Cultivada em todo o mundo, a soja (Glycine max (L.) Merrill) é a oleaginosa de maior importância econômica e alimentícia, tornando-se uma das principais “commodities” agrícolas. Atualmente ocupa o primeiro lugar em produção e exportação de grãos.
A produção mundial está concentrada em três países: Argentina, Brasil e Estados Unidos, que juntos, respondem por 82 % da produção e 88 % da comercialização mundial (USDA, 2018). O Brasil produziu 233 milhões de toneladas de grãos na safra 2017/18. A soja representa 50 % deste total. Sendo cultivada em 35 milhões de hectares, a oleaginosa é a principal atividade econômica desenvolvida por produtores de grãos no sul do país.
Juntos, os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são responsáveis por 34 % da área cultivada brasileira (CONAB, 2018). A ocorrência de epidemias causadas por Sclerotinia sclerotiorum (Lib.) Barry (sin. Whetzelinia sclerotiorum) Korf e Dumont, agente causal do mofo-branco, tem aumentado de forma preocupante no sul do país, o que tem contribuído para significativas reduções na produção da soja.
Sua ocorrência tem aumentando particularmente em cultivo sob irrigação via pivô central, semeadura direta e monocultura de soja (Menezes, 1995; Beruski, 2013; Vieira Junior & Fiorentin, 2018). O fungo é um patógeno necrotrófico e cosmopolita, podendo infectar mais de 500 espécies vegetais. No Brasil, há diversos hospedeiros comumente cultivados, dentre eles o feijão (Phaseolus vulgaris L.), a canola (Brassica napus L. e Brassica rapa L.), nabo (Raphanus spp.), o trigo mourisco (Fagopyrum esculentum), o girassol (Helianthus annus L.), o tomate (Solanum lycopersicum L.) e a ervilha (Pisum sativum L.).
Plantas daninhas também podem ser infectadas pelo patógeno, tais como: picão (Bidens spp.), caruru (Amaranthus spp.) e vassoura (Baccharis spp.). O primeiro relato da doença no Brasil, ocorreu no ano de 1921, na cultura da batata (Chaves, 1964). Já a primeira descrição da doença em soja foi na década de 70, no estado do Paraná (Yamachita et al., 1978).
Atualmente, a doença está disseminada em áreas do sul, sudeste, centro oeste e nordeste (Juliatti & Julliati, 2010). O mofo-branco apresenta maior intensidade em áreas de altitude, segundo Zanetti (2009), esta situação foi observada em Minas Gerais, principalmente em lavouras cultivadas acima de 900 m. Outros autores descrevem maior severidade da doença em áreas acima de 600 m, em safras com clima chuvoso e temperatura amena (Julliati & Juliatti, 2010; Machado & Cassetari Neto, 2010).
Estima-se que cerca de 23% de toda área cultivada com soja no Brasil esteja infestada pelo fungo, compondo certa de 7 mi ha que necessitam de medidas integradas de manejo. Os estados mais afetados pelo mofo-branco são Goiás (2 mi ha), Bahia, Mato Grosso e Paraná (1 a 2 mi ha), Minas Gerais (0,5 mi ha) e Mato Grosso do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (0,5 mi ha) (Meyer et al., 2016).
No município de Lagoa Vermelha, RS, levantamento em lavouras comerciais de soja detectou a ocorrência da doença em 100 % das lavouras cultivadas em monocultura de soja (Vieira Junior & Fiorentin, 2018). Acompanhamento de safra em 10 municípios da região nordeste do Rio Grande do Sul (RS), detectou epidemia da doença em 61 % dos 12.760 ha cultivados com soja (Vieira Junior, 2018 - dados não publicados). Sendo assim, o mofo- -branco está presente em 159 mil ha de soja cultivados nestes municípios.
Extrapolando esta informação, estima-se a presença da doença em 256 mil hectares de soja cultivados na mesorregião nordeste do RS. Nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, Cardoso et al. (1994) relataram dano de até 50 % no rendimento de grãos de várias culturas. Na cultura da soja, é relatado dano no rendimento de grãos de até 70 % (Meyer et al., 2016).
A chuva é fator crítico para a ocorrência da doença em regiões onde a soja não é irrigada. A duração do molhamento foliar e a frequência de chuva são fatores mais importantes que o volume total de precipitação ou irrigação (Schwartz & Steadman, 1978). As condições ideais para o desenvolvimento do fungo são temperaturas moderadas, entre 18 e 25ºC, associadas ao solo próximo da capacidade de campo e a elevada umidade relativa do ar. Na cultura da soja, o período de maior vulnerabilidade à infecção vai da floração plena (R2) ao início da formação dos grãos (R5) (Danielson et al., 2004).
