Nutrição mineral: adubação fosfatada em soja


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Publicado em: 30/04/2021

Introdução

A soja (Glycine max) é uma das principais culturas semeadas no Brasil e Rio Grande do Sul, possuindo grande aplicabilidade para consumo humano e animal. Além disso, seu consumo gradativamente vem crescendo, consequência do aumento populacional no mundo. Assim, é necessário que sejam realizados manejos de solo e planta, em que a planta possa expressar o máximo de seu potencial.

Um desses manejos é a adubação, que visa fornecer os nutrientes demandados pelas plantas, corrigindo e suprindo os nutrientes que estão em baixa disponibilidade no solo, ou ainda, repondo àqueles que se encontram em concentrações adequadas, contudo são exportados através dos cultivos. Um dos nutrientes vegetais que possui baixa disponibilidade no solo é o fósforo, responsável pela estruturação e energia celular.

O fósforo é classificado como macronutriente, possuindo grande importância fisiológica, pois é constituinte da molécula de ATP e atua na estruturação da membrana plasmática das células.

Diante disso, este trabalho de revisão tem por objetivo elucidar a importância da soja na economia nacional e internacional, além de descrever as funções do fósforo nas plantas. Também, serão apresentados resultados e conclusões de pesquisas dos últimos anos em relação à aplicação de fósforo na cultura da soja.

Importância da cultura da soja

A soja é uma oleaginosa economicamente importante para alimentação, sendo fonte de proteínas e óleos vegetais (LIU et al., 2020). Ainda, a soja é a cultura agrícola de maior importância econômica no mundo segundo Werner et al., 2020, e portanto, alcançar maiores produtividades têm sido um desafio na agricultura atual.

Nesse contexto, tem destaque uma busca de arquitetura ideal de plantas, com maior aproveitamento fotossintético, população, índice de área foliar ideal e outros, através de sucessivos estudos, experimentos e melhoramentos genéticos. Porém, o crescimento e desenvolvimento vegetal, tem grande dependência da nutrição mineral e fertilidade do solo.

No Brasil, segundo o IBGE (2020), no ano safra 2019 a área total semeada com cultivos foi de 77.965.516 hectares, sendo que desses, 45% (35.805.184 hectares) foram semeados com soja. Já no Rio Grande do Sul, nesse mesmo ano safra, foram semeados 9.061.507 hectares, sendo 5.818.915 compostos por soja, cuja cultura correspondeu a mais de 60% do total da área semeada (IBGE, 2020). Estes dados denotam a importância da cultura no estado e país.

Ainda, no ano de 2020, tem destaque os preços pagos pela saca de soja, resultado dos fechamentos de mercado devido à pandemia Covid-19 e tensões geopolíticas entre China e EUA. Esta crescente de preços também se tornou um estímulo aos produtores para que incrementem a área semeada com a cultura na safra 2020/21.

Assim, no agronegócio brasileiro, a soja é uma das principais culturas, contudo, pode ser limitada por adubações equivocadas (SANTINI et al., 2019). Segundo Queiroz et al. (2020), a produtividade de grãos de soja no Brasil é afetada pela baixa disponibilidade de fósforo no solo. Isso porque, os solos brasileiros - e a maioria dos solos estaduais cultivados com grãos - são altamente intemperizados e, consequentemente, apresentam baixa disponibilidade de P (RHEINHEIMER et al., 2020).

Dias (2013) ao realizar diagnóstico dos níveis de fertilidade a partir de mais de cem mil análises de solo realizadas pelo laboratório da CCGL Tecnologia e cujas amostras eram provenientes de diversas regiões do estado do Rio Grande do Sul, constatou que o P era o elemento que demandava maior atenção na correção de solo, pois em 61,8% das amostras o nível do nutriente estava abaixo do teor crítico.

Diante desse contexto e levando em conta as constantes buscas pelo aumento na produtividade, valores extraídos e exportados do nutriente são de grande relevância, principalmente na prática de adubação de reposição. Ainda, salienta-se a importância das análises de fertilidade do solo e correta interpretação dos laudos, para que o rendimento por área seja crescente.

Fósforo como nutriente de plantas: absorção e funções

Como esclarecido por Fagan et al. (2016), o nutriente é absorvido através de pelos radiculares, ápice radicular e camadas ultraperiféricas das células radiculares, sendo a absorção beneficiada por fungos micorrízicos que vivem em simbiose com a planta.

O fósforo é absorvido na forma de íons fosfatados (H2PO4- e HPO4- ), como mencionado por Kerbauy (2019). O contato entre nutriente e raiz se dá preferencialmente via difusão.

