2,4-D: características do herbicida e o manejo da resistência


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 31/12/2017

No dia 9 de novembro de 2017 a Revista Plantio Direto acompanhou, juntamente com outros veículos, o porta-voz da Iniciativa 2,4-D, professor Doutor Mauro Rizzardi, da Universidade de Passo Fundo, em uma visita técnica à Fazenda Lohmann, produtora de soja e milho no município de Roca Sales, na região da Serra Gaúcha. A Iniciativa 2,4-D é um projeto organizado pela Dow Agrosciences e pela Nufarm, em parceria com instituições de ensino, tendo o objetivo de fornecer informação e treinamentos para uma utilização eficiente do 2,4-D, um dos herbicidas mais antigos do mundo.

O Ácido diclorofenoxiacético (2,4-D) entrou pela primeira vez no mercado nos Estados Unidos em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, sendo apresentado como primeiro composto que controlava plantas daninhas de “folha larga” em culturas de folha estreita, tais como arroz, trigo e milho. Sua descoberta vem de uma linha de estudos nas décadas anteriores com substâncias que regulavam a fisiologia nos vegetais.

Os herbicidas mimetizadores de auxina, como o 2,4-D, atuam nas plantas como reguladores de crescimento, imitando o efeito que certas substâncias como o Ácido Indolacético (AIA) tem no desenvolvimento dos vegetais. Essas substâncias em concentrações normais são as responsáveis pelo crescimento da planta, porém, em concentrações diferentes da utilizada naturalmente pela planta, podem gerar desequilíbrios no desenvolvimento, frequentemente levando a planta à morte.

O 2,4-D é um dos herbicidas mais estudados no mundo quanto à sua toxicidade. Todas as formulações comercializadas no Brasil estão dentro da Classe Toxicológica I, em função da irritação ocular que a substância causa. No entanto, outros aspectos como a DL50 aguda encaixariam o herbicida na Classe Toxicológica III.

O 2,4-D representa pouco risco às espécies silvestres e aos organismos aquáticos também, tendo portanto baixo risco de problemas ambientais. As formulações em que o 2,4-D pode ser encontrado comercialmente são na forma de Amina, Sal ou Éster, embora a formulação com Éster não é comercializada no Brasil desde 2002 em função de problemas de volatilização.

Em vista de todos os problemas relacionados com a deriva de herbicidas e a possibilidade futura de a legislação restringir o uso dessa substância, a Iniciativa 2,4-D surgiu com o objetivo de difundir o conhecimento e as técnicas corretas para o melhor uso do controle químico, em específico desse herbicida. Para explicar algumas questões relacionadas ao uso do herbicida, à deriva e a resistência de plantas daninhas, foi feita uma visita à Fazenda Lohmann, em Roca Sales/RS conduzida pelo professor Mauro Rizzardi, engenheiro agrônomo e pesquisador na Universidade de Passo Fundo.

Contextualizando, o sistema de culturas na propriedade visitada é, basicamente, o plantio de milho e soja no verão. O milho nessa região é plantado por volta do mês de setembro, e se colhe em fevereiro, enquanto que a soja se planta normalmente em novembro e se colhe em abril. Durante o inverno, são implantadas pastagens, principalmente com azevém. Anteriormente ao plantio das culturas de verão, é feita a dessecação, utilizando-se o 2,4-D ou glifosato. O paraquat não é usado, pois o uso apenas desse herbicida permite o rebrote de plantas.

Os principais problemas de plantas daninhas identificados Fazenda Lohmann são a trapoeraba e a buva, sendo que, de acordo com os proprietários, a buva sempre esteve presente na área, porém ela não era tão resistente aos herbicidas utilizados. O professor Rizzardi explicou que as plantas daninhas convivem com o homem desde o início da agricultura.

A buva (Gênero Conyza), por exemplo, é problema desde os anos 80, embora sendo, no início, de maior infestação na região sul do país. Houve um período em que essa planta diminuiu a ocorrência em função do uso de soja Roundup Ready (RR), que possibilitou a utilização de glifosato dentro da cultura. Em plantio convencional, o problema muitas vezes era menor, também, pois as plantas daninhas eram incorporadas no solo, evitando sua disseminação.

