Introdução
É fato que manter o solo da lavoura com cobertura vegetal pelo máximo tempo possível é essencial para o controle da erosão, e se essa cobertura for manejada da forma correta, trará vários benefícios para as principais culturas (soja, milho ou feijão, por exemplo). Porém, escolher a espécie de planta mais adequada para inserir na área entre os períodos de cultivo comercial pode não ser uma tarefa muito fácil, considerando a variedade de espécies sendo comercializadas de forma individual ou consorciadas. Para contribuir com informações que possam ajudar na escolha, elaboramos este breve artigo que apresenta alguns aspectos importantes das plantas de cobertura.
Determinando o objetivo
Um dos primeiros questionamentos que o agricultor deve se fazer no momento de escolher a cobertura que virá depois da colheita é: “qual o objetivo da minha cobertura?”. Isso porque nem todas as espécies podem auxiliar em todos os objetivos da cobertura. Às vezes, determinada planta pode servir apenas para uma ou duas funções, e se você tem um objetivo definido, fica mais fácil “riscar” essa espécie da lista. Alguns possíveis objetivos a serem atingidos com plantas de cobertura são: controle da erosão, aumento da quantidade de palha, maior velocidade de decomposição da palha, aumento de matéria orgânica do solo, melhoria da estrutura física do solo, aumento de nitrogênio no solo, ciclagem de nutrientes e controle de pragas e doenças. Perceba que a diversidade de funções é grande, e considerando isso é fácil perceber que uma cobertura para controle da erosão pode não ser tão boa para controle de pragas e doenças, ou pode não ciclar tão bem os nutrientes. Tudo depende da situação e da espécie. Note também, que algumas funções podem e irão acontecer simultaneamente, como o controle da erosão em função do aumento da quantidade de palha. Vamos falar um pouco sobre cada objetivo:
a) Controle da erosão: Talvez o objetivo principal de uma cultura de cobertura seja reduzir o impacto das gotas de chuva e o escorrimento superficial. Essa é uma função que de certa forma todas as espécies proporcionam. A questão é: qual o nível de controle que cada uma oferece? Se a área plantada tem um declive muito acentuado, com risco alto de erosão, é importante que a cultura escolhida produza grande volume de parte aérea para que as folhas e caules sirvam como anteparo para a chuva. Utilizando plantas que produzem muita massa verde, a tendência é que as raízes dessas plantas tenham volume proporcional, o que é positivo, pois as raízes ajudam a “segurar” o solo no lugar, diminuindo a desagregação e também o transporte de partículas pela água.
b) Aumento de palhada: O aumento da palhada em si não é um objetivo final, pois ele gera outros benefícios indiretamente, como o próprio controle da erosão e aumento da matéria orgânica. A cobertura morta, assim como a cobertura viva, serve de anteparo para chuva, reduzindo o impacto das gotas. A palha também auxilia na manutenção da matéria orgânica e da biologia do solo, pois ela impede o aumento exagerado da temperatura na superfície do solo durante o dia, além de conservar a umidade. Isso cria um ambiente favorável para a micro e macro fauna do solo e para as próprias raízes. Para promover o aumento da quantidade de palha, é importante utilizar espécies que consigam gerar o máximo de massa verde no menor tempo possível. Uma série de plantas utilizadas como forrageiras tem essa característica e podem ser uma opção viável para ganhar algumas toneladas de palha em um período curto.
c) Maior velocidade da decomposição da palha: Em contraponto ao objetivo anterior podemos, através da escolha de determinadas espécies, obter a decomposição mais rápida da palhada. Quando feita com cuidado e em situações específicas, a diminuição do volume de palha sobre a superfície do solo pode ser benéfica. Uma decomposição mais rápida resulta na liberação de nutrientes também de forma mais rápida. Além disso, em certas situações, como na germinação do milho, é importante a quantidade menor de palha para que o solo atinja a temperatura mínima para o estabelecimento das plantas. Outro ponto é que a decomposição rápida da palha pode auxiliar em diminuir o inóculo1 de doenças necrotróficas2 que estejam causando problemas na área. Para auxiliar a decomposição da palha, é importante utilizar espécies com baixa e média relação C/ N3, como exemplo, as leguminosas (ervilha, ervilhaca, tremoço, trevos) e crucíferas/brássicas (nabo forrageiro, nabiça, mostarda). Essas plantas aceleram o processo de decomposição pelos microorganismos do solo por terem uma quantidade maior de nitrogênio por quantidade de carbono.