Em condições de alta umidade, a colonização ocorre entre 16 e 24 horas após a infecção do tecido floral. O micélio do fungo pode permanecer viável em flores infectadas por até 144 horas em condições desfavoráveis, e retomar seu desenvolvimento quando as condições voltarem a ser favoráveis (Harikrishnan & Del Rio, 2006). Os primeiros sintomas do mofo-branco surgem no ponto de inserção dos pecíolos ou na base das ramificações da haste. Posteriormente, com a colonização do fungo, são observadas áreas descoloridas de cor parda a parda-avermelhada.
Os primeiros sinais surgem na forma de massa de micélio branco, de aspecto cotonoso em hastes, ramos e vagens das plantas atacadas. Com a evolução da doença, surgem por entre o micélio estruturas macroscópicas negras, rígidas e de forma variável, chamadas de escleródios (CHAMBERLAIN, 1973). Estas estruturas são formadas pelo agregado de hifas e deposição de melanina (reduzindo sua permeabilidade), conferindo a eles proteção (BELL & WHEELER, 1986; HENSON et al., 1999).
Os escleródios caem aleatoriamente ao solo conforme ocorre a senescência das plantas e, com a ocasião da colheita, parte destes escleródios são disseminados pelo implemento, parte acompanha as sementes e outra grande quantidade de escleródios permanecem depositados sobre o solo.
A alimentação de animais com resíduos vegetais contendo escleródios não inativa o patógeno durante sua digestão, podendo disseminar o fungo pelas fezes (KORA et al., 2003). A germinação dos escleródios pode ocorrer de duas formas, miceliogênica (PURDY, 1979) e carpogênica (SCHWARTZ & STEADMAN, 1989). A produção de ascósporos depende da formação de apotécios através da germinação carpogênica. Para tal, a dormência exógena dos escleródios deve ser superada (COLEY-SMITH & COOK, 1971). O fungo é disseminado principalmente pelos ascósporos e escleródios.
Os ascósporos são ejetados das ascas e disseminados com ajuda do vento até as plantas e lavouras vizinhas (ATHOW, 1973). As pétalas senescentes presas, geralmente sobre axilas, servem de substrato ao fungo para que posteriormente possa infectar os tecidos do hospedeiro (McLEAN, 1958; BOLAND & HALL, 1988).
O mofo-branco é uma doença monocíclica, que significa que os escleródios formados nas plantas, durante a safra, não germinam e não liberam ascósporos para novas infecções no mesmo ciclo de cultivo da soja (REIS et al., 2011). Apesar da variabilidade genética de cultivares já relatada no Brasil (Garcia et al, 2012) não existem cultivares imunes ao mofo-branco devido à resistência genética ser quantitativa, com moderada a baixa herdabilidade (Milklas, 2001; Pascual, 2010). No entanto, existem cultivares de soja e feijão com níveis de resistência parcial (Juliatti et al., 2016).
Mutantes de S. sclerotiorum, incapazes de produzir ácido oxálico, não produziram escleródios in vitro e não foram patogênicos as plantas (Godoy e tal., 1990; Dickman; Mitra, 1992). Plantas transgênicas de soja, girassol e amendoim em função da incorporação de enzimas de degradação de ácido oxálico e oxalato oxidase, tornaram- -se resistentes ao fungo.
No entanto, houve redução da produtividade com a incorporação dessa enzima (Donaldson et al., 2001; HU et al, 2003; Livingstone et al., 2005). As características agronômicas de cada cultivar podem interferir na intensidade da doença. O risco de infecção é menor em cultivares de ciclo curto e com resistência ao acamamento (HOFFMAN et al., 1998). A época de floração e arquitetura geram diferentes severidades da doença (BOLLAND & HALL, 1987; KIM & DIERS, 2000) O cultivo de soja e espécies vegetais anuais de folhas largas na mesma área por vários anos, favorece o aumento do inóculo de patógenos necrotróficos, incluíndo S. sclerotiorum (Reis & Casa, 2012).
A ausência/presença e a quantidade de palha podem facilitar/ evitar a liberação e transporte do inóculo do fungo. Os danos do mofo-branco, causados por S. sclerotiorum, podem ser minimizados quando uma camada abundante de palha cobre a superfície do solo, dificultando ou impedindo a inoculação (REIS et al., 2011). Görgen et al. (2008) detectou 80 % de escleródios mortos em solo coberto com Brachiaria ruziziensis e 40 % em solo sem o cultivo da gramínea, mostrando a importância da palhada na viabilidade dos escleródios.
