Casa do Plantio Direto 2017: Boas práticas agrícolas e plantio direto de qualidade


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 30/04/2017

O Projeto Institucional Casa do Plantio Direto acontece anualmente durante a Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque/RS, e promove durante cinco dias debates sobre a evolução dos processos da produção agrícola através da parceira entre a Revista Plantio Direto & Tecnologia Agrícola e instituições e empresas preocupadas com a sustentabilidade da agricultura.

A programação da 15ª Edição da Casa do Plantio Direto foi marcada por discussões sobre temas atuais nos sistemas de produção de grãos em plantio direto, em especial na Região Norte do Estado do Rio Grande do Sul. Em 2017 o Projeto contou com o importante apoio da Fundação Agrisus, Cotrijal, Syngenta e Yara Fertilizantes.

Nutrição de soja: muito mais do que o NPK

O programa iniciou na terça-feira com a palestra do engenheiro agrônomo Diego Guterres, especialista agronômico da Yara, que abordou o tema “Nutrição de Soja: Muito mais do que NPK”. Guterres trouxe para discussão as baixas médias de produtividade de soja no Brasil, cerca de 50 sacos por hectare, índice que contrasta com os recordes que ultrapassam 140 sacos por hectare.

O palestrante também tratou dos diversos fatores que afetam a construção do potencial produtivo, destacando a genética da planta, os fatores climáticos e as operações realizadas na lavoura, além dos fatores que diminuem o potencial de produção, como as doenças, pragas e plantas daninhas. Guterres questionou a situação atual do Sistema de Plantio Direto no Planalto do Rio Grande do Sul, também a qualidade do perfil do solo, mas em especial as condições de acidez e presença de alumínio.

Segundo ele, não adianta focar em uma nutrição especial para alcançar altas produtividades sem antes resolver os problemas mais básicos na lavoura. O palestrante mostrou dados, destacando a quantidade extraída e exportada de nutrientes pela lavoura de soja, tomando como base para exemplificar um sistema que produz 100 sacos/ ha. O destaque foi dado ao nitrogênio que é exportado em grande quantidade nos grãos, sendo que é obtido pela planta, basicamente, pela fixação biológica.

Sobre o assunto, Guterres afirmou que sem determinados nutrientes a fixação de nitrogênio pelas bactérias é prejudicada e, por consequência, o potencial produtivo é comprometido. Esses nutrientes são, em especial o Molibdênio e o Cobalto, essenciais para o funcionamento do complexo enzimático que realiza a fixação do N.

Entre os pontos chave para uma nutrição mais equilibrada para altas produções está o enxofre e sua relação com a fisiologia das plantas. Citando os dados de extração e exportação, o palestrante demonstrou que em lavouras de alta produção, o enxofre pode ser exportado em quantidade muito grande e muitas vezes não ser o suficiente para atender completamente a necessidade da planta.

Guterres afirma que os fertilizantes utilizados nos últimos anos de forma geral não têm a quantidade suficiente de enxofre na fórmula para se adequar aos sistemas onde há grande extração e exportação. As fontes utilizadas para o enxofre devem ser levadas em conta no momento do planejamento, pois há diferença na quantidade e também na forma como as fontes agem no solo e/ou nas plantas, como o gesso e o enxofre elementar.

O agrônomo afirmou que há alguns anos, para o grau de tecnologia utilizado, não havia, de fato, resposta para o uso do enxofre em soja. No entanto, segundo ele, a situação é diferente hoje. O próximo ponto discutido foi manejo do potássio na lavoura. A primeira questão levantada foi a forma de aplicação do potássio (a lanço ou na linha) e suas implicações. Uma das preocupações é que têm ocorrido situações em que a aplicação a lanço acaba favorecendo a deficiência, assim como o tipo de fertilizante utilizado pode ocasionar má distribuição.

A nutrição de soja para altas produções foi outro ponto chave apresentado. Em relação aos micronutrientes existe quantidade suficiente, contudo, em alguns casos é necessário repor essas quantidades. Guterres falou a respeito da fome oculta, ou seja, a lavoura não apresenta sintoma de deficiência, mas a produtividade já está sendo limitada.