Floss (2006) expõe que a concentração de P nas raízes é entre 100 a 1000 vezes maior do que a presente na solução do solo, assim, sua absorção pelas plantas se dá via processo ativo, ou seja, com gasto de energia.

Como repertoriado por Fagan et al. (2016); Taiz e Zeiger (2017) e Kerbauy (2019), após absorvido, o P pode ser transportado através de íons fosfatados ou fosforilcolina. Quando em excesso dentro das células, em torno de 85 a 95% de P pode ser armazenado dentro dos vacúolos (FAGAN et al., 2016). Ainda, os autores dizem que as sementes podem armazenar o P na forma de fitato e ácido fítico.

O fósforo é um nutriente móvel dentro da planta, possuindo uma concentração na matéria seca de 0,2%, sendo classificado como nutriente importante na armazenagem de energia e na integridade estrutural – Grupo 2 (TAIZ; ZEIGER, 2017).

A planta demanda cerca de 15 kg de P para produzir 1 t de biomassa, exportando aproximadamente 10 kg de P por tonelada de grãos produzidos, ou seja, 65% do P absorvido pela planta é exportado na colheita (Embrapa, 2013; Manual de Calagem e Adubação para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, 2016).

Nesse mesmo contexto, Rheinheimer et al. (2020), mencionam que a soja é uma cultura que desenvolve sistema radicular até 40 cm de profundidade quando não há restrições químicas e físicas do solo, contudo as doses recomendadas pelo Manual de Calagem e Adubação para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (2016) abordam apenas a correção na camada de 0-20 cm, desse modo, os autores recomendam realizar a correção acima do nível crítico ao menos até os 20 cm de profundidade.

Segundo Taiz e Zeiger (2017) e Fagan et al. (2016), o fósforo serve como nutriente para plantas na forma de fosfato (PO43-), sendo um componente em diversas funções celulares, como açúcares intermediários de processos de respiração e fotossíntese; além de fosfolipídios das membranas plasmáticas e moléculas como ATP (molécula responsável pelo fornecimento de energia), DNA e RNA. Assim, o fósforo é um macronutriente com funções regulatórias e estruturais, essencial para a transferência de energia (ARTUSO; ANTONIO, 2019).

Em condições de baixa disponibilidade desse nutriente no solo, as plantas respondem ajustando suas vias metabólicas para reorganizar suas prioridades fisiológicas, sendo que melhorar a aquisição e o uso de P nas lavouras é de grande interesse para manter um bom estado nutricional das plantas e maximizar a produção de biomassa, minimizando a adição de fertilizantes e o consequente risco de eutrofização (ARTUSO; ANTONIO, 2019).

Com o intuito de melhorar a absorção de fósforo pelas plantas e reduzir a necessidade de fertilização fosfatada, a Embrapa lançou recentemente o primeiro inoculante biológico nacional. Trata-se de um produto líquido, composto por bactérias solubilizadoras de P, indicado para a cultura do milho. Experimentos em nível de lavouras, realizados no ano de 2020, evidenciam o potencial promissor dessa nova tecnologia.

Deficiência de fósforo nas plantas: metabolismo e sintomas

Em razão da mobilidade do nutriente nas plantas, sua deficiência manifesta-se nas folhas velhas, pois, por meio de translocação via floema, essas acabam sendo fonte para as folhas jovens (drenos). As deficiências de fósforo podem ser visualizadas pelo crescimento atrofiado da planta e coloração verde escura nas folhas, que podem ser mal formadas e com manchas necrosadas (TAIZ; ZEIGER, 2017).

Ainda, Fagan et al. (2016) apontam que plantas deficientes em P apresentam menor área foliar (Figura 1) e condutância hidráulica radicular, sendo que o teor de clorofila em folhas não é afetado, porém a eficiência fotossintética diminuída, pois na ausência de P não haverá formação de energia (ATP).

Fagan et al. (2016) mencionam que plantas deficientes em P apresentam inibição do comprimento da raiz principal e lateral em comparação às raízes de plantas com suficiência do nutriente. Ainda, em caso de deficiência de P, há uma desproporcionalidade entre a parte aérea e raiz, pois as raízes acabam se configurando como dreno de açúcares, tendendo a se desenvolverem mais (em busca de explorar mais solo para ter contato com o nutriente) em relação à parte aérea, que acaba sendo atrofiada por falta de energia.

Adubação fosfatada em soja: manejos e rendimento

Em estudos de Corassa et al. (2018), baixos rendimentos em lavouras agrícolas foram associados à baixa capacidade de troca catiônica, baixo teor de fósforo e matéria orgânica e alto teor de argila. A amostragem do solo considerando as zonas de rendimento é uma estratégia eficiente para identificar atributos químicos que restringem o rendimento de grãos e também permite orientar intervenções mais precisas em locais específicos (CORASSA et al., 2018).



