A cultura principal de verão nas lavouras no sul do país é a soja. Hoje, as cultivares têm ciclo médio de 4 meses (cerca de 120 dias). Temos 12 meses no ano, e fazemos a renda durante 4 meses. O que vamos fazer nos outros 8 meses? Podemos abandonar a lavoura no outono e no inverno? A resposta é não. Mantendo uma monocultura de soja, estaremos selecionando pragas, doenças e nematoides para essa cultura e o problema é agravado no momento em que se utiliza apenas uma variedade de soja, pois além de selecionar as espécies de patógenos, você estará selecionando as raças que são adaptadas àquelas variedades, ou seja, você estará selecionando doenças extremamente eficientes. Qual é a opção no restante do ano?
A base da safra de inverno no sul do Brasil é o trigo, com 1 milhão e 700 mil hectares aproximadamente. Temos também uma pequena área de cevada, cerca de 100 mil hectares, e são essas duas principais culturas de inverno com possibilidade de geração de renda. O trigo deveria fazer parte de 1/3 da área durante o inverno, em um modelo de rotação ideal. Existe a angústia, porém, de que nas áreas onde se planta trigo, irá se perder área de soja, em função da época. Nesse sentido, é possível realizar o escalonamento de plantio da soja, plantando variedades diferentes em épocas diferentes, para que a área onde é colhido o trigo coincida com a época de plantio da soja. Hoje temos a possibilidade de plantar a soja no final de outubro até dezembro, sendo que no final de outubro, boa parte do trigo já está colhido.
Entre os problemas do trigo estão, também, a geada que pode ocorrer em setembro, atingindo a cultura na época da floração, e as chuvas no fim de setembro e início de outubro. Além disso, a severidade de doenças, que é diferente dependendo de cada ano. O trigo, ocupando um terço ou metade da área no inverno, também deve ser escalonado para evitar danos em área total. A cultura do trigo tem que ser pensada de forma a aumentar a produtividade de soja. O trigo em determinados anos gera renda, e quando o trigo não gera renda, ao menos se realizou uma ótima cobertura do solo, melhorando a estrutura e realizando supressão de pragas, doenças e plantas daninhas para a cultura da soja. Pode-se pensar nessa lógica: o trigo como suporte para a cultura da soja. No entanto, o trigo, por exemplo, também é uma cultura que tem em média 120 dias de duração.
Sendo o sistema de produção com soja e trigo, sobram 4 meses no ano em que não é feito nada na área. Nos meses de outono após a colheita da soja (abril, maio e junho), é importante que seja feito adubação verde e utilização de plantas de cobertura. A diversidade de espécies vegetais e aumento da atividade biológica auxilia na supressão natural de plantas daninhas, patógenos e pragas.
Para exemplificar os efeitos benéficos da cobertura o ano inteiro, podemos pensar nos nossos grandes fatores de instabilidade da produção em soja: os problemas sanitários e a falta de água durante o ciclo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a precipitação anual é de 1600-1800 mm. Temos falta de chuva? Não, o problema é que o solo não tem estrutura para armazenar água por mais de 10 dias. A lógica para melhorar a estruturação é justamente essa: inserir raízes de diferentes espécies no sistema.
A ideia é manejar no outono e no inverno para melhorar a condição no verão. É necessário, é lógico e é a atitude responsável a se fazer. Nesse sentido, é fundamental pensar na adubação verde: é uma estratégia de 2 meses que pode ser inserida a cada 36 meses ou 24 meses (3 ou 2 anos). Seria importante reservar um período a cada dois anos para se realizar essa prática. A pior opção é abandonar a lavoura no outono/inverno, pois isso é entregar a área para pragas, nematoides, daninhas, sem falar no aumento do risco de erosão.
No outono desse ano, com chuvas muito mais intensas que o normal, muitos comentaram “até a palha foi lavada”. A palha foi lavada porque foi abandonada. Se houvesse uma cobertura vegetal viva e bem estabelecida, o dano seria consideravelmente menor. Essa seria uma palha protegida. As perdas por erosão e o aumento de daninhas estão associados ao abandono da área. Por isso, precisamos aumentar a diversidade durante o ano.
Ter em mente um sistema de produção
Pensando em um sistema estável de produção de soja, é necessário, também, o plantio de parte da área com milho. Inicialmente, a palha que o milho produz é diferente da de soja, possuindo características que afetam a dinâmica do solo. Considerando uma área que seja plantada com um terço de milho no verão, como o milho é colhido em janeiro e fevereiro, teríamos, além disso, um mês a mais para utilização de espécies de cobertura e adubação verde.
Colhendo o milho em fevereiro, é possível, por exemplo, plantar nabo forrageiro, que é uma espécie com relação C/N baixa, e acelera a decomposição dos restos culturais. O nabo, assim como o milho, é um bom ciclador de potássio, que é um nutriente que auxilia na resistência das plantas à doenças. Nesse sentido, o nabo acelera a atividade biológica, que melhora a área para o trigo que virá em seguida.
A importância da semeadura
É sempre importante lembrar também que o momento de semeadura é o que define o potencial de produção das culturas. A distribuição bem feita é a chave. Para soja, é possível aceitar uma variação de 50% no espaço ideal planejado. Ou seja, se o plano é ter 10 cm entre plantas na linha, duas plantas com espaço entre 5 e 15 cm têm condição de manter a produção.
