1. Introdução
Originária da Ásia Oriental, a soja chegou no estado da Bahia por volta de 1882 (EMBRAPA, 2004), mas em função das exigências hídricas, térmicas e fotoperiódicas, se consolidou na Região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, nas décadas de 1940, 1950 e 1960 (BRUM, 2002).
Os produtores gaúchos vislumbraram no fácil armazenamento, isento de carunchos e outras pragas, uma possibilidade para garantir a oferta de alimentos para suínos, frangos e outros animais criados com fins de subsistência e abastecimento do comércio local (OTTONELLI, 2006).
A partir da década de 1970, o cultivo da soja com fins comerciais no Rio Grande do Sul se intensificou, impulsionado pela elevação na demanda doméstica e internacional por óleo e proteínas de origem vegetal e estimulado pelo Plano Estadual de Melhoramento da Fertilidade do Solo (Operação Tatu). Igualmente, o cultivo se expandiu para outras regiões brasileiras e a produtividade se elevou. Elementos como migração, crédito e Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) foram fundamentais neste processo (COSTA et al., 2014a).
A partir da década de 1980, o incremento na demanda por carnes, leite e ovos, com base no modelo de arraçoamento soja-milho e a transição verificada na indústria de alimentação humana criou novas oportunidades para o mercado da soja.
Neste sentido, o desenvolvimento de novas tecnologias na indústria de alimentação humana culminou na possibilidade de separação, preservação e estabilização dos nutrientes dos cereais e oleaginosas, de modo que os elementos nutricionais da soja passaram a viabilizar a produção de alimentos nutritivos, consumidos cotidianamente por um considerável contingente populacional, a exemplo de pão, massas, bolachas, salsichas, linguiças e outros (GOODMAN, SORJ, WILKINSON, 1989).
Associado a este cenário, o processo de crescimento e urbanização da população mundial e o aumento da renda, verificados principalmente nas economias emergentes, se constituíram como um elemento que ampliou a demanda por proteínas e óleos vegetais. Nestas condições, o setor produtivo se expandiu e o complexo soja (grão, farelo e óleo) se tornou em um dos principais basilares do agronegócio nacional e de sustentação das economias de muitos municípios brasileiros.
Dada a importância do cultivo de soja, o presente artigo tem o objetivo de analisar como as variáveis macroeconômicas podem contribuir para os níveis de preço pagos aos produtores. Sendo assim, o artigo pretende responder a seguinte questão: nas condições atuais, de supersafra e pressões baixistas, existe espaço para aumento nos preços da soja ao longo do ano de 2017?
Para justificar a importância desta questão, o artigo também se propõe a analisar a importância econômica da sojicultura no estado do Rio Grande do Sul, de forma a mensurar a contribuição da atividade para o comércio exterior e sua capacidade de alavancar negócios no segmento de insumos, principalmente de sementes, fertilizantes e defensivos. Metodologicamente, esta é uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo.
Também, trata-se de uma pesquisa de natureza quantitativa, uma vez que se utiliza de técnicas econométricas, principalmente a Regressão Linear Múltipla, para mensurar a importância de variáveis macroeconômicas no processo de formação do preço pago ao produtor.
2. O volume de negócios da lavoura de soja no Rio Grande do Sul
A importância do agronegócio brasileiro pode ser verificada pela sua participação no Produto Interno Bruto, que foi de aproximadamente 21% no ano de 2015 e, em termos médios, 22,95% no período 1995-2015 (CEPEA-USP/CNA, 2017). As cadeias do agro também contribuem significativamente com as exportações brasileiras, de modo que em 2016 alcançaram a cifra de US$ 84,93 bilhões e participação de 45,9% em relação as exportações totais do Brasil (BRASIL, 2017).
No Rio Grande do Sul, entre 1997 a 2016, o agronegócio contribuiu, em média, com 62,8% das exportações e o complexo soja, em 2016, foi responsável por 44% das exportações do agronegócio gaúcho (Figura 1). No entanto, a importância da lavoura de soja para o sistema econômico dos municípios gaúchos está na capacidade desta em estimular os negócios nos segmentos que fornecem insumos e que beneficiam a produção.
Neste contexto, é possível afirmar que o surgimento e maturação da indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, de armazenamento, irrigação e do cluster de empresas que atuam nos mercados atacadista e varejista de sementes, fertilizantes e defensivos e demais insumos agropecuários está diretamente vinculado à expansão da lavoura de soja.
Para fins de exemplo da capacidade de geração de estímulos aos setores associados à lavoura de soja, esta pesquisa mensurou o volume de negócios nos segmentos de sementes, fertilizantes e defensivos. Inicialmente, identificou-se o custo médio, por hectares, com estes insumos.
