Nutrição em sistemas: muito além do NPK


Autores: Diego Guterres
Publicado em: 30/04/2017

No início de abril, durante o Encontro Técnico de Fertilidade de Solo e Nutrição de Plantas, promovido pela revista Plantio Direto, tive a oportunidade, em meio a tantos nomes renomados do setor, pesquisadores, professores, consultores, agrônomos e produtores vindos de várias regiões do Rio Grande do Sul, falar sobre um tema que é absolutamente importante no dia a dia da lavoura: manejo de micronutrientes e nutrição via foliar em sistemas de rotação de culturas para produção de grãos em plantio direto.

Sabemos que o básico na adubação em sistemas é o NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), devido às limitações de suprimento desses nutrientes nos solos tropicais, bem como a alta demanda dos elementos para a produção de grãos. Esses são os nutrientes trabalhados em maior escala e com maior ênfase no processo produtivo. Contudo, os macronutrientes secundários e os micronutrientes, todos eles também essenciais, são desconsiderados no manejo nutricional das lavouras.

Nossa missão é cumprir com o dever de casa bem feito, combatendo a acidez do solo, corrigindo os níveis dos nutrientes P e K até o nível crítico no solo, implementando um programa de rotação de culturas diversificado e viável técnica e economicamente, empregando práticas conservacionistas da terra. Tudo isso tendo como centro o manejo da matéria orgânica, responsável pela qualidade química, física e biológica do solo.

Esse manejo, na sua essência, consiste em aportar elevadas quantidades de resíduos culturais (possível com gramíneas de alta produção de palha e de raízes, como o milho e a aveia preta) e reduzir ao máximo a mobilização do solo. Sem o cumprimento dessas etapas, o manejo dos demais nutrientes é muito mais “apagar incêndio” do que criar alto potencial produtivo.

Porém, vencidos tais passos, devemos ir além. É a partir daí que entram os ajustes, principalmente de cálcio, enxofre, zinco, manganês, cobre, boro e molibdênio. Caso haja deficiências ou desbalanços, a aplicação via foliar pode se tornar valiosa ferramenta na busca de altas produtividades. Mesmo com a evolução da qualidade dos solos com o plantio direto, existem vários fatores que afetam a disponibilidade dos nutrientes. Eles estão muito além da sua simples concentração expressa em um laudo de análise de solo.

Além disso, os mecanismos de contato entre os nutrientes e a superfície das raízes afetam o desempenho das plantas. Soma-se a esse complexo a interação entre os nutrientes, podendo ser sinérgica, antagônica ou inibitória, dependendo das suas concentrações e equilíbrio. Enfim, alguns nutrientes são mais absorvidos em comparação a outros, fato que requer maior atenção ainda ao manejo nutricional.

O mais importante de tudo é que todo esse sistema depende de água para que os nutrientes se tornem disponíveis em solução, cheguem à superfície das raízes, sejam absorvidos e transportados dentro da planta. Vemos que os rendimentos que temos hoje em dia são recordes. Nesta safra, dados divulgados recentemente pela Conab, a Companhia Nacional de Abastecimento, mostram que poderemos chegar a mais de 230 milhões de toneladas de grãos, patamares bastante elevados, principalmente quando pensarmos nas perspectivas que tínhamos há mais de 20 anos.

Esses números são resultados de anos de pesquisa e preocupação para que se elevassem os padrões dos resultados nas lavouras. E com patamares de produtividades mais elevados, plantas mais compactas, mais precoces e de elevada demanda de nutrientes em solos com, praticamente, os mesmos atributos de outrora, temos um grande desafio: superar esses níveis de produtividade.

É neste momento que entram os programas nutricionais e a aplicação de alta tecnologia de nutrição de plantas. Tecnologia e mais rentabilidade Hoje a tecnologia dos micronutrientes e de fertilizantes foliares está altamente desenvolvida. Observamos em alguns trabalhos de campo que as resposta das plantas à aplicação têm sido muito positivas. Contanto que se parta de um princípio básico: não é possível substituir o fornecimento via solo de nutrientes em quantidade (principalmente os macronutrientes) aplicando-os via foliar.

Podemos trabalhar a correção, fato que deve ser evitado, pois o dano à produtividade já pode haver ocorrido ao aparecerem sintomas de deficiência. Mas o foco deve ser a nutrição preventiva ou complementar, visando provocar estímulos às plantas para favorecer o seu metabolismo e desenvolvimento, ou para enfrentarem estresses provocados pelo ambiente ou por pragas e doenças. Seria uma filosofia de segurança, a fim de evitar que a falta de determinado nutriente possa comprometer a alta produtividade. Um exemplo é o uso de molibdênio em soja, milho e trigo.

Este nutriente é fundamental na fixação biológica de nitrogênio em leguminosas, bem como na assimilação deste elemento nas folhas. Sua disponibilidade pode ser altamente limitada em solos de acidez elevada, o que pode conferir altas respostas à sua aplicação, tanto em soja, via tratamento de sementes, como também nesta cultura e em milho e trigo, via aplicação foliar.

