O Bioma
O Cerrado é um bioma com características muito peculiares de solo, clima e vegetação, tanto que o uso agrícola desse ambiente é relativamente recente, tendo sido iniciado, sobretudo, a partir da década de 1970, o que pode ser considerado um marco do desenvolvimento da pesquisa agropecuária brasileira.
De acordo com dados do IBGE, o Cerrado representa 23,92% do território brasileiro, com área de 203 milhões de hectares, nos Estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Piauí, Bahia, Distrito Federal, e fragmentos nos estados de São Paulo, Paraná, Rondônia, Roraima e Amazonas (Figura 1).
Os solos de Cerrado são naturalmente de baixa fertilidade (RESCK, 1981), com vegetação nativa típica e pastagens de baixa qualidade. As primeiras lavouras de grãos no Cerrado foram estabelecidas com arroz sobre pastagens degradadas, justamente porque o arroz é uma cultura com aptidão para produzir em solos com acidez (FAGERIA, 2001). A soja foi introduzida na década de 1960, proporcionando melhorias no solo das pastagens degradadas (GUIMARÃES, 1999); com o aproveitamento da infraestrutura, ociosa no outono-inverno, o trigo foi introduzido após a soja (TOMASINI, 1982).
O trigo continuou a ser cultivado até a década de 1980, quando perdeu incentivos do Governo Federal e foi substituído pelo milho safrinha em sucessão à soja na década de 1990. Outras culturas como sorgo, milheto, aveia, crotalária, feijão-caupi, etc., têm sido utilizadas em sucessão à soja, mas o milho predomina na preferência dos agricultores.
No Cerrado, o milho já foi cultivado no verão, mas perdeu lugar para a soja devido à maior competitividade econômica dessa cultura. As altas temperaturas noturnas observadas nesse período, reduzem a capacidade do milho armazenar fotoassimilados, impactando negativamente na sua produção.
A Sucessão soja/milho safrinha
A soja cultivada no verão e o milho no outono-inverno compõem a sucessão soja/milho safrinha (DUARTE et al., 2011) e são responsáveis pela maior economia agrícola do Cerrado Brasileiro.
Uma sucessão de culturas não é um sistema de cultivo perfeito, sob os princípios do Sistema Plantio Direto (SPD). Mas no caso da sucessão soja/milho safrinha há benefícios que vão além da grande importância econômica. A soja fixa nitrogênio atmosférico e o milho produz a maior quantidade de palha, mais do que a maioria das culturas utilizadas no SPD, como trigo, aveia ou soja.
Dessa forma, o milho é considerado como a melhor cultura para o SPD (CRUZ, 1999), tanto que Salton et al. (2012) não encontraram diferenças na densidade e porosidade do solo, em cultivo solteiro ou consorciado com diferentes forrageiras perenes. Os autores apenas encontraram maior tamanho médio de agregados do solo quando o milho estava consorciado com Brachiaria ruziziensis.
Na safra 2017/2018, a soja foi cultivada em 10,3% da área de Cerrado (21,3 milhões de hectares), o milho safrinha em sucessão à soja totalizou 4,2% (8,7 milhões de hectares). Nesta mesma safra, a produção de grãos de soja e milho safrinha foi de 129,8 milhões de toneladas (CONAB, 2018), demonstrando a importância dessas culturas.
O milho safrinha
O milho safrinha é cultivado desde a década de 1990 na região Centro-Oeste, em solos com topografia plana, de média a alta fertilidade e textura argilosa. A partir da década de 2000 é cultivado também nos chapadões do Cerrado, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde existem solos de textura mista, como os argilo-arenosos.
No entanto, com a utilização desses solos para produção de grãos faz-se necessário dedicar maior atenção à sua proteção e fertilização. A produtividade média do milho safrinha tem aumentado gradativamente, mas não de maneira contínua. Os estresses abióticos têm sido bastante severos em determinados anos, devido à ocorrência de seca e/ou geadas, reduzindo a produtividade em determinadas anos e regiões (Figura 2).
De maneira geral, quanto mais ao Sul do Bioma Cerrado, menores serão as temperaturas enfrentadas pela cultura, inclusive com risco de geadas, enquanto mais ao Norte/Nordeste são maiores os riscos de deficiência hídrica. A época de semeadura do milho safrinha influencia na sua produtividade de grãos, diminuindo com o atraso do plantio.
Todavia, a época de semeadura do milho safrinha depende da colheita da soja cultivada no verão. Com a utilização de cultivares de soja de crescimento indeterminado e ciclo precoce tornou-se possível antecipar a semeadura e também a colheita da soja e, com isso, o milho safrinha também tem sido semeado em épocas que proporcionam condições ambientais para maiores produtividades. Historicamente, o curto espaço de tempo entre a colheita da soja e a semeadura do milho safrinha induziu o agricultor à semeadura direta do milho safrinha.
Essa modalidade de cultivo tem sido melhorada com sua evolução, mas a manutenção da qualidade do solo tem sido um desafio constante. Os investimentos realizados por empresas e instituições envolvidas com o sistema de produção de milho, através do lançamento de novos híbridos mais produtivos e as tecnologias Bt introduzidas, reduzindo injúrias causadas pelas pragas, permitiram também maiores produtividades.
Em contrapartida, tem aumentado o uso de insumos, principalmente fertilizantes, inseticidas e fungicidas, onerando ainda mais o custo de produção, requerendo maiores produtividades para que a atividade seja lucrativa.