Na lavoura, escleródios podem ser atacados e degradados por parasitas como Aspergillus spp., Bacillus spp., Coniothyrium minitans, Trichoderma spp., Sporidesmium sclerotivorum, entre outros (Bae; Knudsen, 2007; Viera Junior et al., 2017; Vieira Junior & Fiorentin, 2018). O parasitismo e a ação de enzimas destes agentes de biocontrole destroem ou inibem a formação de novos escleródios (Lopes et al., 2013).
O parasitismo de escleródios por microrganismos aumenta em ambiente úmido sob gramíneas ou sob palhadas (Jones; Stewart, 2000). A palhada de B. ruziziensis contribui para o aumento de parasitismo dos escleródios por Trichoderma spp. e reduz a formação de apotécios (Görgen et al., 2009). Em estudo da influência da rotação de cultura na produção de apotécios de S. sclerotiorum na cultura da soja, Gracia-Garza et al. (2002) obtiveram redução de 47 % até 80 % no número de apotécios formados.
Levantamento da incidência de mofo-branco em lavouras do município de Lagoa Vermelha, detectou 88 % de redução da doença em áreas conduzidas após uma safra de milho em comparação a monocultura de soja (Vieira Junior & Fiorentin, 2018).
A aplicação de microrganismos antagonistas no controle de S. sclerotiorum também pode ser utilizado. Organismos como Coniothyrium minitans (HUANG et al., 2000; JONES et al., 2004), Gliocladium roseum (HANNUSCH; BOLAND, 1996) e espécies de Trichoderma (BISSET, 1991; LOBO JUNIOR et al., 2009; FIGUEIRÊDO et al, 2010) estão sendo utilizados para controle de fungos que produzem estruturas de resistência. O Uso de Trichoderma pode reduzir em 63% o número de escleródios viáveis (MENENDEZ & GODEAS, 1998).
Controle de 40 % da doença foi obtido com a aplicação de Trichoderma segundo Görgen et al. (2009), 50 % foi obtido por Juliatti et al. (2010) e 70 % por Geraldine et al. (2013). Apesar do controle do mofo-branco da soja estar principalmente relacionado a métodos culturais, como rotação de culturas, escolha da cultivar, época de semeadura, espaçamento e densidade de plantas, o controle químico com fungicidas no tratamento de sementes e aplicação nos órgãos aéreos pode e deve ser utilizado.
Os resultados de pesquisas dos ensaios cooperativos do controle de mofo-branco pela aplicação de fungicidas em órgãos aéreos realizados durante 2009 até 2017 demonstram controle médio de 45 % com tiofanato-metílico (4x), 62 % com procimidona, 68 % com fluazinam, 72 % com fluopiram e 72 % com dimoxistrobina + boscalida (Meyer et al., 2017).
A aplicação de fluazinam aumentou a produtividade da soja atacada por S. scleotiorum, com estimativa metanalítica de 414 kg/ha (média de 18 ensaios conduzidos no Paraná, após duas aplicações). Além disso, dado a estimativa de 77 % de chances de equilíbrio econômico (Tupich et al., 2017). A eficiência do controle químico pode ser influenciada pela densidade de inóculo de S. sclerotioum sobre o solo (COSTA et al., 1998), a qualidade da cobertura do fungicida sobre a planta e pelo caráter preventivo da pulverização do fungicida. As sementes acompanhadas por escleródios ou infectadas por S. sclerotiorum são as principais fontes de inóculo em áreas livres da doença. Na semente, o fungo sobrevive como micélio dormente, com incidência de até 1,5 % em sementes (Juliatti et al., 2016) e 9 % em grãos (Napoleão et al., 2006).
O Laboratório de Patologia de Sementes da Universidade Federal de Lavras – UFLA, detectou 3 % de ocorrência do fungo em 948 amostras de sementes de soja e 1 % em 872 amostras de feijão (Juliatti et al., 2016). O mofo-branco não ocorre em todas as lavouras e safras com a mesma intensidade, sendo necessário o uso de táticas específicas que auxiliem na tomada de decisão, como o sistema de pontuação proposto por Reis (2013) que serve de ferramenta auxiliar na tomada de decisão quanto a necessidade da aplicação de fungicidas.
O produtor deve priorizar o manejo integrado para reduzir o inóculo do fungo e consequentemente a probabilidade de epidemia. Sendo assim, é fundamental intercalar culturas não hospedeiras, formação de palhada para cobertura do solo, preferencialmente de gramíneas, escolha de cultivares de ciclo precoce e com período de florescimento curto, utilização de sementes sadias, tratamento de sementes infectadas com fungicidas específicos, adequada população de plantas e espaçamento entre linhas, uso de microrganismos para parasitismo de escleródios, aplicação de fungicidas em órgãos aéreos e limpeza de implementos e máquinas após utilização em área com epidemia da doença.
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