O futuro dos fungicidas sítio específicos no controle da ferrugem asiática da soja


Autores: Erlei Melo Reis ; Andrea Camargo Reis ; Mateus Zanatta
Publicado em: 30/04/2017

1. Ocorrência da ferrugem no Brasil

A ferrugem asiática da soja (FAS) [Glycine max (L.) Merr.], causada pelo fungo basidiomiceto Phakopsora pachyrhizi Sydow & Sydow, foi constada na América do Sul na safra 2001/02 (Morel, 20001). Por tanto, num período relativamente curto de 16 anos desenvolveu resistência ao fungicidas sítio específicos ameaçando a sustentabilidade econômica da soja.

2. Histórico do controle químico da ferrugem

O uso de fungicidas visando ao manejo da FAS teve início a partir da safra, 2002/03. Desde então, apenas três fungicidas mono sítios têm sido usados:

(i) os triazóis ou inibidores da síntese de membranas,

(ii) as estrobilurinas e

(iii) as carboxamidas ou inibidores da respiração (Reis et al., 2017).

3. Modo de ação, mecanismo de ação ou mecanismo de ação bioquímico dos fungicidas

Esses três fungicidas apresentam como característica comum sua ação sítio específica, isto é, bloqueiam apenas um processo bioquímico na célula do fungo:

(i) os inibidores da desmetilação (IDMs) interrompem a síntese de compostos (ergosterol) constituintes das membranas e os

(ii) inibidores da quinona externa (IQes) e os

(iii) inibidores da succinato desidrogenase (ISDHs) impedem a transferência de elétrons na respiração celular (Reis et al., 2017).

Nos três casos, por paralisarem processos vitais levam o fungo à morte. Esses mono sítios são considerados pelo FRAC (Fungicide Resistance Action Committee) de médio a alto risco para o desenvolvimento da resistência como está ocorrendo com a FAS, no Brasil.

4. Por que os fungos se tornam resistentes aos fungicidas?

Na realidade não corre alteração com os fungicidas, mas apenas com o fungo. Esse fenômeno é devido a mutações que naturalmente e ao acaso nos seres vivos. Os fungos, como P. pachyrhizi, facilmente, através desse processo, conseguem desvios nas rotas metabólicas que os permitem sobreviver na presença do fungicida.

Esse processo de adaptação é comumente chamado de desenvolvimento da resistência. A presença da resistência em lavoura de soja, é primeiramente notada pelos produtores que a chamam de falha de controle, quando observam que a eficiência do controle vem sendo reduzido safraapós safra. Os fungicidas não são agentes mutagênicos, mas sim agentes selecionadores.

Em consequência em cada aplicação eliminam os indivíduos sensíveis deixando os mutantes resistentes que safra-após-safra se reproduzem dominando a população. Em continuidade, em testes de laboratório é quantificado o grau de redução da sensibilidade do fungo aos fungicidas que estão falhando e, finalmente, em laboratórios mais sofisticados se identifica a mutação presente no genoma do fungo (Shmitz et al., 2013; Klosowsky et al., 2016; FRAC, 2017).

A resistência de fungos a fungicidas não pode ser evitada mas deveria ser atrasada. O desenvolvimento da resistência é mais frequente para os fungicidas mono sítios.

5. O uso de mono sítios isolados

Os primeiros mono sítios aplicados nas lavouras de soja foram os triazóis (flutriafol, difenoconazol e tebuconazol). Pelo uso isolado do flutriafol e do tebuconazol durante várias safras, numa área superior a 21 milhões de ha (safra 2002/03) com mais de três aplicações/área/safra, rapidamente o fungo, através de mutações, adaptou-se frente a ameaça de serem eliminado das lavouras pelos fungicida eficientes nas primeiras safras de seu uso.

Desse modo, em cinco safras de uso contínuo dos triazóis isolados os produtores reclamaram da sua falha de controle (Silva et al., 2008). O uso dos triazóis isolados teve sucesso pouco duradouro (controle >80%). Numa análise rápida do controle dos triazóis isolados (ex. ciproconazol e tebuconazol) apresentam no Ensaio Nacional Cooperativo de Fungicidas (Godoy et al., 2014), controle em torno de 20%.

Nessa mesma fonte, o controle das estrobilurinas (azoxistrobina e piraclostrobina) também apresentam controle em torno de 20%. Portanto, seriam esses dois os melhores componentes (estrobilurina e triazol) para integrarem uma mistura dupla eficiente (controle >80%) no controle da ferrugem da soja?

