1 Introdução
O fósforo (P) originado da agricultura é reconhecidamente poluidor de águas superficiais (SHARPLEY et al., 2008) e práticas adequadas de manejo do P devem ser adotadas para o melhor aproveitamento deste nutriente no processo produtivo. O P é um nutriente essencial para todas as formas de vida, sendo utilizado intensivamente na agricultura para a produção de alimentos.
Em solos tropicais, o P é um nutriente limitante para as culturas, requerendo a aplicação de grande quantidade de fertilizante fosfatado para a obtenção de rendimentos adequados. Devido a isso, muitos produtores que cultivam o solo sob sistemas conservacionistas de manejo, como o sistema plantio direto, aplicam quantidades de P no solo maiores que as necessárias, originando um acúmulo desse nutriente em superfície (SÁ, 1993; 1999; RHEINHEIMER, 2000), principalmente na camada de zero-2,5 cm, podendo atingir valores próximos a 100 mg dm-3 (P-M1).
O acúmulo de P nessa profundidade pode deteriorar a qualidade da água, pela transferência do P pela enxurrada. Há anos, países como os Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, adotaram medidas para otimizar o processo produtivo com ênfase no manejo do P. Por exemplo, nos Estados Unidos foram implantadas as denominadas “melhores práticas de manejo do P” (best management practices - BMP of P), visando aumentar a eficiência do uso do P na agricultura para proteger o sistema aquático (SHARPLEY et al., 2003).
As medidas diferem conforme o nível de aplicabilidade, sendo agrupadas em quatro grupos principais, sendo: (a) controle local (na propriedade) e em micro bacia hidrográfica, (b) controle de P na dieta animal visando o uso dos dejetos animais como fonte de P; (c) manejo adequado de fontes de P; e (d) manejo dos processos de transferência do P de áreas agrícolas para águas superficiais (SIMS & KLEINMANN, 2005).
Considerando a realidade brasileira, em especial o estado do RS, algumas dessas “melhores práticas” de manejo de P poderiam ser introduzidas, com o objetivo de reduzir as perdas desse nutriente para o ambiente. Desta forma, aumentaria a eficiência do uso do P na agricultura, reduziria os impactos na qualidade da água e aumentaria a reciclagem do P (dejetos de animais), contribuindo para a sustentabilidade da produção agrícola a longo prazo, e reduzindo o consumo das reservas finitas de P.
2 Teores de fósforo e manejo do solo
A implementação de práticas de manejo de P depende de fatores de natureza econômica, social e política. Porém, há algumas práticas que podem ser facilmente implementadas sem uma dependência direta de outros fatores. No âmbito de microbacia hidrográfica, o uso do solo em conformidade com a sua aptidão é uma prática de fácil execução.
No estado do RS, são frequentemente utilizadas terras em desacordo com sua capacidade de uso, como por exemplo, áreas com solos arenosos, rasos e de declividade acentuada, utilizadas para produção de fumo, olerícolas ou horticultura, frequentes nas regiões da Serra, Depressão Central e no Litoral.
Em muitos casos é utilizado o sistema convencional de cultivo, propiciando a perda de P do solo via escoamento superficial para o ambiente aquático. Além disso, lavouras para produção de grãos sob plantio direto estão localizadas em áreas de declive acentuado. Neste último caso, devido à alta frequência de teores de P nas classes “alto” e “muito alto”, é utilizada a adubação das culturas a lanço e em superfície; esta prática constitui um grande potencial de perda de P em solos sob plantio direto, sendo necessária a adequação da capacidade de uso do solo ou a adoção de práticas de controle da erosão hídrica.
Outra alternativa viável para otimizar o manejo do P é a utilização da análise de solo. Nos estados do RS e de SC é utilizado o sistema de recomendações de adubação e de calagem para as culturas (CQFS, 2004) baseado na análise de solo e no rendimento das culturas. Assim, a utilização dos teores de P no solo associada às formas de aplicação do adubo fosfatado menos suscetíveis à erosão pode ser uma ferramenta útil para reduzir o impacto da adubação fosfatada para o ambiente.
No entanto, o extrator de Mehlich-1 utilizado para avaliar a disponibilidade de P para as plantas não associa o aumento da disponibilidade de P no solo com os aumentos do pH ou dos teores de matéria orgânica (Figura 1). Pode-se observar na Figura 1 que a ocorrência de um grande número de solos com teores de P até 20 mg dm-3, e com valores de pH menores que 5,5, com possível ocorrência de Al trocável.
