Já se sabe que para se atingir produtividades elevadas com baixo custo é necessário ter um solo com qualidade, não apenas física ou química, mas também biológica. Na sequência, algumas considerações sobre a qualidade biológica do solo, de acordo com o agrônomo e agricultor americano Ray Archuleta, especialista em Conservação do solo no NRCS East National Technology Center, em Greensboro, na Carolina do Norte (email: [email protected]).

1 – “Cola orgânica”

A matéria orgânica é essencial para criar “colas” biológicas que mantêm as partículas unidas, assim como mantêm os nutrientes no solo. Esses agentes cimentantes são resultado de processos biológicos de minhocas, artrópodes, bactérias e fungos. O ligamento entre as partículas do solo deve ser constantemente renovado por processos biológicos, e pode ser destruído por escolhas de manejo que não consideram o solo como um ecossistema que depende de uma série de fatores interconectados.

2 - Preparar os microorganismos

Bactérias copiotróficas são necessárias para decompor resíduos do solo, mas não são boas manejadoras de carbono, e quando apenas elas estão presentes, o sistema solo fica desiquilibrado, e isso pode acabar com toda a estrutura de matéria orgânica. Um sistema de plantio direto contínuo resulta em um solo com maior presença de fungos, que auxiliam na decomposição do material orgânico. O solo, portanto, deve ser tratado como um ecossistema, que o produtor deve proteger utilizando a semeadura direta, além de oferecer alimentos aos organismos de forma variada, evitando plantar uma espécie apenas.

3 - Micróbios & Infiltração

A baixa perturbação do solo e a alta diversidade biológica imitam em parte a vegetação natural, e promovem ciclos mais estabelecidos no sistema solo. Uma comunidade microbiana saudável, por exemplo, é essencial para o sucesso do ciclo da água, auxiliando na estruturação do solo e consequente aumento da retenção e infiltração.

4 - Culturas de cobertura

As raízes das culturas de cobertura secretam substâncias alelopáticas que agem como herbicidas naturais, assim como transferem nutrientes para os fungos micorrízicos. Elas também auxiliam na regulagem da temperatura e umidade do solo. Se a temperatura é muito alta, a maior parte da umidade do solo é utilizada para resfriar as plantas, ao invés de promover o desenvolvimento.

5 - Minhocas

A presença de minhocas é um bom indicador de qualidade do solo, e elas podem auxiliar na modificação do solo em pouco tempo. Raízes vivas levam um pouco mais de tempo, mas também têm um efeito interessante na liberação de enzimas. Essas enzimas estimulam o ciclo do nitrogênio e são parte de um processo de comunicação entre as raízes e os microorganismos.

6 - Protegendo a vida no solo

Em uma abordagem holística, à qualidade do solo e a produção de grãos pode reduzir a necessidade de herbicidas e pesticidas, esses produtos parecem ter pouco efeito em micorrizas quando aplicados em doses recomendadas. O Dr. Archuleta considera que os resultados de pesquisa são esporádicos quanto ao uso de inoculantes micorrízicos, mas ele não se opõe a eles. No entanto, aponta que certas culturas de cobertura e milho são particularmente boas opções para aumentar a quantidade de fungos micorrízicos no solo.

7 - Usar as ferramentas de forma sábia

Os produtores devem considerar o cenário todo e utilizar ferramentas de manejo de forma sábia. “Quando eu saí da escola, achava que era tudo baseado em N, P e K”, ele afirma. “Hoje, eu acho que é o carbono. Quando você conserta o ciclo do carbono (mesmo que utilizando outros nutrientes para isso), você para de perturbar o sistema do solo. É tudo a respeito do carbono. A matéria orgânica é 58% carbono. Os exsudatos da raiz também são carbono. Assim que você insere carbono, terá a biologia do solo acontecendo“. Segundo Anchuleta, os produtores devem focar na qualidade do solo, ao invés de focar nos tratos culturais. Ele considera ainda: “Nós temos que fazer o solo funcionar. Algo que muitas vezes esquecemos no plantio direto é a diversidade de culturas, e hoje se sabe o quão importante é essa diversificação para o solo”, conclui.

Biologia do solo

Considerando os benefícios que a utilização das culturas de cobertura podem trazer, é interessante relembrar alguns princípios básicos a serem considerados quando se elabora uma cobertura consorciada:

Objetivo:

Ter um objetivo bem definido para a implantação da cobertura elimina várias espécies desnecessárias que podem mais atrapalhar do que ajudar. Concentrar-se nos benefícios desejados (formação de palhada, ciclagem de nutrientes, incorporação de nitrogênio, etc.), e na escolha das espécies que vão gerar esses benefícios.

Tamanho da semente e profundidade de semeadura:

Tamanhos variados de semente alteram a interação física das espécies e isso impacta diretamente na profundidade de semeadura a ser usada. Muitas espécies toleram alguma variabilidade na profundidade durante a germinação, mas muitas coberturas acabam mal estabelecidas – normalmente porque as sementes foram posicionadas muito profundamente.

Método de semeadura:

Da mesma forma que o fator anterior, a maneira como a semente é plantada pode afetar muito o estande final de plantas. Alguns equipamentos oferecem flexibilidade para sementes de diferentes tamanhos, mas aplicações a lanço não oferecem esse recurso. Se uma espécie na combinação não tolera condições menos favoráveis de solo, e não houver contato adequado da semente com o solo, há grande chance dessas sementes não emergirem, ou emergirem muito depois que o restante das plantas.

Momento de plantio:

É importante que a cultura de cobertura seja plantada o quanto antes, no final do verão ou no início do outono, se possível. Não se deve esquecer que a cobertura plantada pode dar um resultado diferente do o esperado. Por exemplo, combinações contendo brassicas (crucíferas, como nabo forrageiro) devem ter menor proporção na combinação do que outras espécies. As brassicas respondem melhor ao calor do que espécies como cereais de inverno. Então, diminuir a proporção dessa espécie quando se planta a cobertura mais cedo, pode melhorar o crescimento das outras espécies. No entanto, quando plantando mais tarde, pode-se aumentar a porcentagem de espécies que respondem melhor à temperatura, ajudando as brassicas e leguminosas de menor porte a se estabelecerem.

Competição:

Nem todas as espécies de cobertura crescem na mesma taxa ou com a mesma rapidez. Por exemplo, muitas brassicas crescem mais rápido que leguminosas de inverno, e alguns trevos levam muito mais tempo para se estabelecer que outras leguminosas. Isso pode influenciar muito no desenvolvimento das espécies dentro do consórcio.

Interações com herbicidas:

Quanto mais complexa a mistura, maior o risco de a cobertura não estabelecer bem devido ao residual de herbicidas (carryover). Dependendo do ciclo da lavoura principal e do momento das aplicações de herbicida, é comum se perceber problemas de germinação ou atrasos alterando o estande final da cultura de cobertura. Existe certa discussão em relação à utilização de consórcios vs. espécies solteiras. A pesquisa mostra que muitos benefícios das culturas de cobertura são atingidos igualmente quando plantando apenas uma espécie, ou uma mistura de várias espécies. No entanto, a diversidade é positiva para vários fatores, em especial o solo. Semear várias espécies cria um ambiente mais favorável, onde os organismos benéficos se desenvolvem com mais facilidade. A recomendação é que a mistura seja arranjada de forma que não comprometa a prática agronômica no campo.

Conteúdo adaptado de No-Till Farmer (EUA), Setembro/2017.