Infelizmente a pesquisa não teve acesso as carboxamidas isoladas para a obtenção de dados de seu desempenho no passado e no presente para se ter informações para orientar o rumo futuro.

6. O uso de misturas duplas de mono sítios

Devido a falha de controle, e em substituição aos fungicida triazóis em uso isolado, ocupou o lugar as misturas duplas sítio específicas compostas por estrobilurinas + triazóis. Nesse momento em que os triazóis falharam no controle da ferrugem o componente ainda potente era as estrobilurinas. Na safra 2012/13 os experimentos mostraram a redução do controle dessas misturas duplas seguida da reclamação dos produtores quanto a falha controle.

Portanto, agora P. pachyrhizi apresentava redução da sensibilidade aos dois componentes das misturas duplas (triazóis e estrobilurinas), um exemplo de resistência cruzada.

Chama a atenção o uso generalizado da protioconazol + trifloxistrobina (formulação genérica) no Paraguai, sem adição de multi sítio. Isso poderá ter reflexo em acelerar a redução da sensibilidade do fungo a essa mistura (a melhor no momento) no Brasil, devido ao aumento da área e do número de aplicações dessa mistura sem adição de multi sítio.

7. Uma novidade no mercado

Misturas duplas mono sítios de carboxamidas + estrobilurinas foram introduzidas no mercado na safra 2013/14. Na safra 2015/16 foi documentado em experimentos conduzidos no campo a redução da sensibilidade do fungo às carboxamidas. Lembra-se que nas safras 2013/14 e 2014/15 a mistura de estrobilurina + carboxamidas apresentava controle da ferrugem > 90% (Godoy et al., 2014). Em áreas experimentais na safra 2015/16 o controle foi reduzido para 62% e, na safra 2016/17 para 43%.

8. O surgimento de misturas triplas de fungicidas sítio específicos

As misturas duplas (triazol + estrobilurina) ainda em uso não tiveram potencial para garantir controle eficiente (>80%) da ferrugem da soja por muitas safras. Na tentativa de melhorar o desempenho (controle >80%) das misturas duplas (estrobilurinas + carboxamidas e estrobilurinas + triazóis) no controle da ferrugem da soja, estão sendo desenvolvidas misturas triplas contendo diferentes combinações dos mesmos três monos sítios (triazóis, estrobilurinas e carboxamidas) presentes no mercado.

Essas misturas triplas em desenvolvimento não satisfazem as recomendações do FRAC. Ou seja, os três componentes não têm sido igualmente eficientes (controle >80%) no controle do fungo alvo. O FRAC orienta que na escolha dos componentes de uma mistura, além de apresentarem mecanismo de ação distinto, devem ser individualmente eficientes (controle >80%), isto, porém não está sendo observado.

Portanto, os componentes dessas misturas triplas de sítio específicos, além de não atendem a recomendação do FRAC, poderão apresentar, em poucas safras de uso, redução no controle da ferrugem <80%).

9. O aumento da concentração de triazóis como ferramenta anti-resistência

Tentativa foi feita na safra 2016/17 visando melhorar o controle de misturas dupla de sítio específicos pelo aumento da concentração de triazóis, porém a resposta em recuperar o controle ficou abaixo da expectativa.

10. Adição de fungicidas multi sítios às misturas duplas de mono sítios

Sendo que os três componentes das misturas sítio específicos apresentam controle reduzido da ferrugem (<80%) as suas misturas não tem potencial para sobreviver (sem a adição de multi sítios) a pressão de seleção direcional por muitas safras. Os fungicidas multi sítios tem sido uma ferramenta única e insubstituível na luta contra a resistência de fungos a fungicidas.

Cita-se como exemplo de sucesso o controle dos míldios (fungos de alto risco ao desenvolvimento da resistência) em horticultura e fruticultura onde o uso de fungicidas sitio específicos (mildiocidas) têm sido sempre formulados (mistura duplas pré-fabricadas) com a adição de multi sítios (clorotalonil, mancozebe, oxicloreto de cobre e etc.) paralisado há vários anos a ameaça de falha de controle. No momento (Abril, 2017) apenas três misturas pré-fabricadas duplas de sítio específicos + multi sítio estão sendo desenvolvidas no Brasil, num processo considerado atrasado e lento.

