATINI et al., 2013).

Além de constituírem grande parte do custo total da alimentação nos sistemas de criação à base de forragem, os fertilizantes nitrogenados são uma das principais fontes de emissão de óxido nitroso na produção de ração para herbívoros e o uso mais eficiente de fertilizantes é uma ferramenta importante para mitigar as perdas de óxido nitroso (SCHILS et al., 2012).

Em um experimento australiano, a perda de nitrogênio da desnitrificação total foi 116% menor em pastagens não fertilizadas de misturas de trevo e azevém perene (Lolium perenne L.) em comparação com todas as pastagens perenes de azevém fertilizadas anualmente com 200 kg de nitrogênio/ha de ureia (ECKARD et al., 2003).

Uma das vantagens de pastagens consorciadas de gramíneas e leguminosas é a maior sustentabilidade na produção de forragem por propiciarem suprimento de nitrogênio para o solo e para as plantas forrageiras (EMBRAPA, 2019), e sobretudo reduzir os gastos diretos com fertilizantes (BARCELLOS et al., 2008).

Nos Estados Unidos, Burns e Standaert (1984) estimaram que são necessários 200 kg de nitrogênio/ha para pastagens de gramíneas puras alcançarem produções similares a das pastagens consorciadas. Já na Nova Zelândia, há indicações que são necessários de 300 a 600kg/ha de N para que as pastagens de gramíneas puras possam manter o mesmo nível de produção de forragem atingido por diferentes pastagens consorciadas bem manejadas, sustentando constantemente uma fixação anual entre 150 a 300kg de N/ha (BALL & FIELD, 1984).

Lesama e Moojen (1999), avaliando misturas de gramíneas e leguminosas, concluíram que a utilização de 150kg/ha de N em uma pastagem aveia-preta/azevém/trevo-vesiculoso (T. vesiculosum) pode substituir a aplicação de 300 kg/ha de N em uma pastagem de aveia-preta/azevém, melhorando o ganho por animal e o ganho por área.

Na região sul do Brasil, Lobato et al., (1975) compararam a implantação de trevo vesiculoso ou adubação de 100 kg/ha de N sobre pastagem nativa ressemeada com aveia amarela e obtiveram resultados de ganho por hectare de novilhas similares nos dois tratamentos, e estes foram superiores a pastagem nativa (Tabela 3).

Já Quadros (1984) avaliando a potencialidade de transformação de diferentes misturas de estação fria em produto animal como alternativa de forrageamento em sistemas de produção animal em pastagem, obteve ganho de peso vivo de 515 kg/ha em pastagem de aveia-preta/azevém/trevo-vesiculoso, com 146 dias de pastejo; 568 kg/ha em pastagem de azevém/trevo-branco/cornichão em 118 dias de pastejo; e 592 kg/ha em pastagem de azevém/trevo-vesiculoso, com 128 dias de pastejo (Tabela 4).

Portanto, o uso de uma mistura de trevos e gramíneas para pastagens de inverno deve ser útil para manter a produção, reduzir a necessidade de fertilização com nitrogênio, reduzir a emissão de óxido nitroso (LEDGARD et al., 2009) e diminuir a utilização de energia fóssil (SCHILS et al., 2000).

Além de serem verdadeiras biofábricas de fertilizantes nitrogenados, as espécies de plantas leguminosas sempre apresentam concentrações maiores de proteína em sua forragem, em comparação com as espécies gramíneas, em qualquer época do ano.

Apresentam também uma maior concentração de outros nutrientes, como o cálcio, que favorecem o desempenho dos animais quando ingerem esse tipo de forragem pura ou combinada com a forragem dos capins consorciados. Essa superioridade nutricional das leguminosas é vantajosa, sobretudo na época em que o valor nutritivo dos capins diminui consideravelmente ou quando a gramínea acompanhante é naturalmente de menor valor alimentício.

As leguminosas em consórcio são verdadeiramente suplementos proteicos de baixo custo (EMBRAPA, 2019).

Mas para a adoção dessa técnica é necessário avaliar alguns pontos críticos do processo, como as diferenças morfológicas entre leguminosas e gramíneas forrageiras, em que as gramíneas são mais eficientes na utilização de água, de alguns nutrientes minerais e apresentam uma eficiência fotossintética mais alta, que resulta na taxa de crescimento e potencial de produção de forragem superior ao das leguminosas (NASCIMENTO JUNIOR et al., 2002).

