Intensidade de doenças foliares e relato de injúrias em lavouras de trigo


Autores: José de Alencar Lemos Vieira Junior; Ricardo Trezzi Casa; Daniel Souza ; Monica Farias
Publicado em: 31/08/2017

Introdução

Os estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina correspondem por 91 % da produção nacional de trigo (Triticum aestivum L.), aproximadamente 1,92 milhões de toneladas do grão (Conab, 2017). As condições climáticas desta região, principalmente o excesso de chuvas durante o cultivo do trigo, torna o ambiente favorável à ocorrência de epidemias de doenças (CASA & REIS, 2016).

As doenças foliares do trigo são causadas por microrganismos necrotróficos e biotróficos, dependendo de suas exigências nutricionais. Entre estes, os fungos apresentam maior importância econômica por sua frequência e intensidade em lavouras conduzidas no sul do Brasil (FERNANDES & PUCININI,1999; NAVARINI & BALARDIN, 2012; CASA & REIS, 2016).

Os fungos necrotróficos possuem a capacidade de sobreviver em sementes e restos culturais de seus hospedeiros, a exemplo dos agentes causais da mancha amarela [Drechslera tritici-repentis (Died.) Shoemaker], septoriose [Stagonospora nodorum (Berk.) E. Castell. & Germano] e mancha marrom [Bipolaris sorokiniana (Sacc.) Shoemaker] (CASA et al., 2002) (Figua 1). Os fungos biotróficos necessitam do tecido vivo de seus hospedeiros para sobreviverem, como os agentes causais do oídio [Blumeria graminis f.sp. tritici (DC.) Speer] (Figura 2) e ferrugem da folha (Puccinia triticina Erikss) (Figura 3).

O dano no rendimento de grãos ocasionado por estas doenças varia de intensidade em função do ambiente, reação genética do cultivar e práticas culturais de manejo (BARROS et al., 2006; CASA & REIS, 2016). O dano causado pela mancha amarela pode chegar a 48 % (RESS & PLATZ, 1983), 62 % por oídio (REIS & CASA, 2007), 80 % pela ferrugem da folha e 80 % por helmintosporiose (MEHTA, 1993).

Devido ao aumento da intensidade das doenças foliares e na ausência de cultivar resistente a todas as doenças ou de outro meio de controle mais eficaz, o controle químico apresenta-se como alternativa para garantir o potencial produtivo do trigo no Brasil (Picinini et al., 1993; KIMATI, 1995; REIS et al., 2008; BIANCHIN, 2011). Entretanto, a aplicação de defensivos agrícolas sem critério técnico pode resultar no aumento do custo de produção, contaminação dos agroecossistemas (ZAMBOLIM et al., 2003) e causar fitotoxicidade a cultura (VIEIRA JUNIOR, 2017).

A detecção das doenças predominantes e a determinação da sua incidência, auxilia a assistência técnica na implementação de práticas de manejo, como na escolha dos fungicidas a serem aplicados, promovendo o manejo racional e sustentável destes químicos. O objetivo do trabalho foi obter a intensidade de doenças foliares em lavouras de diferentes cultivares de trigo conduzidos em sistema de semeadura direta e rotação de cultura na região nordeste do Rio Grande do Sul e relatar injúrias pela aplicação de defensivos.

Material e métodos

O levantamento foi realizado na safra 2015, nos municípios de Bom Jesus, Lagoa Vermelha, Muitos Capões e Vacaria, região nordeste do Rio Grande do Sul. Foram avaliadas duas lavouras comerciais para cada cultivar de trigo (Tabela 1), totalizando 12 lavouras conduzidas em sistema de semeadura direta em sucessão à soja e rotação com aveia branca (Avena sativa).

As unidades experimentais foram constituídas por talhões uniformes de 5 ha em lavouras semeadas mecanicamente e submetidas as práticas culturais conforme indicações técnicas para a cultura do trigo (INFORMAÇÕES, 2015). Os defensivos foram aplicados conforme escolha de cada produtor. As coletas foram realizadas em lavouras a partir do perfilhamento (ZADOCKS et al., 1974), com caminhamento em ziguezague, em duas diagonais, arrancando uma planta a cada 30 metros (REIS & CASA, 2007), no período de agosto a outubro, totalizando 10 semanas consecutivas.

Cada amostra foi composta por 50 perfilhos. As folhas expandidas foram destacadas e através de análise visual separadas em grupos com e sem sintoma e/ou sinal para uma determinada doença. As folhas doentes foram classificadas em manchas foliares, ferrugem ou oídio. Foi considerada doente a folha com no mínimo uma lesão maior que 2 mm para mancha foliar, uma pústula com frutificação visível para a ferrugem da folha e, para oídio, a presença de massa de micélio e conídio.