Este dado, apresentado na Figura 2, foi obtido junto à Companhia Nacional de Abastecimento (BRASIL, 2016) e deflacionado pelo Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGPDI) da Fundação Getúlio Vargas. Multiplicando-se o custo/ha pela área plantada do respectivo ano-safra foi possível obter uma estimativa do volume de negócios nos segmentos de sementes, fertilizantes e defensivos para a lavoura de soja.
Observou-se que somente na safra 2015/2016, estes setores movimentaram aproximadamente R$ 6,2 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhões em sementes, R$ 2,57 bilhões em fertilizantes e R$ 2,19 bilhões em defensivos (Figura 3).
Este desempenho mostra uma fração da capacidade de geração de negócios da lavoura de soja. O processo torna-se mais importante na medida em que parte destes recursos contribuem para o desenvolvimento das economias locais. Neste contexto, a fração que tende a permanecer nas economias locais é dada pela margem apropriada pelo comércio varejista. Seja pela folha de pagamento ou pelos demais itens de custos das empresas e cooperativas que atuam no varejo, o fato é que os recursos apropriados neste segmento tendem a circular, predominantemente, nas economias locais.
Neste aspecto, considerando que a margem média de comercialização (apurada pela pesquisa) no segmento de sementes é de 12%, no segmento de fertilizantes2 é de aproximadamente 4,5% e no segmento de defensivos agrícolas pode chegar a 20%, tornou-se possível mensurar o volume apropriado pelo varejo, nas vendas de sementes, fertilizantes e defensivos para a lavoura de soja no Rio Grande do Sul (Figura 4).
É possível verificar, pela Figura 4, o significativo crescimento na margem bruta de lucro nas operações do comércio varejista de sementes, fertilizantes e defensivos para a lavoura de soja no Rio Grande do Sul. Somente entre 2012/2013 e 2015/2016 a variação foi de 127%. A parcela de recursos que mais cresceu foi a relacionada às vendas de defensivos, pois passou de R$ 169 milhões em 2000/2001 para R$ 437 milhões na safra 2015/2016.
No mesmo período, o lucro bruto das vendas com sementes e fertilizantes chegou a, respectivamente, R$ 164 milhões e R$ 116 milhões na safra 2015/2016. Os dados reforçam a importância da cadeia produtiva da soja para o ambiente econômico e para o agronegócio do Rio Grande do Sul. Por este motivo, as questões relacionadas à competitividade e viabilidade econômica da lavoura de soja, bem como às perspectivas de mercado e formação de preço para a oleaginosa são de uma importância sistêmica, que vai além do interesse do sojicultor.
Portanto, com o intuito de contribuir no processo de discussão sobre a política de comercialização de soja, a nível de produtor rural, a pesquisa buscou identificar e analisar o comportamento das variáveis que tenderão a influenciar, direta ou indiretamente, no preço pago ao produtor de soja gaúcho.
3. Conjuntura econômica e formação do preço da soja
Os estudos de formação do preço da soja têm mostrado que os níveis e expectativas em relação à oferta, demanda e estoques nacionais e internacionais, bem como o câmbio, prêmio de exportação, fretes e seguros interferem diretamente no processo de formação do preço pago ao produtor de soja no Brasil. Portanto, toda a análise conjuntural do mercado da soja deve levar em consideração estes elementos.
Por outro lado, por seu potencial de influenciar indiretamente o preço da soja, via alterações na taxa de câmbio, um outro conjunto de variáveis macroeconômicas também devem ser consideradas, entre as quais, destacam-se a taxa de juros do Federal Reserve/EUA (Federal Funds Rate), a taxa básica de juros do Brasil (Selic) e os indicadores de inflação, atividade econômica e de desemprego.
Neste contexto, a partir de noções de teoria macroeconômica, elaborou-se um quadro analítico para entender como os principais agregados macroeconômicos tendem a se comportar ao longo de 2017 e de que forma podem exercer, indiretamente, influência sobre o preço da soja (Quadro 1). Em suma, o cenário macroeconômico atual aponta, em nossa percepção, para uma possibilidade de desvalorização do real/valorização do dólar ao longo de 2017, principalmente em função da redução da taxa Selic.
Contudo, outros elementos interferem no câmbio (oferta e demanda por dólares no Brasil) e com as informações atuais não é possível afirmar, com segurança, os níveis em que a taxa de câmbio deve operar, sobretudo porque existem questões de natureza política e geopolítica que podem resultar em novos elementos analíticos Por outro lado, as elevadas produtividades da safra atual resultaram em significativo aumento da oferta, como é possível verificar na Figura 5. A produção brasileira aumentou 253% entre 2000 e 2017.
No mesmo período, o processamento de soja passou de 62,37% do total produzido para 41,09%. Esta situação majora a importância do mercado externo na formação do preço pago ao produtor gaúcho e brasileiro (Figura 5). Em relação ao mercado interno, a grande mudança no que tange ao ano de 2016 são os níveis de estoques, que estão projetados, para 2017, em 10,699 milhões de toneladas, ante 4,299 milhões de toneladas no ano anterior (Figura 6).
