Caracterização e manejo de azevém (Lolium multiflorum L.) resistente a herbicidas em áreas agrícolas


Autores: Leandro Vargas; Jonas Rodrigo Henckes; Maicon Fernando Schmitz; Cristiano Piasecki; Joanei Cechin; Jonathan Torchelsen; Dirceu Agostinetto
Publicado em: 30/04/2018

Caracterização da espécie

O gênero Lolium pertencente à família Poaceae, apresenta como centro de origem o sul da Europa, Ásia menor e norte da África. São oito espécies que compõe este gênero, sendo L. perenne, L. rigidum e L. multiflorum alógamas. L. persicum, L. remotum, L. loliaceum e L. temulentum autógamas, enquanto L. canariense apresenta modo de reprodução intermediário (POLOK, 2007). Destas espécies, L. perenne e L. multiflorum são as que apresentam ampla distribuição geográfica, em regiões de clima temperado, devido à importância econômica como plantas forrageiras (CALLOW, et al., 2000). Lolium multiflorum (azevém) é planta anual ou bianual, reproduzida por sementes.

Possui fecundação cruzada ou alogamia que proporciona elevada heterozigose dos indivíduos, resultando em grande variabilidade na população (VARGAS; MORAES; BERTO, 2007). Fisiologicamente o azevém apresenta rota metabólica C3 e morfologicamente é caracterizado por ser planta herbácea, glabra, possuindo sistema radicular fasciculado e hábito de crescimento cespitoso ereto (CAUDURO et al., 2007). Os colmos são eretos, cilíndricos e sem pelos; a bainha é estriada e fechada com lígula curta e esbranquiçada; a lâmina foliar é estreita, glabra, de ápice agudo com coloração verde-brilhante; a inflorescência é uma espiga do tipo dística, apresentando duas carreiras de espiguetas multiflorais, com flósculos e lemas aristadas, contendo estames e pistilo protegidos pela palha (FONTANELI; SANTOS; FONTANELI, 2012).

Importância econômica e manejo

O azevém se destaca pela sua importância como forrageira de inverno e também pelo fornecimento de palha para o sistema de plantio direto sendo cultivada em diversas regiões de clima temperado (LUBBERSTEDT; SCHEJBEL; BACH, 2003). No sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) a espécie se desenvolve de forma espontânea ou cultivada na maioria das áreas agrícolas no período de inverno e primavera, apresentando ciclo anual (VARGAS et al., 2006).

É considerada planta daninha quando presente nos demais cultivos de inverno causando sérios prejuízos à produtividade e a qualidade dos grãos colhidos devido à elevada capacidade de competição (RIGOLI et al., 2008). Compete com a cultura do trigo e outros cereais de inverno pelos recursos do meio como água, luz e nutrientes e também interfere no estabelecimento de culturas de verão como soja e milho na pré-semeadura e emergência, interferindo no estabelecimento dessas culturas (Figura 2).

Devido ao manejo químico ser a ferramenta de controle mais utilizada, muitas populações da espécie, em todo o mundo, estão se tornando resistentes aos poucos herbicidas pós emergentes que existem no mercado para o controle da espécie, dificultando o seu controle (KAUNDUN et al., 2013). A ocorrência de biótipos resistentes a herbicidas torna-se um agravante, pois estes possuem a capacidade de se reproduzir e de disseminar novos indivíduos (VARGAS et al., 2009).

No Brasil, o primeiro caso de resistência foi relatado em 2003, onde foram identificados biótipos de azevém resistente ao glyphosate em lavouras de culturas anuais e em pomares (ROMAN, et al., 2004; HEAP 2017). Devido a essa resistência, os herbicidas inibidores da ACCase e ALS passaram a ser usados em maior escala como alternativa de controle desses biótipos resistentes. Porém, o uso contínuo desses herbicidas selecionou plantas de azevém resistentes aos inibidores da ALS em 2010. Recentemente a situação da resistência se agravou, sendo que foram registrados casos de resistência múltipla aos herbicidas inibidores da ACCase e EPSPS em 2011; ALS e ACCase em 2016; e EPSPS e ALS em 2017 (HEAP, 2017).

