Desafios para a adoção da Integração Lavoura Pecuária-Floresta


Autores: Ronaldo Trecenti
Publicado em: 28/02/2018

O crescimento da população mundial, aliado ao processo acelerado de urbanização da população e a inserção de novos contingentes no mercado consumidor geram crescente demanda mundial por matérias primas, alimentos, fibras e agroenergia e consequentemente forte pressão sobre os recursos naturais (solo, água, ar e biodiversidade), podendo colocar em risco a estabilidade econômica, a paz mundial e a sustentabilidade do planeta (a garantia da disponibilidade dos recursos naturais para as gerações futuras).

A ampliação da produção de alimentos pode ser alcançada por meio do aumento da área cultivada e do crescimento da produtividade. A sociedade mundial tem sinalizado que não deseja que o aumento da área cultivada se dê através dos desmatamentos, especialmente em biomas frágeis e/ou estratégicos como a Amazônia e o Cerrado.

O aumento da produtividade, no atual modelo de produção, tem dependido cada vez mais do maior uso de insumos químicos (fertilizantes, herbicidas, inseticidas, fungicidas etc.) e do uso de sementes melhoradas e/ou geneticamente modificadas, geralmente em propriedades altamente especializadas, isto é, que somente desenvolvem uma atividade (lavoura ou pecuária).

No Cerrado, na maioria das propriedades ocupadas com lavouras predomina o monocultivo (plantio exclusivo de soja, milho, algodão, arroz ou feijão) ou a sucessão de culturas, especialmente a dobradinha soja precoce/milho safrinha, principalmente por questões econômicas, não atendendo um dos três pilares de sustentação do Sistema Plantio Direto (SPD), que é a rotação de culturas (os outros dois são: ausência/revolvimento mínimo do solo e cobertura permanente do solo).

Além da baixa formação de palhada devido ao monocultivo, outra dificuldade encontrada pelos produtores do Cerrado é manter o solo coberto com palha, pois ocorre a rápida decomposição dos resíduos vegetais (restos culturais e/ou palhada de plantas de cobertura do solo), em função da temperatura e da umidade elevadas no período de cultivo (outubro/abril). A palhada protege o solo contra o impacto direto da gota de água da chuva, que causa a erosão (carregamento de solo e o escorrimento da água), fato que lamentavelmente vem o ocorrendo em áreas com Plantio Direto no Brasil.

Essa água que deveria infiltrar e ficar armazenada no solo, acaba sendo perdida, sendo a água que poderá faltar na germinação das sementes e provocar a necessidade do replantio. A palha também protege o solo da incidência direta dos raios solares e da ação dos ventos, que provocam o ressecamento do solo, ou seja, perda de água, água essa que poderá fazer falta no desenvolvimento das plantas e/ou no enchimento de grãos (soja, milho, arroz, feijão etc.), produção de fibras (algodão), de forragens (pastagem) e de biomassa (cana de açúcar, florestas etc).

Uma das alternativas mais inteligentes para a formação de palhada para o SPD é a adoção dos Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (Sistemas ILPF), que consistem na implantação de diferentes sistemas produtivos de grãos, fibras, carne, leite, agroenergia e outros, na mesma área, em plantio consorciado, seqüencial ou rotacionado, aproveitando as sinergias existentes entre eles. Os Sistemas ILPF possuem quatro modalidades de integração:

1. A Integração LavouraPecuária (ILP) ou Sistema Agropastoril

Sistema que integra os componentes agrícola e pecuário, em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área, em uma mesma safra ou por múltiplos anos.

2. A Integração LavouraFloresta (ILF) ou Sistema Silviagrícola

Sistema que integra os componentes agrícola e florestal, pelo consórcio de espécies arbóreas com cultivos agrícolas (anuais ou perenes). O componente agrícola pode ser utilizado na fase inicial de implantação do componente florestal ou em ciclos durante o desenvolvimento do sistema.

3. A Integração PecuáriaFloresta (IPF) ou Sistema Silvipastoril

Sistema que incorpora os componentes pecuário e florestal, em consórcio, de forma a produzir pastagem e animal, madeira e/ou fibras.

4. A Integração LavouraPecuária-Floresta (ILPF) ou Sistema Agrossilvipastoril

Sistema que agrega os componentes agrícola, pecuário e florestal, em rotação, consórcio ou sucessão na mesma área. O componente agrícola pode ser utilizado na fase inicial de implantação do componente florestal ou em ciclos durante o desenvolvimento do sistema. O componente pecuário, via de regra, é inserido no sistema em substituição ao componente agrícola.

Segundo estimativa da Rede de Fomento à ILPF (www.embrapa.br/ web/rede-ilpf), a utilização dos Sistemas ILPF, no Brasil, deverá atingir 14,6 milhões de hectares (ha), na safra 2017/2018, podendo crescer significativamente nos próximos anos, especialmente em função dos importantes benefícios econômicos, ambientais e sociais gerados pela sua implantação.

