Recomendações de boas práticas na aplicação aérea de produtos fitossanitários


Autores: Ulisses Rocha Antuniassi, Fernando Kassis Carvalho, Alisson Augusto Barbieri Mota, Rodolfo Glauber Chechetto
Publicado em: 31/10/2017

1. Introdução

O cenário atual do agronegócio brasileiro tem se mostrado favorável à proposição de restrições ao uso de certos produtos fitossanitários e de técnicas de aplicação específicas, como a pulverização aérea. Infelizmente, parte desse processo se deve à falta de sintonia entre os diferentes setores que se relacionam com o agronegócio pois, em muitos casos, se observa o desconhecimento sobre as características específicas das diferentes técnicas de aplicação. Objetivo deste texto é propiciar informações sobre o conceito de boas práticas nas aplicações aéreas de produtos fitossanitários, buscando coordenar informações e sedimentar conhecimento que possa auxiliar técnicos, aplicadores e produtores agrícolas a buscar a sustentabilidade de suas atividades.

2. Procedimentos básicos para redução do risco de deriva nas aplicações

2.1. Seleção do espectro de gotas, ajustes da tecnologia de aplicação e da aeronave

Sempre que possível, ajuste as pontas para aplicar as gotas mais grossas possível. A deriva deve ser evitada a qualquer custo. Ajuste a barra para que o ângulo dos bicos seja zero em relação à direção de deslocamento. Isso reduz deriva, pois faz as gotas ficarem maiores e gera menor percentual de gotas abaixo de 100 micrometros. No caso dos atomizadores, ajuste os mesmos para evitar a geração de gotas finas ou muito finas.

Evite aplicações em baixo volume e com gotas finas ou muito finas. Feche as pontas nas extremidades da barra para limitar que o comprimento da barra seja no máximo 65% da envergadura da aeronave. Isso evita o carregamento das gotas pelos vórtices nas pontas das asas. Faça a menor largura de faixa possível para poder voar mais baixo. Tente limitar a faixa a um valor de no máximo 1,5 a 1,8 vezes o tamanho da barra, limitando a altura de voo a 3 a 5 m. Como exemplo: se a barra tem 10 m de comprimento (entre uma extremidade e a outra), limite a faixa a um valor entre 15 e 18 m.

2.2. Condições meteorológicas para aplicação

Pesquise a direção predominante do vento para o local da aplicação nos sites de precisão meteorológica no dia anterior à aplicação. Como exemplo, no site da Climatempo, clique em cima da indicação da velocidade do vento para abrir uma nova aba de informações sobre a direção, velocidades ao longo do dia, etc. Com isso já será possível saber de antemão onde as faixas de segurança devem ser posicionadas.

No dia da aplicação, leve equipamento para avaliar as condições meteorológicas no local. Limite a aplicação aos momentos em que a temperatura esteja abaixo de 30 graus, umidade acima de 50% e velocidade média do vento entre 3 e 10 km/h. Estes são os limites recomendados no procedimento de boas práticas do CAS para aplicação aérea. A adequação da tecnologia de aplicação às condições meteorológicas é fundamental para o sucesso do tratamento fitossanitário. Conforme descrito anteriormente, para a maioria dos casos devem ser evitadas aplicações com umidade relativa inferior a 50% e temperatura ambiente maior que 30oC.

No caso do vento, o ideal é que as aplicações sejam realizadas com velocidade média de vento entre 3 e 10 km/h. Estes valores de umidade relativa, temperatura e vento devem ser considerados como médias durante os tiros de aplicação. É importante monitorar as condições para que, na média, estes valores estejam dentro dos limites. Entretanto, o bom senso deve prevalecer na delimitação das variações admissíveis. Como exemplo, pequenas variações de vento podem ser admitidas (entre 8 e 12 km/h, por exemplo).

Entretanto, situações de vento de rajada, como numa variação entre 5 e 15 km/h, devem ser evitadas. Estes limites meteorológicos devem ser considerados e, eventualmente flexibilizados, de acordo com o bom senso, sempre de acordo com a tecnologia de aplicação que será utilizada. Como exemplo, o uso de gotas grossas ou muito grossas pode facilitar o trabalho um pouco além dos limites, sempre com o cuidado para que a aplicação não seja feita em condições muito extremas com relação ao clima. É importante que as características da técnica de aplicação utilizada sejam consideradas no momento da tomada de decisão.

A decisão final quanto á eventual variação nos limites meteorológicos deve ser tomada pelo técnico responsável pela aplicação, dentro dos conceitos de boas práticas. IMPORTANTE: a bula do produto pode apresentar limites meteorológicos mais restritivos do que as recomendações acima (boas práticas). Se forem, use o limite mais restritivo.