O impacto das consorciações na produção animal a pasto dá-se pelo aumento no desempenho ou ganho por animal, sendo 30% superior em relação aos pastos puros ou não consorciados. Não há aumento substancial na taxa de lotação das pastagens consorciadas, uma vez que a produtividade de forragem das leguminosas é menor que a dos capins (EMBRAPA, 2019).

Em estudo baseado em meta-análise, Dineen et al. (2018) observaram incrementos na produção de leite e sólidos totais em pastagens de azevém consorciadas com trevo-branco (Trifolium repens L.) em relação ao azevém sozinho (19,7 vs. 18,3 kg de leite por vaca por dia; 1,48 vs. 1,36 kg de sólidos por dia). Além disso, os sistemas consorciados permitiram uma redução na aplicação de nitrogênio de 81 kg por hectare por ano.

Gunter et al., (2012) avaliando o peso ao desmame e eficiência da utilização de nitrogênio em consórcios de trigo e azevém adubados com 110 kg/ha de nitrogênio; trigo, azevém e trevo vermelho (Trifolium pratense L.) e trigo, azevém e trevo branco e encarnado (Trifolium incarnatum L.) adubados com 55 kg/ha de nitrogênio, concluíram que as vacas que pastaram nas pastagens de inverno contendo trevos tendem a desmamar bezerros com mais peso corporal (38 kg a mais) do que vacas que pastaram as pastagens apenas com gramíneas, essa vantagem significa que as vacas alimentadas com trevos produzem 4,8 kg de peso corporal de bezerro/kg de nitrogênio aplicado ao pasto, onde as vacas que pastam apenas gramíneas produzem apenas 1,0 kg de peso corporal de bezerro/kg de nitrogênio.

Fontaneli e Santos (1999), estudando sistemas integração lavoura-pecuária com as rotações soja/milho e trigo/pastagem anual, durante 6 anos sob plantio direto, obtiveram rendimento superior (cerca de 5 a 10%) com novilhos em pastagem de aveia-preta consorciada com ervilhaca (Vicia sativa L.) comparada a pastagem de aveia -preta solteira.

E, Fontaneli e Freire Junior (1991) obtiveram 6,6 t MS/ha com o consórcio de aveia branca-azevém-ervilhaca, 5,8 t MS/ha com aveia branca, azevém e trevo vesiculoso e 5,3 t MS ha com aveia branca, azevém e trevo subterrâneo (Trifolium subterraneum L.), enquanto o consórcio aveia branca e azevém produziu 4,7 t/MS/ha.

Em linhas gerais, as leguminosas estão mais associadas à melhora na qualidade químico-bromatológica do dossel, enquanto o uso do nitrogênio está atrelado ao aumento da produção de massa.

Portanto, a produção animal em pastagem é o resultado da combinação entre o valor nutricional do pasto e a oferta de forragem (ARANHA et al., 2018). Portanto, os sistemas que incluem leguminosas e gramíneas com diferentes ciclos possibilitam resultados positivos em relação à massa de forragem (Diehl et al., 2013).

Conclusão

O consórcio de forrageiras anuais de inverno é uma excelente alternativa para a entressafra no sul do Brasil, pois, além das vantagens ambientais proporcionadas, consegue-se minimizar os efeitos ocasionados pelo vazio forrageiro outonal com espécies precoces, diminui-se assim, o gasto com fertilizantes nitrogenados, fornecendo alimento com qualidade de forragem aos animais, e estendendo-se a produção de pasto até o plantio da cultura de verão, mas somente semeaduras de gramíneas precoces em março/início abril, permitem pastejo ainda no outono.

Para pastejo até meados ao fim da primavera é indispensável a utilização de cultivares de gramíneas tardias, preferencialmente com leguminosas como trevo-vesiculoso e trevo-vermelho. Valor nutritivo da forragem é geralmente alto, atingindo 70% de digestibilidade da matéria seca e proteína bruta superior a 16%, durante o outono e inverno, mas decaem a medida que as gramíneas amadurecem.

Assim, é possível planejar pastagens para cerca de cinco a seis meses de utilização. Todas estas vantagens acarretam na maximização do uso das áreas agrícolas, gerando maior retorno econômico e ambiental ao produtor e à propriedade, pois o sistema se torna mais sustentável, tendo sempre alguma cultura no campo, maximizando o aproveitamento de insumos agrícolas.

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