A adoção dos Sistemas ILPF, aliada a práticas conservacionistas como o SPD é uma alternativa para a diversificação de atividades na propriedade rural, para a viabilização da rotação de culturas e, principalmente para a recuperação de pastagens degradadas. A ILP possibilita a produção de grande volume de forragem, de qualidade, a baixo custo, na entressafra, onde boa parte pode servir para alimentação animal e parte remanescente (mínimo de 6 a 7 t de matéria seca/ha) para formação de palhada.

Estudos técnico-científicos e experiências de produtores mostram que a implantação dos Sistemas ILPF resulta em melhorias das propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, reduzindo a demanda por corretivos e fertilizantes e diminuindo a incidência de pragas, doenças e plantas daninhas, aumentando a infiltração e a retenção de água no solo, possibilitando a redução da emissão de gases de efeito estufa e o sequestro de carbono na biomassa área (palhada e madeira) e na matéria orgânica do solo, contribuindo significativamente para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global.

A diversificação de atividades e a rotação de culturas contribuem significativamente para o aumento da produtividade, para a redução de custos, para a melhoria de renda, para a redução de riscos climáticos e de mercado, para a estabilidade da produção e para o aumento da oferta de alimentos, tornando a nossa agricultura mais competitiva e sustentável. Considerando-se todos esses benefícios cabe uma reflexão: por que os Sistemas ILPF não são amplamente adotados pelos produtores rurais no Cerrado?

Nessa oportunidade serão enumerados alguns dos principais gargalos para a adoção desses Sistemas:

1. Cultural

1.1 Fertilidade do solo

A atividade agrícola (lavoura ou pecuária) iniciou o seu desenvolvimento em áreas com boa fertilidade natural, onde por vários anos não era necessário o uso de corretivos e fertilizantes.

1.2 Expansão das áreas

Os pecuaristas expandiram a produção de gado de corte em áreas extensas do Cerrado, em função da oferta de terras a preços atraentes e mesmo com baixas produtividades, devido à baixa fertilidade natural dos solos, a atividade apresentava bons rendimentos, por causa da economia de escala e do baixo risco, em conseqüência do clima favorável para a produção de forragens no período chuvoso.

1.3 Tecnificação/mecanização

A nossa agricultura se desenvolveu e foi ampliada com base nos princípios da Revolução Verde, isto é, a intensificação do uso de insumos (corretivos, fertilizantes, sementes, herbicidas, inseticidas, fungicidas etc.), alavancados pelo processo de mecanização agrícola, caracterizado pelo revolvimento intensivo do solo com arados e grades, sem consciência da importância da conservação do solo e da água, sistema este que foi predominante no Brasil até meados da primeira década do século 21.

1.4 Especialização

Os nossos produtores tornaramse altamente especializados, isto é, se lavouristas preferem trabalhar com poucas culturas (soja, milho, arroz, feijão ou algodão), se pecuaristas, preferem especificamente a produção de carne ou a de leite.

2. Técnicos

2.1. Acesso à informação

2.1.1. Dificuldade da informação em chegar aos produtores rurais, especialmente em regiões mais distantes, em propriedades com estradas de acesso não pavimentadas, sem energia elétrica e sem meios de comunicação de massa (telefone e televisão). O sucateamento das empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) nos estados tem contribuído significativamente para o agravamento dessa situação.

2.1.2 Necessidade de decodificação da informação, isto é, a informação técnico-científica gerada pela pesquisa precisa ser traduzida e adaptada ao entendimento do produtor. Destaque deve ser dado à produção de cartilhas e vídeos na linguagem dos produtores, considerando a tradição, os valores e o saber local.

2.1.3 Transformação da informação em conhecimento, ou seja, a informação transmitida deve ser apropriada pelos produtores rurais, ela dever ser validada regional e localmente e os produtores devem ter o domínio sobre a sua utilização. Ressalta-se aqui a importância da implantação das Unidades Demonstrativas, com o envolvimento dos diversos atores das cadeias produtivas (pesquisa, ensino, extensão, empresas, governos federal, estadual e municipal etc.) e do ator principal, o produtor rural.

Como exemplo pode ser citado o caso da implantação da Unidade Demonstrativa de ILPF, no Parque da Feira AgroBrasília (agrobrasilia.com. br), uma parceria multiinstitucional com a Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (COOPADF), onde tradicionalmente na sextafeira de manhã é realizado o Dia de Campo ILPF (neste ano no dia 18/05) (Figura 4).

Outro exemplo relevante de transformação da informação em conhecimento é o da Fazenda Santa Brígida (fazendasantabrigida.com.br), em Ipameri-GO, onde a dentista Dra. Marize Costa, sua proprietária, buscou suporte técnico da Embrapa para fazer a recuperação das pastagens degradadas, por meio da adoção inicial da ILP e posteriormente da ILPF, tornando-se uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) e fazenda modelo da Rede de Fomento à ILPF, com tradicional Dia de Campo ILPF (neste ano no dia 06/04).

Ela atribui o seu sucesso a quatro fatores principais: apoio da Embrapa; parceria com as empresas; contratação de consultoria especializada e capacitação/motivação da equipe de colaboradores.