Os biótipos de azevém resistentes ao herbicida glyphosate estão presentes em mais de 80% das lavouras de soja do Estado do RS e os que possuem resistência múltipla estão em mais de 30%. O aumento da presença desta espécie nas lavouras comerciais associado à baixa perspectiva de lançamento de novas moléculas herbicidas especificamente para o controle do azevém representa um grande impacto econômico e técnico na agricultura brasileira (DIONISIO et al., 2013). Os casos de resistência múltipla, estão se tornando mais frequentes nos últimos anos e representam uma ameaça para a agricultura apresentando impacto direto no manejo. Este fato é preocupante, pois reduz as alternativas de manejo químico para estas populações, juntamente com o aumento das perdas de produtividade nas culturas devido a presença de plantas daninhas nos cultivos e aumento dos custos de controle.

Além das dificuldades de controle devido à resistência, os custos de controle aumentam devido à necessidade da aplicação de herbicidas com diferentes mecanismos de ação daqueles para os quais já temos resistência documentada. Nesse contexto, o uso de diferentes métodos de controle de plantas daninhas (como por exemplo métodos físicos para evitar a produção de sementes dos biótipos resistentes) é fundamental para evitar a seleção, multiplicação e dispersão de plantas resistentes (HENCKES et al., 2017).

O surgimento de plantas de azevém com resistência múltipla aumentou sua importância e o manejo deve ser feito com antecedência de 15 a 20 dias para evitar os efeitos negativos sobre a cultura como alelopatia e competição e também para que se possa usar medidas corretivas nos casos em que o controle não seja satisfatório. Cada caso de resistência necessita a utilização de diferentes herbicidas (Tabela 1).

Quando há casos de resistência a EPSPs é necessária a adição de herbicidas inibidores da ACCase, ou aplicações isoladas de paraquat, paraquat+diuron ou glufosinato de amônio para a dessecação. Na utilização de paraquat, paraquat+diuron e glufosinato deve-se observar o estádio de aplicação, utilizando esses herbicidas em plantas jovens de azevém, preferencialmente no início do perfilhamento. Já em casos de resistência múltipla aos inibidores da EPSPs e ALS, temos como alternativas o uso em dessecação de paraquat, paraquat+diuron e glufosinato, ou glifosato associado com herbicidas inibidores da ACCase.

Alguns desses herbicidas, como o haloxifope, possuem efeito residual e prejudicam a cultura do milho e devem ser aplicados em torno de 20 dias antes da semeadura. Em pósemergência deve-se evitar o uso dos inibidores da ALS. Quando ocorre a resistência múltipla aos inibidores da EPSPs e ACCase, também sobram o paraquat, paraquat+diuron e glufosinato para uso em dessecação e os inibidores da ALS para uso em pósemergência de acordo com a cultura. Em alguns casos de resistência a ACCase, o azevém pode apresentar resistência para apenas um grupo químico, desta forma, se o azevém não é controlado pelos ariloxifenoxipropionatos (Fop’s), pode ser sensível as ciclohexanodionas (Din’s) e vice-versa.

Deve-se ter conhecimento prévio do histórico de aplicações na área para recomendação desse tipo de manejo, e também é preciso observar o intervalo entre a aplicação do herbicida e a semeadura, para evitar injúrias à cultura. Para pós-emergência deve-se evitar clodinafop-propargil em áreas com suspeitas de resistência a ACCase (HENCKES et al., 2017). Em casos de resistência a ALS e ACCase, no manejo de dessecação seguem-se as mesmas recomendações, para azevém resistente a ACCase.

Porém para pós-emergência o uso de herbicidas inibidores da ALS ou ACCase, somente é recomendando após o conhecimento prévio de quais grupos químicos está ocorrendo a resistência, e ainda se o biótipo presente na área apresenta resistência simples ou cruzada para aquele mecanismo de ação. Frente a situação atual de resistência de azevém, a aplicação de herbicidas pré-emergentes é ferramenta importante para reduzir a pressão de seleção na pós-emergência. Atualmente alguns herbicidas como pyroxasulfone e pinoxadem estão em fase de registro no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Pyroxasulfone é um novo herbicida pré-emergente e possui um mecanismo diferente dos que são utilizados atualmente e auxiliará no manejo de azevém resistente. Pinoxadem apresenta seletividade para trigo e cevada em aplicações na pósemergência, atuando como herbicida inibidor da ACCase mas em um novo grupo químico, o das Fenilpirazolinas (Den’s). Esses herbicidas auxiliarão no manejo de azevém resistente a ALS, e para ACCase quando o mecanismo de resistência não seja metabolização do herbicida (HENCKES et al., 2017).

