Manejo de percevejos no pós-Bt


Autores:

Germison Tomquelski

Publicado em: 28/02/2021

Ano após ano, as pragas, em virtude das mudanças climáticas e no sistema de produção, trazem grandes prejuízos ao produtor. O agroecossistema utilizado nos mais de 38 milhões de hectares de soja do Brasil apresenta várias características favoráveis à multiplicação de pragas, pois prevalece um sistema de produção em que a soja é a principal cultura a se estabelecer, na grande maioria das áreas, podendo ser rotacionada ou não, sendo após a colheita, estabelecido uma cultura na sucessão ou mesmo ficando em “pousio”, proporcionado alimento para as pragas.

Desta forma, existe hospedeiro durante o ano todo e aliado a outros fatores como condições climáticas favoráveis, de altas temperaturas e de inverno ameno, torna-se ideal para a multiplicação dos insetos.

Na safra 2020/2021 de modo geral no Brasil, observou-se um atraso na semeadura, chegando há 30 dias em determinadas regiões. O fator clima influencia muito no ciclo das pragas, sendo coincidente na maioria das vezes com a cultura (principal alvo - alimento). O processo de semeadura quando se inicia muito cedo, leva a “janelas” longas de semeadura, favorecendo a multiplicação, muito comum em regiões com irrigação, ou mesmo das chuvas que ora chegam antes de outras áreas.

Nas primeiras áreas semeadas nos últimos anos têm se observado grande ataque de diversas pragas. Esta ocorrência se deve por ser um dos únicos locais de abrigo – alimento encontrado por elas, ou mesmo pela saída de processos como Diapausa e consequentemente uma migração.

Entre as pragas migratórias é de se destacar os percevejos fitófagos, que atualmente estão presentes na cultura da soja e no sistema de produção das grandes áreas de Cerrado, envolvendo as culturas de soja e milho. Ano a ano observa-se a chegada mais cedo, necessitando a análise da sua dinâmica populacional e hora o manejo.

Este aspecto tem levado os técnicos a analisar melhor o manejo, haja vista os grandes prejuízos desta praga ou mesmo o aumento no custo de produção, em função do seu controle. Vários fatores têm levado o aumento desta praga, mas é de se destacar o aumento na frequência de plantas tigueras. As plantas de milho são cada vez mais observadas no sistema e destaque, das mesmas com resistência ao glifosato, maior custo e dificuldade no manejo. Alguns trabalhos observaram que espigas de milho que caíram ao solo geraram 6 fluxos de milho (Adegas et al., 2015), o que pode gerar para o produtor um número maior de aplicações na cultura da soja, principalmente em áreas com falhas no estande.

Outro fator é a adaptação dos percevejos no sistema de produção, ocorrendo há vários anos, sendo o período de entre safra uma época importante para entender a sua dinâmica (Rattes, 2004). De modo geral ao longo dos anos os percevejos se adaptaram as diversas plantas daninhas, sendo que algumas delas de maior ocorrência atualmente, em função da seleção dos herbicidas utilizados. Entre as plantas daninhas de destaque na região central do Brasil a trapoeraba (Commelina benghalensis), capim-amargoso (Digitaria insularis), buva (Conyza bonariensis) e por último com presença marcante nos estados da Bahia, Mato Grosso, Piauí, Maranhão e Tocantins, a vassourinha de botão (Spermacocea verticillata).

Trabalhos realizados por Tomquelski et al. (2015) e Castro et al. (2020) verificaram 100% de frequência de Dichelops (Diceraeus) melacanthus em plantas daninhas de C. benghalensis. As áreas de milho na sucessão apresentaram danos superiores a 20% quando da presença da praga e da planta daninha presente.

Ao longo dos anos observa-se mudanças com relação as espécies. O percevejo-marrom, Euschistus heros (Heteroptera: Pentatomidae), apresenta ampla distribuição nas lavouras da região do Cerrado. Na região dos Chapadões eles representam mais de 85% das espécies presentes nas amostragens na cultura da soja.

Outras espécies de percevejos estão associadas ao agroecossistema como o percevejo barriga-verde (Dichelops (Diceraeus) melacanthus e D. furcatus), o percevejo edessa (Edessa meditabunda) e o percevejo verde-pequeno (Piezodorus guildinii), ocorrendo em determinadas áreas com grandes prejuízos.

De modo geral estas pragas apresentam ciclo em torno de 20 a 40 dias, podendo passar por períodos de diapausa na falta de alimento. Um dos destaques é D. melacanthus que apresenta ciclo menor, e a maior capacidade de reprodução, podendo a fêmea colocar mais de 80 ovos.

Analisando o ciclo dos percevejos e da cultura da soja, observa-se que pode ocorrer até 4 gerações na cultura, dependendo o ciclo do cultivar e outros fatores. A quantidade gerada ao final da cultura pode ser muito difícil de ser manejada.