Nos anos 80, quando o Plantio Direto estava em seu início, havia poucas opções de produtos. Tínhamos, por exemplo, a mistura de paraquat e diuron para trabalhar com buva. A partir dessa escassez de alternativas, começou a se perceber que uma tática que funcionava muito bem com a buva era trabalhar com camadas de palha, pois essa é uma espécie que não germina na sombra.

No entanto, em sistemas de produção com pastagens para o gado, por exemplo, o animal come plantas na área, e onde ele retira essa cobertura, sobra luz, permitindo assim o aparecimento das plantas daninhas, que se tornam problema para as culturas na sequência. A buva, por exemplo, começa a germinar no inverno, e se não for controlada de forma devida, ela se desenvolve e o controle torna-se difícil no verão.

“Qual o problema que a planta daninha causa, principalmente”? A resposta é competição por nutrientes, luz e água. Se não for feita a dessecação anterior ao plantio de forma correta, por exemplo, a cultura implantada na área já vai nascer com desvantagem competitiva. Para se ter uma ideia, estima-se que 1 planta de buva/m² reduz de 4 a 12% a produtividade em soja. De forma geral, as plantas daninhas que causam maior problema são as mais adaptadas e as mais eficientes em perpetuar sua espécie. Uma planta de buva, por exemplo, produz cerca de 200 mil sementes, ou seja, sua dispersão é muito grande.

Muitas vezes quem é do meio urbano atribui o problema de plantas daninhas ao produtor, e isso não é verdade. As rodovias e outras áreas públicas são fontes de disseminação, também. Como exemplo, o capim-amargoso (Digitaria insularis) começou nas margens das rodovias, e foi migrando para dentro das lavouras. Os herbicidas durante décadas foram uma solução para o problema de plantas indesejadas.

No entanto, a simplificação de manejo, ocorrida principalmente a partir do advento da soja RR trouxe problemas de resistência. Nas últimas décadas, temos seis casos relatados de espécies de plantas resistentes ao glifosato, sendo que a considerada de menor impacto seria o capim-branco (Chloris polydactyla) e as de maior impacto a buva e o capim-amargoso. Deve-se considerar que existe diferença entre planta tolerante e planta resistente. A trapoeraba (Commelina benghalensis), por exemplo, não é uma espécie resistente ao glifosato.

Ela é uma planta tolerante. Naturalmente, ela tem dificuldade de controle por causa da forma como ocorre a translocação do herbicida no seu interior. No caso de espécies como a buva, a espécie hoje tem indivíduos resistentes, pois ocorreu a seleção dos mutantes que naturalmente são resistentes na população. A resistência é um dos problemas mais sérios que enfrentamos hoje no campo, principalmente em espécies que se adaptaram ao sistema de produção encontrado no Brasil, como é o caso da buva. Para ilustrar a gravidade do problema, originalmente, tínhamos 6 mecanismos de ação herbicida que tinham efeito sobre buva. Hoje, com os novos casos de resistência que surgiram, basicamente restam dois mecanismos.

Herbicidas alternativos ao 2,4-D em diferentes culturas O 2,4-D, hoje, é uma das ferramentas mais utilizadas no controle de plantas daninhas, em especial da classe das dicotiledôneas (“folhas largas”). Em soja, o 2,4-D pode ser utilizado na dessecação anterior à semeadura, podendo ser combinado com herbicida de ação total.

Nessa cultura, as principais alternativas para a aplicação no pré-plantio em soja seriam: carfentrazone, chlorimuron, flumioxazin, lactofen, paraquat ou paraquat+diuron (em aplicação sequencial), saflufenacil ou então aplicação sequencial de glifosato depois paraquat. Na cultura da cana-de-açúcar, por exemplo, o herbicida é aplicado em pós-emergência, sendo que algumas alternativas nessa operação seriam a ametrina+trifloxysulfuron, flazasulfuron, iodosulfuron, MSMA e o paraquat. Já no milho, o 2,4-D pode ser utilizado no manejo pré-plantio ou na pós-emergência da cultura.