2.1 Propriedades químicas do solo
A utilização de classes de pH e de teores de matéria orgânica do solo poderia ser considerada como alternativa viável para aumentar a confiança na estimativa de interpretação da disponibilidade de P para as culturas. Este procedimento pode ser testado utilizando-se os dados obtidos por NICOLODI (2003) em 125 lavouras de soja e cevada sob plantio direto consolidado, nos municípios de Cruz Alta, Não-me-Toque e Ibirubá, no estado do RS.
Os teores de argila variaram de 3 a 75%; os teores de P no solo variaram de 2,3 a 36,6 mg dm-3; os teores de MOS variaram de 1,2 a 3,8%; os valores de pH em água variaram de 4,3 a 5,2; os rendimentos variaram de 0,2 a 6,0 kg ha-1; e o rendimento relativo variou de 7 a 100% (Tabela 1). Foi calculada a correlação entre o rendimento relativo destas culturas e os teores de P no solo, nas diferentes classes de interpretação utilizadas atualmente (CQFS, 2004).
Pode-se observar na Tabela 2 que os coeficientes de correlação foram estatisticamente significativos nas classes de interpretação “muito baixo”, “baixo” e “médio” dos teores de P no solo. Na curva média de respostas das culturas à adubação fosfatada, estas classes situam-se abaixo do teor crítico de P, que representa a obtenção de 90% do rendimento relativo.
Nos locais em que os teores de P no solo situaram-se nas classes “alto” e “muito alto”, a correlação não foi significativa. Estas classes correspondem às situações em que é recomendada a adubação fosfatada de manutenção (classe “alto”) ou de reposição (classe “muito alto”) (CQFS, 2004). Nestas duas situações, a quantidade recomendada de adubo fosfatado poderia ser excessiva ou com baixa eficiência, gerando desperdício de P e poluição ambiental, caso ocorra erosão do solo.
Deve-se salientar, entretanto, que a população das lavouras estudadas é bastante homogênea quanto aos fatores de clima, solo, práticas culturais, etc. Em condições diferentes, entretanto, foi observada resposta positiva à adubação fosfatada, mesmo com teores de P nas clases “alto”. Foram também calculadas as correlações entre os rendimentos relativos das culturas obtidos nas 125 lavouras (NICOLODI, 2003), nas diferentes classes de interpretação dos teores de P no solo e os valores de pH (em água) e os teores de matéria orgânica (Tabela 3).
Pode-se observar que foram obtidos coeficientes de correlação significativos nos casos em que os teores de P no solo situaram-se abaixo do teor crítico (“muito baixo”, “baixo” e “médio”), em solos com pH 2,5) (Tabela 3). O adubo fosfatado nesse caso pode ter apresentado efeito neutralizante da acidez, potencializado pelo maior teor de matéria orgânica do solo.
No sistema plantio direto, solos com valores de pH que propiciam a ocorrência de Al trocável (pH 5,5) está em desuso; e/ou, c) a perda de solo por erosão superficial está ocorrendo em quantidades excessivas para este sistema. O levantamento feito por Nicolodi (2003) não inclui um número suficiente de pontos para calcular as correlações em todas as classes de teores de P. Como primeira aproximação, poder-se-ia conduzir um estudo em vasos, com as diferentes classes de teores de P e de matéria orgânica, em dois níveis de pH do solo, conforme previsto na Tabela 3.
2.2 Práticas de controle da erosão
A eficiência do uso do P na agricultura pode ser aumentada com a utilização de práticas conservacionistas adequadas para o controle do transporte do solo e água em lavouras (SHARPLEY et al., 2008). Atualmente no estado do RS estão sendo sendo retiradas as práticas conservacionistas de suporte no sistema plantio direto como terraços, curvas de nível, plantio em contorno e cultivo em faixas.
Além disso, a aplicação de fertilizante fosfatado (mineral ou orgânico) a lanço em superfície, e não raramente com máquinas e equipamentos inadequados favorecem o transporte de P por escoamento superficial. Desta maneira há necessidade de incentivar a utilização das práticas conservacionistas para a sustentabilidade da produção agrícola, e a redução da transferência do P para o ambiente aquático.