Os percevejos por ocasião da finalização do ciclo da cultura da soja ou após a colheita, migram para culturas adjacentes ou ficam na área em função dos restos culturais que ora caem das máquinas, por ocasião do processo de colheita, vindo depois a atacar as culturas na sequência, levando a grandes prejuízos.

De modo geral no Brasil observa-se que o milho migrou da safra de verão para a 2ª safra = “safrinha” (CONAB, 2021). Neste sistema (soja – milho) os percevejos têm gerado prejuízos médios na ordem de 20% nas grandes regiões produtoras de milho. Vale destacar que em determinadas localidades os prejuízos chegaram a 100%, necessitando a ressemeadura de determinados talhões.

Na análise desta importante praga, outro fator a considerar é que a área de plantas transgênicas no Brasil cresce anualmente. Atualmente mais de 70% da área de soja é utilizada com a tecnologia Bt (resistência a determinadas lagartas desfolhadoras).

Esta é uma das ferramentas recomendadas dentro do Manejo Integrado de Pragas - MIP, no entanto por comodidade, alguns produtores, a adotam sem critérios e análises nas dinâmicas populacionais.

Pragas como os percevejos apresentam distribuição desuniforme nos talhões, requerendo maior acurácia do técnico envolvido na amostragem. Trabalhos realizados por Tomquelski et al. (2018) mostram a problemática dos percevejos no início de infestação, ocorrendo em “manchas” que em uma semana chegam a infestar mais de 50% dos talhões.

Na amostragem é importante ressaltar que nos últimos anos, avanços vêm sendo desenvolvidos, entre eles o uso dos feromônios. Estas ferramentas levam a uma maior acurácia principalmente na chegada da praga, que normalmente se ocorre no período vegetativo.

Esta ferramenta vem sendo trabalhada a alguns anos (Pires et al. 2006; Silva et al. 2014) e observa-se que a praga no período vegetativo a partir da chegada de fêmeas – férteis – sem parasitismo, pode ter um grande crescimento populacional, gerando número alto de indivíduos a serem controlados no período reprodutivo, fase prejudicial da praga a cultura.

Na amostragem o cuidado com os refúgios próximos, ou mesmo talhões mais velhos são pontos prioritários - atenção, podendo ser o início da infestação. De modo geral o voo dos percevejos não ocorre a grandes distancias como outras pragas (lepidópteros voos de mais de 500 metros), sendo as bordaduras importantes locais de observação.

Os danos na cultura da soja ocorrem na fase reprodutiva a partir da formação das vagens, também comumente chamado da formação dos “canivetinhos”, levando a queda dos mesmos e após a má formação dos grãos. Nesta fase os percevejos se concentram nestas partes, tanto como ninfas e adultos. É interessante que nas folhas das plantas pode, em alguns casos, ser encontrado somente 10% da população total presente na planta. Os percevejos succionam a seiva nos ramos, hastes e vagens. Ao sugarem podem injetar toxinas que provocam a “retenção foliar”, ou seja, as folhas não caem normalmente e dificultam a colheita mecânica.

Em milho o ponto de crescimento das plantas é o alvo na fase inicial, sendo os percevejos do gênero Diceraeus sp. os que levam aos maiores prejuízos. Seu estilete consegue atingir o meristema das plantas levando a deformação das plantas, comprometendo o desenvolvimento e consequentemente a ocorrência de plantas “dominadas” que não produzem espigas.

Alguns trabalhos mostram que conviver com níveis acima de 2 percevejos por metro de linha na soja, podem levar a ocorrência de retenção foliar ou também chamada de “soja louca 1” (Eduardo et al. 2018). Este fato é muito comum de se observar no campo, em virtude muitas vezes do intervalo de aplicações, que muitas vezes é calendarizado com o fungicida (em torno de 15 a 20 dias).

Atualmente a qualidade dos grãos tem levado a maiores cuidados, sendo ponto de atenção quando o produtor necessita armazenar por tempos maiores os grãos. Os percevejos em função das picadas nos grãos levam a entrada de fungos (Nematospora coryli) podendo ocorrer aumento de grãos “ardidos” que ora são descontados por ocasião do embarque, ora descontados na chegada da indústria.

As características destes grãos atacados são muitas das vezes menores, enrugados, chochos e mais escuros. No processo de armazenagem os grãos picados levam a perda da massa com o passar do tempo, e neste caso as “tradings” tem aumentado o rigor na classificação, entrada do produto para o armazém.

Trabalhos de acompanhamento realizados por Tomquelski et al. (2020), observaram que na região dos Chapadões ocorreram variações de 3 até 32%, de grãos picados por percevejos em cargas de soja, sendo ponto de atenção para o trabalho dos classificadores, na hora do embarque das cargas.

Produtores que contam com silos em suas fazendas devem estar monitorando este fator, haja visto algumas amostras com mais de 30% de grãos atacados, proporcionaram prejuízos na ordem de 2%, quando a massa é armazenada por mais de 3 meses (Tomquelski et al. 2016).