Para a dessecação pré-plantio, as alternativas ao 2,4-D seriam as mesmas comentadas para soja, com excessão do chlorimurom. Geralmente a dessecação no milho de segunda safra é mais fácil do que no milho de primeira safra em função do estádio de desenvolvimento das plantas daninhas presentes na área. Algumas alternativas ao 2,4-D em pós-emergência o milho seriam: a atrazina, atrazina + alachlor, atrazina + metolachlor, atrazina + simazina, bentazon, foramsulfuron + iodosulfuron, mesotriona, nicosulfuron e tembotriona.

Em trigo, assim como no milho, o 2,4-D é utilizado na dessecação anterior ao plantio ou dentro da cultura. No caso da dessecação, as alternativas seriam as mesmas utilizadas em soja, adicionando o herbicida metsulfuron, Dentro da cultura, são a princípio apenas três alternativas ao 2,4-D: bentazon, iodosulfuron e metsulfuron. Na cultura do arroz, tanto de sequeiro quanto irrigado, o 2,4-D é recomendado de ser utilizado entre pleno perfilhamento e início da diferenciação floral. As alternativas ao herbicida seriam o bentazon, clomazone, iodosulfuron e metsulfuron.

Cuidados na aplicação A utilização de 2,4-D, assim como todos os outros agrotóxicos utilizados, requer cuidados. Em pequena propriedade, por exemplo, a diferença entre duas áreas às vezes é uma questão de centímetros, e muitas vezes as propriedades vizinhas tem culturas sensíveis ao herbicida. Nessa situação, caso haja deriva, existe o risco de ocorrer danos na cultura.

A deriva, que pode ser definida como o movimento das gotas da aplicação para locais fora do alvo, acontece com todos os herbicidas, ou seja, não é uma propriedade exclusiva do 2,4-D. Sabe-se que é difícil eliminar totalmente a deriva, mas é possível, sim, reduzi-la sensivelmente. Algumas medidas que podem ser utilizadas para reduzir a deriva:
a) Regular e revisar o pulverizador com frequência: Deve-se ter um cuidado com a situação dos componentes como o manômetro, as pontas de pulverização, além de se atentar para possíveis vazamentos.
b) Com produtos à base de 2,4- D, por exemplo, há a necessidade de se trabalhar com gotas grossas.
c) Evitar o uso de adjuvantes não recomendados pelos fabricantes do produto utilizado, como por exemplo óleo diesel, pois ele pode causar desgaste dos componentes do pulverizador (em especial as pontas de aplicação).
d) Evitar aplicar em condições desfavoráveis como alta quantidade de vento (superior a 10 km/h), alta temperatura (acima de 30ºC) e baixa umidade relativa do ar (55%).
e) Utilizar a pressão adequada no pulverizador (normalmente entre 40 e 55 psi).
f) Evitar a utilização de volumes de aplicação muito abaixo do recomendado.
g) Se possível, utilizar pontas de pulverização com indução de ar.
h) Buscar manter a barra do pulverizador em uma altura adequada, evitando passagem de vento em excesso. Para bicos do tipo leque com 110º de ângulo, recomenda-se uma relação de espaçamento/altura da barra de 1:1.

Numa breve entrevista o Dr. Mauro Rizzardi (Professor Pesquisador da Universidade de Passo Fundo) falou sobre a utilização do 2,4-D no Brasil.

RPD - No Brasil, já existem espécies resistentes a mimetizadores de auxina (em específico, ao 2,4-D) que interfiram em soja, milho e outros cereais?

Rizzardi - Até o momento, não foram relatadas ocorrências de resistência ao herbicida 2,4-D no Brasil. Porém, há dois relatos referentes aos mimetizadores de auxina, ambos ao herbicida Quincloraque (grupo Quinolenocarboxilico), na cultura do arroz. O fato de não ter sido constatada a resistência de plantas daninhas ao 2,4- D não significa que a mesma não possa acontecer. Na nossa opinião, é fundamental que estejamos atentos ao uso correto e não repetitivo deste herbicida para que não haja aumento na pressão de seleção de biótipos resistentes que possam ocorrer na natureza.

RPD - Quais são as táticas possíveis de serem usadas na dessecação juntamente com 2,4-D, antes da semeadura da soja, para se plantar no limpo?