Por exemplo: se na bula há informação para não aplicar com umidade abaixo de 60%, use esse limite, ao invés de 50%, como nas recomendações de boas práticas. O início da manhã e o final da tarde são períodos onde a umidade relativa é maior e a temperatura é menor, sendo considerados mais adequados para as aplicações. Na prática, é possível a utilização de gotas mais finas nestes horários. Porém, é necessário um monitoramento das condições ambientais com o passar das horas do dia, pois no caso de haver um aumento considerável da temperatura (com redução da umidade relativa), o padrão de gotas precisa ser mudado (passando-se a usar gotas maiores).

Neste caso, o volume de aplicação deve ser aumentado, para não haver efeito negativo na cobertura dos alvos. Uma atenção especial deve ser dada para os horários em que o vento é nulo (sem vento), pois estes momentos são característicos de situações onde podem ocorrer dois fenômenos que dificultam a deposição de gotas mais finas: as inversões térmicas e as correntes convectivas. As inversões ocorrem nas manhãs muito frias, onde o ar parado e a dinâmica da atmosfera podem impedir a deposição de gotas mais finas.

Neste caso, é frequente a citação de casos de deriva a longa distância. De maneira análoga, nas tardes muito quentes é comum a formação de correntes de ar quente ascendente, as quais (na ausência do vento) também transportam gotas para cima, causando risco de deriva em longas distâncias. Por esta razão, é necessário priorizar as aplicações nos horários em que há vento (no mínimo de 3 km/h), pois nestas condições a estabilidade da atmosfera é modificada, reduzindo o efeito desses fenômenos que dificultam a deposição das gotas mais finas.

Cuidado com as inversões térmicas.

Sob condições normais, a temperatura do ar resfriará até 2ºC para cada 300 m de aumento da altitude. Uma inversão ocorre quando não há vento, o ar está estável e quando o ar mais morno subiu para ficar aprisionado entre duas camadas de ar mais frio, no nível do solo e acima da camada morna. Inversões de temperatura podem ocorrer a qualquer momento, mas é mais provável que ocorram pela manhã ou ao entardecer, em condições de vento calmo. Inversões ocorrem com frequência em áreas com culturas irrigadas, onde há matéria verde considerável e em culturas folhosas, como é o caso das bananas.

Quando ocorre uma inversão, a pulverização deve ser interrompida, uma vez que as gotas da pulverização não conseguem penetrar nesta camada de ar frio e podem ocasionar deriva de longas distâncias, resultando em deficiência de cobertura da cultura e consideráveis riscos de danos ambientais. Este fenômeno é facilmente observável quando, depois de fazer o balão no final de um tiro de pulverização, o piloto entra na nuvem de pulverização de sua última passagem.

Às vezes, as inversões podem ser detectadas se um nevoeiro ou fumaça puder ser visto derivando horizontalmente a uma altura constante ao longo da base da camada de inversão ao invés de subir verticalmente e, então, se dissipar rapidamente.

Em regiões onde inversões de temperatura ocorrem frequentemente, recomenda-se geralmente atrasar o início da aplicação até que as condições melhorem e, então, continuar a pulverizar até um momento quando o risco de inversão ocorrer novamente.

Se uma aplicação tiver que ser feita sob condições de tempo não ideais, alguns parâmetros têm que ser modificados, como:
• Aumentar o tamanho das gotas;
• Aumentar o volume de calda;
• Reduzir a altura do voo.

2.3. Use técnicas para reduzir deriva (TRD)

Como regra geral, entende-se que a melhor estratégia para a redução do risco de deriva deve considerar os seguintes “mandamentos” básicos:

a) operar sempre nas melhores condições meteorológicas;

b) escolher a técnica de aplicação que ofereça o menor risco de deriva para as condições meteorológicas vigentes;

c) adotar condições operacionais adequadas, evitando excessos na redução do volume de calda, na faixa de aplicação e na altura do voo;

d) planejar a composição da calda para que esta não ofereça maior risco de deriva;

e) adequar a distância entre a área de aplicação e as áreas que precisam ser protegidas, de acordo com a legislação, considerando ainda a técnica utilizada. Em tese, as técnicas mais seguras poderiam ser aplicadas bem mais próximo das áreas de restrição;

f) respeitar as faixas de segurança. Um procedimento recomendável que visa reduzir o risco de deriva nas aplicações, principalmente naquelas com volumes reduzidos e gotas mais finas, é a seleção de técnicas de aplicação que produzam espectros de gotas com baixo percentual de gotas menores do que 100 µm. Técnicas com essa característica reduzem o potencial de deriva, pois oferecem melhor qualidade nos espectros das gotas, as quais terão amplitudes relativas menores. Desta maneira, o tamanho das diversas gotas formadas na pulverização será mais próximo do DMV (diâmetro mediano volumétrico), reduzindo assim o risco de haver uma quantidade grande de gotas muito finas na pulverização, causando ainda mais deriva.