Este elemento mostra que o mercado interno tende a não exercer pressões altistas para os preços, o que reforça a tese de que, neste ano, as variáveis macroeconômicas (taxa de juros e câmbio) se constituem como uma provável âncora de possíveis elevações nas cotações. Entretanto, não é possível identificar, no cenário atual, condições para alterações significativas no preço da soja.
Ademais, ao se observar o comportamento da agroindústria processadora, em relação ao período de compra do grão, observa-se que os meses de janeiro a maio, historicamente com cotações mais baixas, se constituem como o período de formação dos estoques (significativamente elevados em 2017) e tendem a ampliar o poder de barganha das processadoras, em suas relações com os produtores, cooperativas e cerealistas ao longo do ano de 2017.
Por outro lado, os níveis de preços atuais (próximos dos custos de produção) e as últimas safras proporcionaram aos produtores condições que não os obrigam a vender a soja a qualquer preço. Mesmo com estoques elevados, estes são equivalentes a 26% da quantidade processada internamente e o cenário externo pode surpreender com algum fato novo.
No cenário internacional, o World Agricultural Supply and Demand Estimates (WASDE – 564) indica maior produção, exportações, esmagamento e estoques finais. Destaca, sobretudo, a estimativa de crescimento dos estoques finais para 87,41 milhões de toneladas para a safra 2016/2017, ante a 77,13 milhões da safra 2015/2016.
Este mesmo relatório estima leves baixas nos estoques finais dos principais importadores da soja em grãos (China, União Europeia e México). Neste cenário, as cotações de Chicago parecem não apresentar fôlego para altas robustas. Por outro lado, não são raras as vezes que as projeções de início de ano são contraditas por elementos novos ao longo do ano.
Por fim, cabe ressaltar que duas variáveis exercem efeitos diretos sobre o preço pago ao produtor rural:
a) taxa de câmbio, pois além de balizar as operações de comércio internacional, internaliza o impacto macroeconômico de uma conjuntura complexa, e;
b) as cotações da Chicago Board of Trade (CBOT), pois é resultado da interação entre oferta e demanda e incorpora todas as expectativas de mercado, precificando, inclusive crises econômicas e políticas internacionais, estresses climáticos e demais variáveis que interferem no comércio da soja em grão.
O que existe de concreto, no cenário atual, é o efeito direto da taxa de câmbio e das cotações na CBOT nas cotações da soja no Brasil. Em função disto, especificou-se um modelo econométrico para mensurar o impacto de cada uma destas variáveis nas cotações da soja na praça de Passo Fundo. Os resultados deste modelo, mostram que, no curto e médio prazos:
• a. 78,25% das variações no preço da soja na praça de Passo Fundo são explicadas pelas variações nas cotações da CBOT e na Taxa de Câmbio;
• b. Para cada US$ 1,00 de aumento na saca de soja (uma saca de 60kg = 2,2046 bushels), na CBOT, espera-se uma elevação de R$ 1,91 nas cotações da saca de soja na praça de Passo Fundo, ceteris paribus;
• c. Para cada elevação de R$ 1,00 na Taxa de Câmbio, espera-se um aumento de R$ 18,73 na saca de Soja em Passo Fundo, ceteris paribus.
Isto equivale a dizer que para cada elevação de R$ 0,01 na Taxa de Câmbio, espera-se um aumento de R$ R$ 0,18 na saca de Soja em Passo Fundo, ceteris paribus. Estes resultados reforçam a convicção de que, neste momento, com as informações que estão disponíveis, o aumento na taxa de câmbio é a possibilidade mais próxima, no sentido de inverter as expectativas e trazer o mercado da soja para patamares um pouco melhores daqueles que se verificam atualmente.
4. Considerações finais
A elaboração deste artigo foi orientada a responder a seguinte questão: nas condições atuais, de supersafra e pressões baixistas, existe espaço para aumento nos preços da soja ao longo do ano de 2017?
A resposta é sim e a variável que pode conduzir estas mudanças é o câmbio. Contudo, é de se destacar que o cenário que condiciona a formação do preço da soja é muito dinâmico e a volatilidade está na essência do mesmo. Independente do cenário de 2017, é de se destacar que o sucesso e os ganhos do produtor estão diretamente associados, além do conjunto de atividades envolvidas na produção, ao estabelecimento de uma boa estratégia de comercialização.
Por isso, as recomendações de
1) travar o preço para garantir os custos de produção e uma rentabilidade mínima;
2) especular apenas com o excedente, e;
3) elaborar um cronograma de comercialização que resulte em vendas ao longo do ano, continuam atuais.
Referências
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GOODMAN, David; SORJ, Bernardo; WILKINSON, John. Da lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1990.
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