A aplicação de P visando à redução de perda deste nutriente, conforme proposto por Whiters et al. (2003) (Tabela 4), pode ser feita pela identificação de áreas de risco. Para tanto, devem ser considerados:
a) as classes de aptidão;
b) a posição na paisagem;
c) o tipo de solo, o regime hídrico e a intensidade das chuvas.
Além disso, deve ser considerado o tipo de manejo do solo, o teor de P (disponível e suscetível à erosão) e a fonte a ser utilizada, propiciando o estabelecimento de doses, fonte e época de aplicação de P.
O esquema proposto por Whiters et al. (2003) pode ser inserido nas condições do estado do RS, pois as ações necessárias para a redução das perdas de P são as práticas básicas de controle da erosão hídrica (terraços, plantio em contorno, cultivo em faixas, etc.). É necessário, portanto, estabelecer o risco de perda de P conforme a classificação da capacidade de uso do solo.
No entanto, o estabelecimento da capacidade de uso das terras a campo apresenta alto custo. Este procedimento pode ser exemplificado para um dado local em que há disponibilidade de informações detalhadas do terreno, como o Distrito Santana do município de ijuí, RS (BORTOLON, 2008). A partir do levantamento geográfico, pode ser elaborado o mapa de elevações do terreno (em metros), conforme mostrado na Figura 2. Os elementos da paisagem (áreas deposicionais, encostas e topos das elevações do terreno) são localizadas a seguir (Figura 3).
Com base nesses mapas, podese utilizar o sistema de informações geográficas, e imagens de satélite para localizar as áreas com risco de perda de P, estabelecendo-se as classes de risco; nesta avaliação, pressupõe-se que a elevação do terreno associada à posição na paisagem (proximidade a corpos d’água) potencializa a transferência do P para esse ambiente, por meio da enxurrada.
Conforme é mostrado na Figura 4, podem ser delimitadas na imagem de satélite as áreas com potencial de risco de perda de solo (e consequentemente de P). Esta informação é essencial para a assistência técnica aos produtores. Após a geração desses mapas, podem ser determinados os teores de P nessas áreas e estabelecidas as classes de disponibilidade, com a finalidade de indicar as melhores práticas de manejo de P para cada caso. Deste modo, pode-se otimizar o uso do P na agricultura, mantendo a sustentabilidade da atividade agrícola ao longo do tempo.
No entanto, para aumentar a acuracidade desta proposição, são necessários estudos “in situ” de avaliação de perdas de solo, água e P em cada classe de risco de perda de P. Podem ser testados níveis, fontes e modos de aplicação de P, além da intensidade, duração e frequência da chuva, visando, ambos, o rendimento das culturas com máximo retorno econômico e a proteção da qualidade da água (SHARPLEY et al., 2008).
A avaliação “in situ” pode ser feita utilizando a metodologia estabelecida pelo SERA-17 (Southern Extension-Research Activity, 17th group) descrita no “National P Research Project Protocols” onde é dada a descrição de simuladores de chuva para avaliação “in situ” (SHARPLEY et al., 2003; SHIGAKI et al., 2006), ou coleta de amostras de solo de cada local e avaliação das perdas (solo, água e P) em condições controladas (“Indoor”) (SHIGAKI et al., 2007). As metodologias propostas pelo SERA-17, tanto em campo quanto em laboratório, podem ser extrapoladas para uma microbacia hidrográfica (SHARPLEY et al., 2003).
A utilização combinada de mapeamento de solos, com avaliação das perdas de P nas condições citadas, podem contribuir significativamente para o aumento da eficiência do uso do P na agricultura brasileira, reduzindo o impacto econômico provocado pelas perdas de P em áreas de risco, e protegendo o ambiente aquático pela adequação do manejo do uso da terra e da adubação fosfatada.
3 Considerações Finais
As práticas destinadas a reduzir as perdas de P e aumentar a sua eficiência na agricultura podem ser aplicadas com investimentos relativamente baixos no estado do Rio Grande do Sul. O uso da análise de solo, com separação das classes de disponibilidade de P de acordo com o valor de pH e o teor de matéria orgânica, poderá ser melhor estudado em condições controladas, em diferentes níveis de P, pH e matéria orgânica do solo e avaliando-se o rendimento das culturas.
O uso de técnicas de levantamento do solo e mapeamento digital é uma alternativa eficaz para estabelecer potenciais áreas de risco, podendo-se indicar as práticas mais adequadas de manejo do adubo fosfatado.
Referências
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