Os fatos discutidos não devem ser esquecidos e deveria ter sido colocados em prática, em safras passadas, no controle o da FAS. Nesse sentido tem sido perdido tempo e, em consequência, o controle da ferrugem pelos fungicidas sitio específicos em misturas duplas ou triplas tem sido reduzida rapidamente. O fungo através da seleção direcional tem sido mais rápido e tido mais sucesso no desenvolvimento da resistência do que o lançamento no mercado de misturas de fungicidas eficientes (sítio específicos + multi sítio) para seu controle!

11. Quando paralisará a seleção direcional?

Há volume suficiente de pesquisa confirmando que a adição de fungicida multi sítio as misturas duplas de mono sítios pode recuperar o controle hoje 80%) da ferrugem da soja e manter a vida mais longa dos fungicidas mono sítios, é desejável, no menor tempo possível, comercializar misturas prontas (duplas ou triplas) de triazóis + estrobilurinas ou de estrobilurinas + carboxamidas contendo na formulação um sítio específico (formulações comerciais prontas para uso como tem sido feita mundialmente com os mildiocidas em horti-fruticulturta).

Se assim não for feito, no menor prazo possível, parece que as misturas triplas (carboxamidas, estrobilurinas e triazóis), sem multi sítio, não terão sucesso duradouro no controle da ferrugem. O passado (a partir da safra 2005/06) sinaliza claramente que devido ao alto risco as misturas de sítio específicos, tanto duplas como triplas, poderão fracassar no controle do fungo de alto risco ao desenvolvimento da resistência aos fungicidas mono sítios.

Portanto, quando a totalidade da área cultivada com soja for tratada em todas as aplicações com misturas prontas contendo sítio específicos + multi sítios, a seleção direcional tenderá a ser paralisada.

A lentidão em atender a demanda do mercado brasileiro com mistura comerciais préfabricadas duplas, ou triplas adicionadas de multi sítio está dando tempo para a seleção direcional continuar a reduzir a eficiência dos fungicidas no controle da ferrugem da soja. Não há tempo a perder!

Alerta-se que as empresas que sintetizam, formulam e comercializam fungicidas para o controle da ferrugem da soja, não colocarem, no menor tempo possível, essas misturas pré-fabricadas no mercado, a sustentatibilidade econômica da soja poderá ser ameaçada! Enquanto a seleção direcional ocorrente com todos os fungicidas sítio específicos não for paralisada, esses fungicidas, mesmo em misturas triplas, apresentarão redução do controle da ferrugem safra-após-safra.

12. Quanto a dose e o número de aplicações dos fungicidas multi sítios adicionados às misturas duplas ou triplas

Num grande volume de dados experimentais tem sido mostrado que a dose eficiente (controle >80%) do multi sítio é >2,0 kg/ha (adicionados as misturas). Aplicações de sub dose, de apenas uma ou de duas aplicações do protetor em programas de três ou quatro aplicações em nada ameaçam paralisar a seleção direcional.

Referências

FRAC. Recommendations for fungicide mixtures designed to delay resistance evolution. Disponível em: www.frac.info. Acesso em: Março. 2017.

GODOY, C. V. et al. Eficiência de fungicidas para o controle da ferrugem-asiática da soja, Phakopsora pachyrhizi, na safra 2013/14: resultados sumarizados dos ensaios cooperativos. Circular Técnica 99, Londrina, PR, ago. 2014.

KLOSOWSKI, A. C. et al. Detection of the F129L mutation in the cytochrome b in Phakopsora pachyrhizi. Pest Management Science, v. 72, n. 6, p. 1211-1215, Jun. 2016. doi: 10.1002/ps.4099

MOREL, P. W. Roya de la soja. Ministério de Agricultura y Ganaderia, Subsecretaria de Agricultura, Dirección de Investigación Agrícola, Centro Regional de Investigación Agrícola – CRIA, Capitán Miranda, Itapúa, Paraguay. Comunicado Técnico – Reporte Oficial, Junio 2001. (Série Fitopatologia, 1).

REIS, E. M. et al. Evolução da redução da sensibilidade de Phakopsora pachyrhizi a fungicidas e estratégia para recuperar o controle. 3. ed. rev. e atual. Passo Fundo: Berthier, 2017, 104p.

SCHMITZ, H. K. et al. Sensitivity of Phakopsora pachyrhizi towards quinone-outside-inhibitors and demethylation-inhibitors, and corresponding resistance mechanisms. Pest Management Science, 2013. (wileyonlinelibrary. com) Doi 10.1002/ps.3562.

SILVA, L. H. C. P. et al. Eficácia reduzida de triazóis no controle da ferrugem asiática. Fitopatologia Brasileira, v. 33, p. 228, 2008 (Suplemento).