Com torna-se importante trabalhar o solo como fonte de recursos para obter altas produtividades. O conceito atual de solo requer qualidades físicas, químicas e biológicas, mas na sucessão soja/milho safrinha ainda existem oportunidades para melhoria. Isto porque, do ponto de vista operacional, a soja pode ser semeada tão logo o solo tenha condições de umidade.
Porém, a colheita da soja e a semeadura do milho safrinha são realizadas em período chuvoso do ano, o que dificulta realizar operações mecanizadas com solo em condições ideais de trabalho, degradando assim os atributos físicos do solo e, consequentemente, os atributos químicos e biológicos.
Não obstante, a colheita do milho safrinha é realizada em condições de solo seco, e nem sempre há condições para estabelecer uma cultura para cobertura do solo. Com isso, o solo fica desprotegido entre a colheita do milho safrinha e a semeadura da próxima soja.
A semeadura simultânea do milho com uma forrageira perene, como a Brachiaria ruziziensis tem sido uma das estratégias utilizadas pelos agricultores para manter o solo coberto e manter o milho como cultura de interesse econômico. O consórcio milho-braquiária é uma tecnologia reconhecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) através do Zoneamento Agrícola de Risco Climático, que permite identificar os locais em que a tecnologia pode ser utilizada, tendo financiamento e seguro para a lavoura nos estados da região Centro-Oeste, mais Paraná e São Paulo, mas ainda em avaliação para outras regiões.
Além disso, braquiária cultivada com o milho safrinha é uma tecnologia aliada à tecnologia Bt, visto que a braquiária é preferida pela lagartado-cartucho (Spodoptera frugiperda), tornando-a alvo de fácil controle pelo inseticida.
No cultivo consorciado, após a colheita do milho, a braquiária permanece crescendo, mesmo em período de seca, por ter se estabelecido durante o cultivo do milho (CECCON, 2007) e estar retirando água em maiores profundidades do solo. Este consórcio apenas proporciona cobertura ao solo, que já é um avanço do ponto de vista dos princípios do plantio direto, mas sem realizar rotação de culturas porque o milho permanece na área.
Porém, essa braquiária pode ser mantida na área como pastagem, para fazer a rotação de culturas para a sucessão soja/milho safrinha. A cobertura permanente do solo, proporcionada pelo milho e braquiária, auxilia no controle de plantas daninhas, principalmente de buva (Coniza spp.), entre outras que germinariam logo após a maturação do milho e/ou na semeadura da soja.
Além disso, o equilíbrio biológico no solo pode reduzir o predomínio de pragas, auxiliando no controle também de nematoides. O milho safrinha tem exercido papel fundamental para a evolução do Sistema Plantio Direto e preservação do Cerrado Brasileiro.
Ele traz melhorias no sistema de produção, por maximizar a estrutura de máquinas e de pessoal na propriedade, e quando consorciado com uma forrageira aumenta a produtividade da soja em sucessão. Com isso, mantem o agricultor gerando riqueza para sua família e para a sociedade
Referências
CECCON, G. Milho safrinha com solo protegido e retorno econômico em Mato Grosso do Sul. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, ano 17, n. 97, p. 17-20; jan/fev. 2007. CONAB. Séries históricas. Brasília, DF, 2018. Disponível em: . Acesso em: 15
CRUZ, J. C. No plantio direto o milho é o melhor. Cultivar, n. 8, p. 28-29, set. 1999. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2018.
DUARTE, A. P.; GERAGE, A. C.; CECCON, G.; SILVA, V. A.; CRUZ, J. C.; BIANCO, R.; SOUZA, E. D.; PEREIRA, F. C.; SOARES FILHO, R. Milho safrinha. In: CRUZ, J. C.; MAGALHÃES, P. C.; PEREIRA FILHO, I. A.; MOREIRA, J. A. A. (Ed.). Milho: o produtor pergunta, a Embrapa responde. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica; Sete Lagoas: Embrapa Milho e Sorgo, 2011. p. 307-327.
FAGERIA, N. K. Efeito da calagem na produção de arroz, feijão, milho e soja em solo de cerrado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, DF, v. 36, n. 11, p. 1419-1424, nov. 2001.
GUIMARÃES, A. V. Mato Grosso do Sul: sua evolução histórica. Campo Grande, MS: UCDB, 1999. 283 p. IBGE. Mapa de biomas e de vegetação. [Rio de Janeiro], 2004. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2018.
RESCK, D. V. S. Parâmetros conservacionistas dos solos sob vegetação de Cerrado. Brasília, DF: Embrapa Cerrados, 1981. 48 p. (Embrapa Cerrados. Documentos, 7).
SALTON, J. C.; KICHEL, A. N.; COSTA, A. R. Consórcio de milho com forrageiras na entressafra e atributos físicos e químicos do solo. In: CONGRESO LATINO AMERICANO DE LA CIENCIA DEL SUELO, 19.; CONGRESO ARGENTINO DE LA CIENCIA DEL SUELO, 23., 2012, Mar del Plata. Latinoamerica unida pretegiendo sus suelos. [S.l.: s.n., 2012]. v. 1, p. 1-6.
TOMASINI, R. G. A. Evolução histórica e aspectos econômicos. In: OSÓRIO, E. A. (Coord.). Trigo no Brasil. Campinas: Fundação Cargil, 1982. p.1-26.