Nesse caso, espaços entre plantas de 2 cm ou 20 cm, por exemplo, são consideradas fora de um padrão de qualidade de semeadura. Em soja, dá pra aceitar 50% em relação à média. Porém, em milho, essa variação é no máximo de 30%. Então, em milho com 25 cm de espaçamento na linha, posso aceitar espaços entre 18 e 32 cm, por exemplo. Em trigo, a variação aceitável é de 80%.
No entanto, é comum em trigo encontrarmos espaços em que se põe uma mão, ou seja, cerca de 10 cm. Esse espaço de 10 cm ocupa o espaço de 6 espigas. Isso seria 90 kg de grãos. Por essa lógica, cada palmo de falha na lavoura de trigo pode causar diminuição de 1 saco e meio na produção. É necessário preparar o leito de semeadura, ter qualidade de semeadura, manejando o ambiente para a “colheita de luz”.
Componentes de rendimento
A produtividade de uma lavoura pode ser estimada em dois componentes: grão por metro quadrado e o peso de cada grão. O milho é uma gramínea com basicamente uma espiga por planta, ou seja, o número de espigas é definido na semeadura. O número de fileiras, o número de grão por fileira e o peso dos grãos, por sua vez, vão ser definidos mais à frente.
De forma geral, a falha no peso de grãos se dá por 3 fatores: Seca, doenças nas raízes e/ou sistema vascular, e perda de área foliar. Em situação de estresse hídrico, a planta não consegue formar corretamente as estruturas reprodutivas, e nem realizar o enchimento dos grãos ao final do ciclo, comprometendo o peso. Em relação à área foliar, o milho tem em geral 6000 cm² de folha por planta, média variável entre os diferentes ciclos e cultivares.
Se perder essas folhas por doenças como a mancha branca ou a ferrugem, ou ainda por seca, não há como encher grãos, ou seja, haverá problemas no peso final dos grãos. Em relação à nutrição, não há muito o que recuperar quando já se atinge determinados estádios de desenvolvimento. A planta completa a formação de uma folha em 10-12 dias. Uma folha que está já formada indica a condição nutricional da planta. Nesse sentido, aplicar nutrientes após a formação da folha não irá melhorar o estado nutricional dela, pois ela já está pronta e não será reformada.
Pode até servir como um estímulo para a fisiologia da planta, mas não na lógica de nutrição. É necessário que os nutrientes estejam disponíveis para a planta no momento certo. Além disso, é necessário manter a sanidade da folha. Uma folha bem nutrida naturalmente atrairá e desenvolverá mais pragas e doenças. Com isso entramos em outro ponto: praga não se controla preventivamente.
O controle de pragas em lavouras exige monitoramento, pois a aplicação preventiva mata a fauna benéfica que pode estar mantendo o equilíbrio entre as espécies. Doença, de forma geral, não se retira, apenas se impede o desenvolvimento. No caso de doenças, é importante que o tecido sadio seja protegido. A qualidade de proteção é uma das coisas que define o êxito final.
Proteção do potencial produtivo
No programa de aplicação de fungicidas, realiza-se aplicação quando ainda é possível cobrir o terço inferior da planta, quando ela tem cerca de 2 m² de área foliar. Quando for realizada a segunda camada de aplicação, o terço médio, com área foliar próxima de 1,5 m², agirá como guarda-chuva para o terço inferior. Se a primeira aplicação for feita no momento certo, com 2 m² de área foliar, e aplicar novamente quando chegar em 3,5 m² de área foliar, e mais tarde fazer a terceira aplicação com 5 m², eu consigo proteger todas as camadas, e não necessitaria teoricamente fazer a 4ª aplicação, que os argentinos chamam de “controle por vingança”, que na verdade é uma aplicação no topo da planta que não chega nas partes onde a doença está estabelecida, que é feita por causa da severidade que a doença atingiu, por não ter sido controlada de forma eficaz no início.
Em ambientes tropicais, a lógica de fitossanidade é muito mais complexa do que em ambientes temperados. Nos Estados Unidos não há ferrugem e não há problemas com lagartas. A Argentina não tem problema de ferrugem e nem de lagartas ou percevejos da forma como se tem no Brasil. A Ferrugem em soja é sempre a expectativa de doença principal aqui. Além delas, manchas foliares também podem vir a causar problema. Em relação a pragas, com a tecnologia Bt, as lagartas têm praticamente desaparecido.
No entanto, as espécies do gênero Spodoptera não são controladas por essa tecnologia, e a partir dessa situação são propostas duas linhas: Uma expectativa é que isso pode fazer com que essas espécies tornem-se pragas importantes na cultura da soja. A outra expectativa é que, sem a intensidade de uso de inseticidas, a Spodoptera ficará sob controle pelos inimigos naturais. Isso pode vir a ocorrer com percevejos também, no longo prazo.
Outra questão é a da mosca branca, no cerrado, e é um problema que exige um modelo de vazio sanitário, semelhante a ferrugem, mas não se tem expectativa de que vire uma praga no sul do país em função do inverno. Hoje se vê que é possível aumentar 30% e até 40% de produtividade apenas seguindo o exemplo dos melhores. Cerca de 10% do agricultores produz soja com produtividades acima de 50% da média. Melhorar a produtividade não é questão de produto ou equipamento, é questão de conhecimento e habilidade para manejar a lavoura.