Rizzardi - A prática da dessecação consiste na eliminação das culturas de coberturas e das plantas daninhas antes de sua semeadura, utilizando-se herbicidas com ação de contato ou sistêmica, como o 2,4-D. A sua realização permite que:
a) A operação de semeadura seja adequadamente realizada, pela eliminação da biomassa verde produzida pelas culturas de cobertura;
b) Emergência e desenvolvimento inicial da cultura ocorram em condições mais favoráveis; e
c) O manejo de plantas daninhas dentro do ciclo da cultura seja facilitado. No caso do uso do 2,4-D, é preciso estar atento a eventuais associações com outros herbicidas e também ao intervalo de seu uso em relação à semeadura de culturas sensíveis como a soja.

RPD - Quais são as estratégias mais sustentáveis, economicamente e ambientalmente, que podem ser usadas com o 2,4-D no controle de daninhas dentro de culturas de inverno?

Rizzardi - O uso do herbicida 2,4-D em cereais de inverno é bastante antigo, com o objetivo de controle de espécies eudicotiledôneas, comumente conhecidas como folhas-largas, como o nabo (Raphanus spp.). O uso de herbicidas auxínicos, como o 2,4-D, são seletivos para a cultura do trigo, porém, é necessário considerar o estádio de desenvolvimento da cultura, que no caso é o perfilhamento pleno do trigo. Aplicações anteriores e posteriores a este estádio podem afetar o desenvolvimento e o rendimento da cultura.

RPD - Caso houvesse uma medida restritiva ao uso do 2,4-D no Brasil, quais seriam alternativas eficazes no controle de daninhas em culturas gramíneas?

Rizzardi - Existem diferentes alternativas de controle de plantas daninhas nas diversas culturas gramíneas. No caso da cultura do trigo, além do 2,4-D, herbicidas como MCPA; Iodosulfuron e penoxsulam podem ser utilizados para o controle de espécies eudicotiledôneas.

RPD - Existem casos conhecidos de incompatibilidade química ou física na aplicação de 2,4-D com outros produtos fitossanitários?

Rizzardi - A associação de herbicidas gera efeitos aditivos, sinérgicos ou antagônicos. No caso do 2,4-D, é bastante conhecida a incompatibilidade com herbicidas inibidores da ACCase (graminicidas). A associação destes dois herbicidas gera a diminuição da ação do herbicida graminicida. Outro caso de atenção é a associação de glifosato e 2,4-D, que precisa ser observada a formulação dos herbicidas e do volume de aplicação.

RPD - Qual o tamanho de gota mais indicado para a aplicação de 2,4-D em dessecação e dentro das culturas?

Rizzardi - O tamanho de gotas para herbicidas como o 2,4-D, independentemente de ser na dessecação ou dentro da cultura, deve visar à minimização da deriva e o alcance do alvo, no caso a planta daninha. Assim, para 2,4-D, deve utilizar bicos ou pontas que produzam gotas com tamanho médio superior a 300 µm.

RPD - Com a chegada da soja resistente ao 2,4- D, quais seriam opções de manejo de herbicidas para evitar plantas resistentes em lavouras com essa tecnologia?

Rizzardi - A introdução da soja e do milho resistente ao 2,4-D é mais uma ferramenta para o controle seletivo das plantas daninhas nessas culturas. A adoção dessa nova tecnologia não significa que o produtor deva abandonar as indicações da pesquisa quanto à necessidade de rotacionar mecanismos de ação ao longo dos anos na sua lavoura. No caso da soja, existem diferentes herbicidas e mecanismos de ação que devem ser incluídos em um programa planejado de controle de plantas daninhas.

RPD - Existe risco de ocorrer com a soja resistente à 2,4-D o mesmo que ocorreu com a soja RR e o glifosato a partir do início dos anos 2000 (utilização do mesmo produto na mesma área por vários anos)?

Rizzardi - Como dito anteriormente, a pesquisa preconiza a rotação de mecanismos de ação. Este posicionamento já existia ao longo do uso da soja tolerante ao glifosato. No caso do da tolerante ao 2,4-D, continuará sendo preconizada a alternância de herbicidas, com características diferentes.

Referências

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FOLONI, L. L. O Herbicida 2,4-D: Uma visão geral. LabCom Comunicação Total. Ribeirão Preto, 2016. 250 p.

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THEISEN, G.; RUEDELL, J. Tecnologia de aplicação de herbicidas: teoria e prática. Passo Fundo: Aldeia Norte, 2004. 90p.

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