2.4. Siga rigorosamente a legislação sobre faixas de segurança:

Apesar de todas as medidas tomadas para prevenir a deriva, alguma perda para fora da área de aplicação pode acontecer durante a pulverização aérea. Em muitas situações, uma boa maneira de reduzir o potencial de impacto da deriva é estabelecer zonas de segurança. As faixas de segurança são áreas sobre as quais a pulverização não é permitida de forma a separar a cultura pulverizada de uma área sensível adjacente.

Para pulverização aérea, essas zonas são geralmente mais largas do que para situações de pulverização terrestre semelhantes. A largura da faixa de segurança pode estar relacionada ao tipo de produto e velocidade do vento na aplicação e, portanto, o rótulo do produto poderá conter recomendações específicas a respeito dessas faixas não aplicadas. Em muitas circunstâncias, as faixas de segurança são definidas pela legislação. Comumente, essas faixas são designadas para proteger:
• Superfícies de água, pelo risco de contaminação ambiental;
• Áreas urbanas, agrupamentos de edificações ou edificações isoladas, por questões de segurança humana;
• Culturas não-alvo, pelo risco de efeito fitotóxico ou pela possibilidade da cultura não-alvo receber resíduos de produtos não permitidos, prejudicando a segurança alimentar ou causando prejuízos relacionados à comercialização do produto;
• Grupamentos de animais, pela possibilidade de intoxicação;
• Áreas de matas nativas ou de proteção ambiental, pelo risco de danos à flora e a fauna no local. Cada país pode ter uma legislação específica sobre o tema, a qual define distâncias mínimas tanto para aplicação aérea como terrestre.

Como exemplo, no caso das aplicações aéreas no Brasil, a instrução normativa número 2 do Ministério da Agricultura (IN 2 do MAPA) define em que situações as aplicações aéreas não devem ser realizadas. Segundo esta normativa, as restrições são as seguintes:

a) as aplicações não deverão ser realizadas em áreas com distância inferior a 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento de população;

b) estas restrições deverão ser válidas também para áreas com distância inferior a 250 metros no caso de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais;

c) as aeronaves agrícolas que contenham produtos químicos deverão ser proibidas de sobrevoar as áreas povoadas, moradias e os agrupamentos humanos. Observação importante: a IN 2 do MAPA deve ser seguida à rica, sempre, inclusive na questão do sobrevoo de áreas restritas com a aeronave carregada de produtos.

Deve-se ter o máximo de cuidado para que os balões não sejam feitos sobre moradias isoladas ou áreas urbanas. Por seu posicionamento enquanto Instrução Normativa Federal, a IN-2 do MAPA deve ser a referência primária para a definição das faixas de segurança. Entretanto, o aplicador deve ter atenção à legislação local de cada estado ou município. Como exemplo, no estado de Goiás a Lei Nº 19423 de 26/07/2016 descreve faixas de segurança que diferem da IN-2 do MAPA.

2.5. Preparação das ordens de serviço

As empresas de aplicação aérea utilizam relatórios operacionais que são um meio termo entre uma ordem de serviço (OS) e um relatório de aplicação (RA). Independentemente da forma de manejo da empresa, é importante que o engenheiro agrônomo responsável pelo planejamento da aplicação siga os passos do procedimento de boas práticas na aplicação aérea.

Para tanto, devem ser seguidas as seguintes instruções básicas:

• Demarcação da direção predominante do vento, com informações meteorológicas atualizadas no dia da aplicação nas ordens de serviço (OS);

O documento que representa a Ordem de Serviço (OS), ou documento análogo com outra denominação, deverá ser entregue antes da aplicação ao técnico responsável contendo indicação clara da direção predominante do vento ao longo das horas do dia, com informações atualizadas na data da aplicação. Sugere-se a consulta aos websites de previsão do tempo no momento da preparação da OS. Esta informação deve ser claramente repassada pelo técnico ao piloto antes do início dos trabalhos, de forma que se possa realizar o planejamento da segurança da operação quanto à minimização dos riscos de acidentes de deriva.
 

• Demarcação das faixas de segurança nas ordens de serviço;
A Ordem de Serviço (OS) deverá ser entregue ao técnico responsável antes da aplicação contendo indicação clara do posicionamento adequado da faixa de segurança a ser resguardada dos possíveis alvos de deriva, de acordo com a legislação vigente e os conceitos de boas práticas na aplicação aérea. Esta informação deve ser claramente repassada pelo técnico ao piloto antes do início dos trabalhos, de forma que se possa realizar o planejamento da segurança da operação quanto à minimização dos riscos de acidentes de deriva.