Uma alternativa para contornar o entrave da baixa disponibilidade de fósforo, tanto no solo quanto em jazidas para extração, é a agricultura de precisão, sendo um tratamento diferenciado, dentro de uma mesma área, que contribui para a racionalização dos insumos agrícolas (NOETZOLD et al., 2019), como fertilizantes e corretivos.

Práticas de agricultura de conservação, como o sistema de integração lavoura-pecuária (ICLS), podem resultar em eficiência no uso do fósforo e benefícios econômicos e ambientais (GUERA et al., 2020). A maior ciclagem de nutrientes, resíduos de culturas e de animais depositados na superfície do solo podem promover a manutenção da fertilidade do solo (GUERA et al., 2020).

As plantas de cobertura em sucessão nos cultivos agrícolas realizam a ciclagem de P por diversos mecanismos, que podem contribuir para o aumento da eficiência da utilização do P pelas culturas cultivadas subsequentes (LEITE, 2019). Além disso, o cultivo de plantas de cobertura na entressafra modifica a comunidade bacteriana do solo, que tem o potencial de modificar seu ambiente químico (LEITE, 2019).

Em relação aos atributos microbiológicos do solo, segundo Leite (2019), as plantas de cobertura proporcionaram aumento nas concentrações de carbono da biomassa microbiana (Cmic) e influenciaram na maior atividade microbiológica do solo.

As alterações nos atributos químicos e biológicos do solo pelos sistemas de sucessão de culturas influenciou na composição e abundância das bactérias solubilizadoras de P, principalmente os teores Ca, H+Al e o quociente microbiano (qMIC). Com o cultivo de plantas de cobertura, quanto maior os teores de P inorgânico (Pi) lábil e P orgânico (Po) moderadamente lábil maior a abundância das bactérias solubilizadoras de P.

Já o uso de sementes de qualidade, garante bom desenvolvimento inicial das plantas e o estabelecimento de uma lavoura com elevado potencial produtivo, determinando assim o sucesso ou o fracasso da produção (WERNER et al., 2020).

Segundo Ciliprandi (2019), doses crescentes de fósforo até a recomendação, contribuem para a maior produtividade de sementes, sendo que a adubação fosfatada em doses crescentes contribui para o acúmulo deste nutriente nas sementes e para sua qualidade fisiológica, porém, com respostas variáveis entre anos de cultivo.

Quanto à dinâmica de aplicação de adubos fosfatados em linha versus em superfície, Rheinheimer et al. (2020) indicam que a aplicação de adubação fosfatada em culturas de grãos cultivadas em larga escala e de importância econômica, como a soja, deve ser sempre na linha de semeadura para evitar perdas de produtividade e transferência de P aos mananciais aquáticos por escoamento superficial, além de o nutriente estar mais próximo das raízes e facilitar a absorção. Ainda, os autores apontam que a aplicação desses fertilizantes na linha de semeadura provoca um mínimo deslocamento de P lateral ou verticalmente.

Rheinheimer et al. (2020) enfatizam que são raras as publicações científicas que relatam, a partir de estudos experimentais, ausência de diferença entre a aplicação de adubos fosfatados na linha em comparação à aplicação superficial. Esses mesmos autores elencam dois fatores principais que justificam as conclusões desses artigos científicos:

i) concentrações de P no solo já estarem acima do nível crítico; ou

ii) serem financiados por empresas interessadas nessa deposição de fertilizante sobre a superfície do solo.

Assim, a adubação fosfatada a lanço é somente igualada à adubação fosfatada na linha em casos específicos, quando o teor do nutriente estiver acima do nível crítico (nível médio de acordo com o Manual de Calagem e Adubação para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina). No entanto, como apresentado ao longo desse texto, essa não é a realidade da maioria dos solos do RS e do Brasil.

Salienta-se que quando o P é distribuído a lanço, devido às interações que ocorrem com os óxidos de ferro e consequentemente à baixa mobilidade no solo, este pode ser pouco aproveitado pela cultura (WRUCK, 2019).

Considerações finais

Em suma, é possível observar que o fósforo é essencial para as plantas, sendo presente em moléculas de energia e genética celular, além de organelas de estruturação e proteção celular. Nos solos brasileiros, o fósforo possui baixa disponibilidade. Ainda, apresenta baixa mobilidade no solo e por isso, deve ser fornecido através de adubação racional, evitando desperdício ou excesso, os quais podem causar prejuízos ambientais e econômicos.

1Acadêmica de Agronomia IFRS - Campus de Ibirubá/RS e-mail: [email protected]
2 Engenheira Agrônoma, Doutora, Professora IFRS - Campus de Ibirubá/RS

Referências

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