2.2. Capacitação técnica

2.2.1 Baixo número de técnicos capacitados para a implantação dos Sistemas ILPF, devido a pouca disponibilidade de cursos sobre as tecnologias (destaca-se aqui a capacitação de instrutores do SENAR nos estados contemplados pelo Projeto ABC Cerrado e a existência de um único curso de pós-graduação em ILPF no Brasil, ofertado pela Universidade do Oeste Paulista-Unoeste, em Presidente Prudente-SP (www.unoeste.br) e a tímida inserção da abordagem desses Sistemas na grade curricular dos cursos de Ciências Agrárias.

2.2.2 Baixo número de técnicos e de analistas dos agentes financeiros capacitados para a elaboração/ assistência técnica e para a análise de projetos de implantação dos Sistemas ILPF, respectivamente.

Ressalta-se aqui a necessidade da divulgação dos índices técnicos (agronômicos, zootécnicos e florestais) e econômicos obtidos regionalmente e a realização de oficinas para capacitação no uso de plataformas e ferramentas para elaboração e análise de viabilidade de projetos, especialmente de empresas públicas e privadas de planejamento e assistência técnica, revendas agrícolas e cooperativas agropecuárias.

3. Econômicos/ financeiros

3.1 Descapitalização

Os produtores rurais estão descapitalizados para realização de investimentos, seja do pecuarista para aquisição de máquinas, implementos, corretivos, fertilizantes, sementes, mudas etc, seja do lavourista para aquisição de animais e infraestrutura para pecuária (cercas, aguada, cochos, currais, balanças etc.).

3.1.2 Oscilação e queda de preços dos produtos agrícolas, com destaque para a oscilação de preço do milho, as quedas de preços sofridas pela arroba do boi e pelo litro do leite e a persistente desvalorização do m3 do carvão utilizado nas siderúrgicas, com consequente queda e estagnação do preço da madeira para lenha, especialmente em Minas Gerais.

3.2 Crédito Rural

3.2.1 Elevado nível de garantias dos agentes financeiros para financiamento de projetos de implantação. Os problemas fundiários, em especial, a falta de titularidade de terras tem impedido o acesso ao crédito em alguns estados e no Distrito Federal.

3.2.2 Excesso de burocracia dos agentes financeiros por meio de exigências de documentos e licenças, além da morosidade no processo de análise. Cita-se aqui caso de um projeto que levou 300 dias para ser analisado, onde o produtor perdeu o time da implantação da ILPF e acabou se desestimulando a adotar a tecnologia.

3.2.3 Taxa de juro da linha de crédito do Programa ABC menos atrativa em relação a praticada pelos Fundos Constitucionais (FCO, FNE e FNO) para a mesma finalidade.

3.2.4 Falta de um seguro rural que garanta a renda do produtor, com cobertura dos riscos climáticos e de mercado, com remuneração do capital investido, com valores de subvenção ao prêmio baseados em índices atuais de custo e de produtividade e que não esteja focado apenas na remuneração do capital repassado pelo agente financeiro.

3.2.5. Financiamento para constituição de empresas terceirizadas especializadas na prestação de serviços para sistematização das áreas (terraceamento, adequação de estradas etc.), correção/adubação e preparo do solo, plantio, tratos culturais e colheita das áreas com implantação dos Sistemas ILPF. Considera-se aqui, especialmente a demanda por serviços de máquinas de grande porte, principalmente para as atividades de cultivo de lavouras anuais e de florestas.

4. Operacionais/ administrativos

4.1 Capacitação da mão de obra

Há uma necessidade premente de capacitar e motivar o time de colaboradores, pois nas propriedades que adotam os Sistemas ILPF, o vaqueiro deve tornar-se um tratorista e um silvicultor, por sua vez o tratorista deve tornar-se um vaqueiro e um silvicultor e finalmente o silvicultor deve tornarse um lavourista e um pecuarista e todos devem estar comprometidos com o sucesso das três atividades.

4.2 Complexidade gerencial

A complexidade gerencial é um dos grandes desafios para o sucesso dos Sistemas ILPF. Entender que as atividades não são concorrentes entre si e sim sinérgicas e complementares, que por isso merecem o mesmo peso e atenção e que cada uma tem as suas necessidades particulares no espaço e no tempo.

4.3 Profissionalização de serviços técnicos

O sucesso da implantação dos Sistemas ILPF depende do conhecimento e do entendimento das relações e das interações entre principais elementos envolvidos nele: solo (arenoso, argiloso, siltoso); planta (culturas anuais, forragens, árvores), ambiente (luz, água, nutrientes, matéria orgânica, gás carbônico, metano etc.), animal (bovino, ovino, caprino, eqüino etc.) e o homem.

Ressalta-se aqui a metáfora utilizada pelo pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Armindo Kichel, “se você não está bem de saúde e deseja melhorar procure um médico, se você tem um avião e deseja voar, mas não tem brevê, contrate um piloto e se você tem uma fazenda e deseja implantar os Sistemas ILPF, mas não sabe como fazer contrate um consultor”.