d) Aumento da matéria orgânica do solo: O aumento da matéria orgânica se dá pela adição de resíduos animais e vegetais no solo, que com o tempo atingem estágios diferentes de decomposição até adquirirem uma forma estável de matéria orgânica. A matéria orgânica no solo traz uma série de benefícios, como exemplo, a mineralização de nutrientes, ou seja, a matéria orgânica, dependendo de condições de umidade e temperatura, libera nutrientes como nitrogênio, fósforo, boro e enxofre em formas absorvíveis e assimiláveis pelas plantas. Além disso, a matéria orgânica aumenta consideravelmente a quantidade de cargas no solo, reduzindo a lixiviação de nutrientes no perfil. Outro ponto é que a matéria orgânica aumenta a infiltração e retenção de água no solo. As plantas ideais para ocasionar o aumento da matéria orgânica são, também, plantas que produzem grande quantidade de massa verde, mas em especial plantas que fixem nitrogênio e/ou ciclem nutrientes, combinadas com plantas de decomposição lenta.
e) Melhoria da estrutura física do solo: A infiltração e retenção de água, que depende da estruturação física do solo, pode ser melhorada inserindo diferentes espécies com diferentes volumes e profundidades de raízes na mesma área ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante buscar não apenas plantas que tenham raízes agressivas e profundas, mas também plantas que estabeleçam grande quantidade de raízes secundárias. O milheto e o nabo forrageiro, por exemplo, tem algumas dessas características.
f) Aumento do nitrogênio no solo: O aumento da quantidade de nitrogênio no solo se dá pela inserção de plantas leguminosas no sistema. Essas espécies têm bactérias no sistema radicular que trazem nitrogênio da atmosfera para as plantas, e quando essas plantas morrem, o nitrogênio que foi incorporado nelas é passado para o solo, imobilizado em compostos orgânicos ou mineralizado na forma de nitrato ou amônio. Essas plantas são úteis, especialmente quando inseridas antes de culturas que necessitam muito nitrogênio, como o milho, pois elas liberam nitrogênio muitas vezes em quantidades suficientes para suprir a demanda da cultura. Exemplos incluem ervilhaca, ervilha, tremoço, trevos e crotalária.
g) Ciclagem de nutrientes: Uma forma de melhorar a fertilidade da camada superficial do solo é utilizando plantas que sejam eficientes na ciclagem de nutrientes. Ciclar nutrientes nada mais é do que quando a planta absorve nutrientes em profundidade com suas raízes e traz o nutriente para o caule e folhas. Após a morte da planta, esse nutriente que uma vez estava no fundo, agora está no topo, mais facilmente disponíveis para outras culturas. As melhores espécies para essa tarefa são as espécies com raízes naturalmente profundas, tais como o milheto e nabo forrageiro.
h) Controle de pragas, doenças e plantas daninhas: O controle de plantas daninhas por meio de cultivos de cobertura se dá por basicamente dois princípios: competição das invasoras com a cultura por água, luz e nutrientes, e alelopatia, que é a liberação de substância de uma planta que inibe as outras. Nesse sentido, para reduzir o problema com plantas daninhas, qualquer espécie de cobertura que consiga impedir a chegada de luz às plantas daninhas já é eficiente no controle. Cuidado com espécies que liberam substâncias alelopáticas para evitar problemas na germinação da cultura principal. Em relação à pragas e doenças, é importante conhecer o ciclo do patógeno ou da praga, e quais são as plantas hospedeiras. Dessa forma, você seleciona as plantas que os insetos-praga e as doenças não conseguem utilizar, cortando o ciclo delas. Algumas plantas são naturalmente tolerantes a doenças que atingem várias espécies. Buscar se informar quais plantas são melhores para quais doenças é um ponto importante nesse sentido.