Outro ponto importante, mas ainda polêmico, é o uso de glifosato em soja transgênica. Existem vários desdobramentos no metabolismo na soja provocados por essa substância, e muito foco tem sido dado apenas à deficiência induzida de manganês. Pois a tentativa de aplicação de fertilizantes foliares à base de manganês, em mistura ou não com glifosato, pode não apresentar benefício em produtividade ou econômico. Um fator que determina isso é baixa compatibilidade da maioria dos produtos com fontes de manganês que se têm utilizado para essa demanda.

Esses produtos podem, inclusive, reduzir a eficácia do glifosato no controle de plantas indesejáveis. Além do mais, é fundamental ajudar a planta a se “destravar” dos efeitos provocados pelo herbicida no seu metabolismo, e isso não se faz com a aplicação apenas deste elemento de maneira foliar, mas sim com produtos desenvolvidos especificamente para esse fim. Analisando o zinco, temos um panorama importante.

Ele é fortemente afetado pelo pH do solo, sendo que a sua disponibilidade se reduz muito em condições de alcalinidade. Aí vêm algumas perguntas: qual o estado da arte da aplicação de calcário hoje? Que doses estamos usando? Baixas ou altas? Aplicações uniformes ou “manchadas”. O reflexo disso não aparece em análise de solo, mas impacta a disponibilidade de micronutrientes metálicos (zinco, manganês e cobre), podendo impactar em produtividades menores.

Além disso, altas doses de fósforo, que também podem inibir sua absorção, fazendo com que as plantas produzam menos raízes, cresçam menos e não sejam produtivas. Hoje temos tecnologia tanto para aplicação via solo, junto com o fertilizante de base, quanto para tratamento de sementes e aplicação foliar segura. Inclusive, as recentes ocorrências de fitotoxidez de híbridos modernos de milho, cultura altamente responsiva à aplicação de zinco, podem ser minimizadas ou extintas com o uso de produtos com alta tecnologia.

O boro também exerce papel fundamental, resultando em plantas mais vigorosas e produtivas. Tem inúmeras funções estruturais ou metabólicas, destacando-se aqui o transporte de açúcares. Sua limitação, principalmente na fase de florescimento, pode afetar de forma consistente um importante componente de rendimento: o número de flores por planta.

Além disso, trata-se de um nutriente imóvel, não podendo ser translocado de uma folha velha para uma nova. Portanto é fundamental o seu constante suprimento via solo. Ora, se reiteradamente temos déficit hídrico no ciclo das culturas (ou demais condições que travem a transpiração pelas plantas), o fornecimento de boro estará restrito, sendo recomendável a sua aplicação via foliar.

E isso mesmo que haja altas concentrações no solo, uma vez que planta não consegue absorvè-lo. Mas, para tanto, revela-se necessário o uso de produto com alta qualidade e eficiência agronômica, em doses corretas até findar o período de limitação. Fugindo um pouco do tema dos micronutrientes, o próprio enxofre tem apresentado boas respostas à aplicação foliar.

Mesmo sendo a sua principal forma de aplicação via solo, temos encontrado respostas de incremento de até 3% em produtividade de trigo e de soja com aplicações foliares (mesmo havendo aplicado via solo no mesmo cultivo). E por que isso? Ora, a priorização pela questão operacional acima de tudo leva ao uso indiscriminado de matérias-primas fosfatadas de alta concentração com é o caso do MAP, do DAP e do superfosfato triplo.

Também são altamente empregadas formulações de fertilizante misto NPK de alta concentração, as quais são compostas por essas matérias primas misturadas ao KCl. Em contrapartida, o superfosfato simples, matéria prima de baixa concentração fosfática, porém com alta concentração de cálcio e enxofre de excelente qualidade (o mesmo gesso, tão discutido nos dias atuais) tem sido infimamente utilizado nas adubações.

Com isso, o aporte de enxofre aos sistemas de produção tem sido inferior às exportações desse nutriente através das pujantes colheitas. Um impacto altamente negativo desse balanço negativo de enxofre é a propensão à redução dos níveis de matéria orgânica do solo, uma vez que mais de 90% está armazenado na forma orgânica. E, por fim, voltamos a um dos componentes do nosso “arroz e feijão” da adubação via solo: o potássio. Cabe destacar que a aplicação desse nutriente via foliar através de produtos de alta qualidade e solubilidade, na fonte, dose e momento corretos, pode incrementar consideravelmente o enchimento de grãos. Nesse contexto, não restam dúvidas de que a nutrição de plantas em sistemas é mais do que NPK.

Devemos estruturar uma base sólida na rotação de culturas, trabalhando a quantidade e o equilíbrio não somente dos macronutrientes primários (NPK), como também dos demais nutrientes. A principal forma de input da maioria deles para o balanço no sistema (reposição) é via solo, mas não devemos menosprezar o uso de aplicações foliares.

Muito pelo contrário, uma vez realizado um correto diagnóstico que aponte para a necessidade de usar essa ferramenta, deve usá-la com critérios técnicos, lançando-se mão de produtos de maior tecnologia e eficiência agronômica.

E, acima de tudo, produtos que paguem o seu investimento e retornem com incremento de produtividade, aumentando a rentabilidade dos produtores. Dificilmente o que nos trouxe o nível produtivo atual sustentará as ambiciosas metas de produção de alimentos para suportar a crescente demanda por alimentos no mundo. Inovar é preciso!