A incidência para cada doença foi submetida a análise de regressão, expressada pela plotagem da incidência versus tempo (BERGAMIM FILHO; AMORIM, 1996) e obtida a AACPI (área abaixo da curva de progresso da incidência), calculada por integração trapezoidal. As injúrias foram diagnosticadas visualmente e, com auxílio do histórico da lavoura, os sintomas comparados com a literatura.

Resultados e discussão

Houve a detecção de lavouras com fitotoxicidade em folhas de trigo devido a aplicação de fertilizante foliar (Figura 4), fungicidas (Figura 5 e 6) e herbicidas (Figura 7 e 8). O uso excessivo e a mistura de defensivos podem provocar injúrias em folhas, com a expressão dos sintomas dois a três dias após a aplicação, na forma de lesões alongadas e/ou cilíndricas, cloróticas e/ou amareladas (CASA & REIS, 2014).

A estiagem do mês de agosto (Figura 9) resultou em atraso, ausência ou redução da eficiência da adubação nitrogenada em cobertura (Figura 10). A planta cultivada em condições de deficiência de nitrogênio pode ser mais susceptível a patógenos (ZAMBOLIM & VENTURA, 1993). Estes fatores ambientais causaram estresse as plantas o que pode facilitar as injúrias por defensivos, sendo importante a diferenciação desses sintomas das doenças bióticas, ou seja, de origem infecciosa.

A ferrugem da folha foi a doença predominante em agosto. Após a primeira semana de setembro houve incremento na incidência do oídio, predominando sobre ferrugem da folha e manchas foliares até o termino das avaliações (Figura 11). A doença com a maior área abaixo da curva de progresso da incidência em valor absoluto foi oídio (1085), seguido de ferrugem da folha (910) e manchas foliares (359) (Figura 12).

A precipitação pluvial média nos municípios analisados foi de apenas 47 mm em todo o mês de agosto, esses índices aumentaram para 269 mm em setembro e 328 mm em outubro, com temperatura média de 15 a 16 oC (INMET, 2015; EMBRAPA, 2015) (Figura 9). A temperatura ótima para desenvolvimento do oídio, varia de 15 a 22 oC e de 16 a 18 oC para ferrugem da folha (CASA & REIS, 2016).

O aumento na precipitação pluviométrica e a temperatura adequada para o desenvolvimento dos agentes causais da ferrugem e do oídio justificam a crescente incidência destas doenças. No entanto, não foi observado o mesmo padrão de intensidade para manchas foliares, com aproximadamente 10 % de incidência durante todo o período avaliado, apesar do ambiente também ser favorável a mancha amarela, principal mancha foliar da região. A semeadura direta auxilia na qualidade física, química e biológica do solo, e reduz os processos erosivos devido a manutenção da palhada sobre o solo (Debiasi et al. 2013).

Este sistema promove a decomposição lenta dos resíduos o que permite a sobrevivência dos fungos necrotróficos, agentes causais das manchas foliares, entre as safras. No entanto, as lavouras deste levantamento foram conduzidas em sistema de rotação com aveia branca. Esta prática reduz significativamente a ocorrência de manchas foliares em trigo pois um inverno de intervalo é suficiente para redução significativa do inóculo (Prestes et al., 2002). Situação que justifica a menor intensidade das manchas foliares.

Assim como, pelo uso de sementes sadias e/ou tratadas com fungicidas específicos. Sintomas de injúria por frio foram detectados no mês de setembro. O congelamento dos tecidos foliares ocasionado pela geada pode causar dano ao rendimento de grãos de trigo, com intensidade a depender do cultivar, do estádio fenológico e de fatores abióticos associados (Silva et al., 2008). A injúria pelo frio normalmente é observada em plantas localizadas na região mais baixa da lavoura.

O limbo foliar torna-se descolorido e a evolução dos sintomas são observados pelo afilamento de sua ponta (Figura 13). Nesta safra, plantas entre os estádios de emborrachamento e florescimento sofreram estresse irreversível pelo congelamento das dos tecidos (Figura 14). A intensidade da geada inviabilizou a continuidade dos tratos culturais e da colheita dos grãos de algumas lavouras.

Conclusões

Herbicidas, fungicidas e fertilizantes foliares causam fitotoxicidade em folhas. A doença foliar de maior intensidade em lavouras de trigo conduzidas na região nordeste do Rio Grande do Sul, safra 2015, foi o oídio, seguido por ferrugem da folha e manchas foliares. A geada durante o estádio reprodutivo, principalmente entre o emborrachamento e a floração, pode inviabilizar a continuidade dos tratos culturais e a colheita de grãos de trigo.

Agradecimentos À Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, ao Instituto de Desenvolvimento Educacional de Passo Fundo – IDEAU e a Rota Agrícola.

Referências

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