A partir desse ponto, trabalharemos com um exemplo. Imaginamos que em uma propriedade o objetivo seja melhorar a fertilidade química do solo: o produtor que acrescentar nitrogênio e “puxar” nutrientes da subsuperfície. Ele pesquisou um pouco e conversou com alguns colegas e vizinhos, até que encontrou algumas espécies que poderia inserir no sistema: ervilhaca comum, ervilhaca peluda, tremoços, milheto, centeio e nabo forrageiro. Agora que o objetivo foi escolhido, é o momento de ele ver se as opções selecionadas são viáveis no sentido agronômico.
Verificando a espécie para a região e para a propriedade
Sabemos que cada espécie e cada variedade de planta tem um clima e um solo no qual se desenvolve melhor. Isso é valido para as plantas de cobertura também. Após escolher as plantas que se encaixam no seu objetivo, você deve descobrir quais delas tem boa adaptação à sua região, e mais, quais delas teriam boa adaptação ao tipo de solo e clima específico da sua propriedade. Recomenda-se, por isso, testar uma nova planta apenas em parte da área total, de forma que, se a espécie não tiver uma boa adaptação às condições da propriedade, você não terá tantos problemas com a cobertura. Algumas espécies de cobertura são mais rústicas que outras. Para solos com menor fertilidade, muito compactados, com falta ou excesso de chuvas, as plantas consideradas como mais resistentes são ideais para que a população não fique muito baixa no momento em que seja necessário cumprir a principal função da cobertura: o controle da erosão. Continuando com o exemplo anterior, em que as opções possíveis eram ervilhaca comum, ervilhaca peluda, tremoços, milheto, centeio e nabo forrageiro, vamos imaginar que a propriedade se localize em uma região que faz muito frio, que chova muito durante o outono e inverno e que o solo seja muito argiloso: algumas dessas espécies podem sofrer e não se desenvolverem. Vamos dizer que nessa situação, o agricultor descobriu que as espécies que melhor se adaptam são a ervilhaca comum, o centeio e o nabo forrageiro. E agora, qual é o próximo passo?
Ajustando ciclos
Agora que temos o objetivo definido, e sabemos quais as plantas que melhor se adaptam a nossa situação, devemos pensar como implementar essa solução na prática. Cada espécie e cada variedade tem seu próprio ciclo, que pode variar em função do ambiente no qual elas estão inseridas. Nesse sentido, você deve pensar qual o período disponível na lavoura: quando você colhe e quando você planta a cultura principal naquela área? Qual vai ser a cultura escolhida: soja, milho, feijão? Qual a variedade escolhida? Considere essas perguntas para ter claro quantos dias a área vai estar livre para se inserir a cultura de cobertura. Se for muito tempo, você deve pensar em plantas com ciclo longo, ou em ao menos duas espécies com ciclo curto, de forma a nunca deixar a área vazia. Exemplificando: Digamos que você vai colher soja entre os dias 10 e 15 de março, e depois vai plantar soja novamente entre 10 e 15 de novembro. Com isso, você tem aproximadamente 8 meses ou 240 dias. Em uma situação assim, você pode inserir duas culturas de cobertura com ciclo aproximado de 120 dias e manejar a segunda cultura de forma que ela não atrapalhe o plantio da próxima safra de soja. Agora, se você for plantar milho ao invés de soja nessa mesma área, você provavelmente teria um período mais curto para organizar a cobertura. Outra possibilidade seria plantar soja mais cedo, de forma a realizar uma segunda safra de milho, como é feito em algumas regiões do país. Nesse caso, o plantio de uma cobertura teria de ser readequado de forma a entrar após a colheita de milho, que será mais tarde do que o exemplo anterior. Além de saber quantos dias aproximadamente dura o ciclo da planta escolhida, é importante saber qual a melhor época para o plantio. Se a espécie for plantada fora de época, ela talvez tenha dificuldade de se estabelecer, e isso pode comprometer a população de plantas. Seguindo com o nosso exemplo, analisamos os ciclos das opções: O centeio tem ciclo que varia entre 140 e 160 dias até a maturação e é plantado de março a maio no sul; o nabo por outro lado normalmente em 120 dias já alcança a maturação, mas seu plantio também pode ser feito de março a maio. A ervilhaca, de todas as opções que escolhemos é a planta com ciclo mais longo: ela demora 140 a 160 dias apenas para chegar ao florescimento, mesmo seu plantio sendo de março a maio. Poderíamos então ajustar da seguinte forma: plantar o nabo logo após a colheita da soja, entre os dias 15 e 20 de março, e plantar o centeio sobre o nabo, de 15 a 20 de maio. Dessa forma, o nabo irá se desenvolver trazendo os nutrientes em profundidade para a superfície até maio, e o centeio poderia entrar no sistema, terminando seu ciclo logo antes do plantio da soja, entre 10 e 15 de novembro.