Atenção especial dever ser dada ao glufosinato de amônio que além de apresentar limitações com relação ao estágio de aplicação, já possui casos de resistência de azevém documentados nos Estados Unidos, dessa forma deve-se evitar seu uso continuado e repetido fazendo rotação com outros herbicidas como paraquate. Devido a evolução da resistência do azevém aos herbicidas, devese aliar outros métodos de manejo como o físico e cultural, juntamente com o químico buscando um planejamento de todo o sistema e a longo prazo.

Métodos esses que visem reduzir a produção de sementes dessas plantas levando a diminuição da quantidade de sementes no banco de sementes, diminuindo assim gradativamente a presença dessas plantas na lavoura. Outra ferramenta importante é a rotação de culturas que permite a utilização de herbicidas com diferentes mecanismos de ação favorecendo o manejo e diminuindo a pressão de seleção dos herbicidas sobre as plantas. Práticas como essas visam mitigar os efeitos da resistência de plantas daninhas buscando manter a sustentabilidade e rentabilidade das lavouras para os produtores.

Referências

CALLOW, M.N.; MICHELL, P.; BAKER, J.E.; HOUGH, G.M. The effect of defoliation practice in Western Australia on tiller development of annual ryegrass (Lolium rigidum) and Italian ryegrass (Lolium multiflorum) and its association with forage quality. Grass and Forage Science, v. 55, n. 1, p. 232-241, 2000.

CAUDURO, G.F.; CARVALHO, P.C. DE F.; BARBOSA, C.M.P.; LUNARDI, R.; NABINGER, C.; SANTOS, D.T. dos; VELLEDA, G.L. Fluxo de biomassa aérea em azevém anual manejado sob duas intensidades e dois métodos de pastejo. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 36, n. 2, p. 282-290, 2007.

DIONISIO, G. et al. Manejo de plantas daninhas resistentes ao glifosato no Brasil. In: RÍOS, A. Viabilidad del glifosato em sistemas productivos sustentables. INIA. p. 111-118, 2013. FONTANELI, R.S.; SANTOS, H.P. DOS.; FONTANELI, R.S. Morfologia de gramíneas forrageiras. In: Forrageiras para Integração Lavoura-PecuáriaFloresta na Região Sul-Brasileira. Brasília: Embrapa, p. 544, 2012. HEAP, I. International survey of herbicide resistant weeds. Disponível em: . Acesso em: 25 ago . 2017.

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LUBBERSTEDT, T.; SCHEJBEL, A. B.; BACH, H. P. Development of ryegrass allell especific (GRASP) markers sustainable grassland improvement: a new EU framework V Project. Genetics and Plant Breeding, v. 39, p. 125- 129, 2003.

POLOK, K. Molecular evolution of the genus Lolium sp. Olsztyn: Studio Poligrafii Komputerowjej, p.320, 2007. RIGOLI, R.P.; AGOSTINETTO, D.; SCHAEDLER, C.E.; DALMAGRO, T.; TIRONI, S. Habilidade competitiva de trigo (Triticum aestievum) em convivência com azevém (Lolium multiflorum) ou nabo (Raphanus raphanistrum). Planta Daninha, v. 26, n. 1, p. 93-100, 2008.

ROMAN, E. S. et al. Resistência de azevém (Lolium multiflorum) ao herbicida glyphosate. Planta Daninha, v. 22, n. 2, p. 301-306, 2004. VARGAS, L; SILVA da A.A.; AGOSTINETTO, D.; GAZZIERO, D. Resistência de plantas daninhas a herbicidas. In: AGOSTINETTO, R.;VARGAS, L. (ed). Resistência de plantas daninhas a herbicidas no Brasil. Passo Fundo: Gráfica Berthier, p. 352, 2009.

VARGAS, L.; MORAES, R.M.A.; BERTO, C.M. Herança da resistência de azevém (Lolium multiflorum) ao glyphosate. Planta daninha, v.25, n.3, p. 567-571, 2007. VARGAS, C.R.C.J. DE.; OLIVEIRA, A.C. DE.; CARVALHO, F.I.F. DE.; ZIMMER, P.D.; KOPP, M.M.; FREITAS, F.A. DE.; BERNARDI, É.C. Dissimilaridade genética entre populações de azevém anual do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Agrociência, v. 12, n. 2, p. 133-138, 2006.