Para o manejo dos percevejos fitófagos a atenção com o entendimento da dinâmica populacional e emprego de estratégias integradas são fatores fundamentais. O manejo é realizado em grande parte com a utilização do controle químico, técnica eficiente, rápida e que pode ser utilizada nas grandes áreas. No entanto um fator é importante ressaltar que poucos são os grupos químicos disponíveis, além de que as ferramentas ora podem não funcionar como o esperado.

O controle na fase inicial da cultura da soja, muitas das vezes é utilizado o grupo químico dos organofosforados, sendo o Acefato o maior representante. Este inseticida nos últimos anos tem proporcionado a rotação entre as misturas prontas de neonicotinóides associados a piretróides. Nos resultados de pesquisa Embrapa (2018); Embrapa (2019); Tomquelski et al. (2020) observa-se a consistência de resultados de Acefato sobre adultos de Euschistus heros, sendo importante ferramenta na quebra do ciclo da praga por ocasião do vegetativo, em eventual necessidade, com a cultura “aberta”. Nesta fase antes do fechamento da cultura ainda há disponibilidade dos inseticidas Bifentrina+Zetacipermetrina e Fenitrotion+esfenvarelato, com resultados em torno de 80% de controle.

Este fechamento da cultura - fase vegetativa da soja - ocorreram grandes mudanças ao longo da última década. A introdução de novos cultivares com hábito de crescimento indeterminado, florescendo com 28-35 dias, tem levado a formação de vagens mais cedo, e consequentemente o terço inferior “baixeiro” tem ganhado maior importância na produtividade.

Com o fechamento deve o produtor se atentar no controle das ninfas, muitas das vezes em função das “sobras” da praga no sistema – controle. Neste caso as misturas prontas de piretróides e o grande grupo dos neonicotinóides, tem apresentado bom controle, por proporcionar controle maior em dias.

Atualmente há de se destacar Thiametoxan + Lambdacihalotrina, Imidacloprido + Bifentrina, Imidacloprido + Betaciflutrina, Acetamiprido + Bifentrina além dos novos inseticidas Dinotefuran + Lambdacihalotrina e Sulfoxaflor + Lambdacihalotrina. Outros inseticidas destaque para a rotação são as misturas de Carbosulfan + Bifentrina e o novo registro de Etiprole.

Na safra 2019/2020 e 2020/2021 observou-se grande quantidade percevejos da espécie D. melacanthus de modo geral na região do Cerrado Brasileiro. Esta espécie pode na cultura da soja utilizar dos cotilédones para sua alimentação e normalmente não sobe muito no dossel das plantas, requerendo maior cuidado com a tecnologia de aplicação, ou mesmo a estratégia de manejo. Muitas áreas têm requerido aplicações ao final da cultura – próximo a desfolha – dessecação, a fim de baixar as populações para a cultura subsequente (milho 2ª safra).

De modo geral as combinações de fatores adversos têm levado a erros no posicionamento das ferramentas. Percebe-se que muitas das vezes o produtor tende a esperar a entrada do fungicida, o que pode ser muito tarde, haja vista que a praga pode se reproduzir em função dos hospedeiros alternativos, ou mesmo a entrada “cedo” ou aplicações “calendarizadas” sem a necessidade.

Na região dos Chapadões em acompanhamentos realizados nos anos últimos anos observou-se queda no parasitismo, sendo os valores nas últimas safras em torno de 20% da população dos percevejos.

O controle biológico com os parasitóides Trissolcus basalis e Telenomus podisi tende a aumentar em vista do aumento das empresas de biológicos, além das estratégias de liberação, com a utilização de Drones – Vants, o que facilita o trabalho para o produtor. Novas formulações de fungos com Metarhizium anisopliae têm agregado aos resultados de manejo.

O clima sem sombra de dúvidas pode variar a ocorrência das pragas como também a eficiência dos métodos. É importante ressaltar que na safra 2019/2020 por questões de chuva na colheita e operacionais, o final da soja apresentou altas populações de percevejos. É muito importante a análise destes índices da praga no sistema de produção (logo semear a cultura subsequente) e além da qualidade de grãos tornam-se fundamentais para o sucesso do manejo. Se necessário o produtor deve diminuir a população ainda na cultura da soja.

Somente o resgate do Manejo Integrado de Pragas, com melhor conhecimento da praga – biologia, boa amostragem e atenção aos níveis de infestação, tende a suportar as estratégias de controle. Atualmente diversas ferramentas digitais estão disponíveis para a melhoria da amostragem, como geo-referenciamento de pontos e construção de histórico das áreas.

Diversos são os inseticidas no mercado, deve o produtor se atentar no posicionamento das ferramentas – integração dos métodos, e com certeza, o manejo fará a diferença, melhorando a sua rentabilidade final.

Por hora o produtor está vencendo a batalha contra os percevejos, mas a guerra ainda não acabou.