Mas e quanto custa isso?
Perceba que além do planejamento para “encaixar” as espécies no tempo, é importante ter em mente o custo que implantar uma cobertura representa. Apesar de ser um investimento com retorno garantido ao longo do tempo, determinadas espécies podem ter um custo elevado para certas propriedades, ao menos no início. A partir de agora trata-se de matemática: descubra o custo do quilo de semente de cada uma das espécies que você deseja inserir, assim como a recomendação de semente por área. Multiplique esses dois valores, e você terá o custo por área de cada uma das espécies de cobertura. Vamos finalizar o nosso exemplo: o agricultor escolheu implantar o nabo forrageiro e depois centeio antes da cultura de verão. Agora, em um levantamento que fez na região de Passo Fundo, no RS, o custo da semente de nabo forrageiro foi R$ 3,30/kg, e a recomendação para o plantio a lanço é 15-20 kg/ha. O centeio, por outro lado, tem o custo de R$ 2,50/kg, e a recomendação é 60 kg/ha. Dessa forma, o custo do nabo por hectare ficou em R$ 60,00, e o do centeio em R$ 150,00. Somando os dois valores, tem-se o custo para implantação da cobertura.
Considerações finais
Agora que definimos tudo isso, pode-se pensar em todas as funções que essa cobertura vai proporcionar, além do objetivo específico: essa cobertura vai auxiliar no controle da erosão, vai deixar aproximadamente 5 a 8 t/ha de palha, vai impedir o crescimento de plantas daninhas, vai melhorar a estrutura do solo em diferentes profundidades, e mais importante, irá ciclar nutrientes das camadas mais profundas, isso tudo com o custo de R$ 210,00/ha. O problema com a utilização de plantas de cobertura é que não é fácil medir com precisão o retorno que se está tendo em termos de fertilidade, controle da erosão, controle de doenças, ou qualquer que seja o objetivo escolhido. Por vezes, o custo pode parecer alto demais para algo que não lhe dará retorno imediato. No entanto, o que os resultados de pesquisa de mais de 30 anos e a experiência que os diversos agricultores referência têm com o uso de plantas de cobertura, mostram que investir na conservação e na fertilidade do solo compensa. Temos em mente que existem muitas outras perguntas que poderíamos nos fazer para realizar uma escolha mais precisa de espécies para cobertura do solo. Por isso, em artigos futuros, mostraremos alguns raciocínios mais elaborados, resultados de pesquisas e experiências de produtores.
1Inóculo: Estrutura que pode dar origem a uma doença.
2Doença necrotrófica: Doença que se alimenta de tecidos mortos.
3Relação C/N: Proporção entre carbono e nitrogênio em determinada planta/palhada
Referências
ALVARENGA, R. C.; CABEZAS, W. L.; CRUZ, J. C.; SANTANA, D. P.; Plantas de cobertura de solo para sistema plantio direto. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.22, n.208, p.25-36, jan/fev. 2001
BARROS, T. D.; JARDINE, J. G. Agência Embrapa de Informação Tecnológica. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/agroenergia/arvore/CONT000fbl23vn002wx5eo0sawqe38tspejq.html
NASCIMENTO JR. A. Sistemas de Produção Embrapa – Centeio. Disponível em: https://www.spo.cnptia.embrapa. br/conteudo?p_p_id=conteudoportlet_WAR_sistemasdeproducaolf6_1ga1ceportlet&p_p_lifecycle=0&p_p_ state=normal&p_p_mode=view&p_p_colid=column-1&p_p_col_count=1&p_r_p_-76293187_sistemaProducaoId=37 02&p_r_p_-996514994_topicoId=3014#