Ele fez um breve resgate histórico da evolução da tecnologia para aplicação dos micronutrientes, e mostrou alguns resultados de ensaios da Yara Fertilizantes que indicam resposta em determinadas ocasiões com aplicação de nutrientes via foliar. Por fim, o agrônomo focou na importância do boro nos processos da planta e a quantidade demandada pelas plantas.

Manejo para conservação do solo em áreas de lavoura

A Casa do Plantio Direto 2017 recebeu também para um bate-papo com os agricultores e assistentes técnico o Dr. Telmo Amado, da Universidade Federal de Santa Maria, o engenheiro agrônomo Dirceu Gassen, o engenheiro agrônomo e produtor Vanderlei Neu, campeão do CESB em 2016 no Estado do Rio Grande do Sul e o engenheiro agrônomo João Dantas, consultor e campeão do CESB da região sudeste.

O tema da discussão foi a conciliação da conservação do solo em áreas de lavoura com altas produtividades. Já no início do debate foram relatadas experiências como as do campeão nacional de produtividade, Alisson Hilgenberg em relação a qualidade do solo da propriedade. Um dos aspectos citados foi a grande atividade biológica cujo maio indicador é a presença de minhocas no solo. Outro caso citado foi o do produtor Rogério Pacheco, que com utilização da ervilhaca como planta de cobertura, alcançou altos níveis de população de minhocas.

O professor Antônio Luis Santi, da Universidade Federal de Santa Maria (campus Frederico Westphalen) comentou sobre estudos realizou a respeito do assunto. Segundo ele, os resultados mostram que onde houve mescla de espécies de diferentes famílias na cobertura do solo durante outono/inverno, ocorreu maior atividade biológica.

Para Vanderlei Neu, o problema maior da ervilhaca é a questão do ciclo que muitas vezes não é compatível com o manejo das culturas de verão que se pretende utilizar, e que deveriam ser desenvolvidos materiais de ervilhaca (e outras plantas usadas para cobertura) com ciclos diferentes.

Nessa reunião ainda foi discutido a quantidade de nutrientes ciclados por determinadas culturas e como essa informação pode ser utilizada para um manejo de nutrientes mais focado no sistema, ao invés de apenas em uma cultura.

Outro aspecto debatido foi a necessidade da melhor aeração dos solos de lavoura, e que a baixa oxigenação limita o crescimento em profundidade e distribuição das raízes, além de dificultar a fixação biológica do nitrogênio. A influência da adubação nitrogenada na fixação biológica e na produtividade das plantas de soja também fez parte do debate.

O engenheiro-agrônomo e agricultor Vanderlei Neu, relatou ao público participante da Casa do Plantio Direto que as análises de solo da sua propriedade têm mostrado que alguns fatores são essenciais e devem ser observados quando se quer atingir altas produtividades (acima de 100 sacos/hectare). Como exemplo ele citou a quantidade estável de cálcio no perfil; a saturação por alumínio zero nos primeiros 40 cm; e a quantidade de enxofre considerada muito alta nos primeiros 40 cm. Já para João Dantas, outro nutriente que tem sua importância subestimada é o boro.

O agrônomo citou estudos que demonstram o efeito desse elemento no crescimento radicular, e também o fato de todas as áreas campeãs do CESB possuírem teores altos de boro no solo. No entanto, ele destaca que esse elemento necessita de mais pesquisas para o manejo correto. Entrou em pauta da reunião-debate o limitado crescimento radicial em muitas áreas pela compactação excessiva do solo.

Discutiu-se que essa compactação, de forma geral, se torna crítica quando são realizados erros de manejo ao longo os anos, em especial com a ausência de cobertura no solo durante todo o ano além do tráfego exagerado de máquinas nas áreas. Na discussão sobre compactação do solo a alternativa de escarificação para remover a camada compactada surgiu com um ponto a ser debatido.

Segundo os participantes do debate essa é uma prática que só deveria ser cogitada em casos de extrema compactação e quando o tempo necessário para descompactação pela substituição do manejo seja muito longo.

Se essa prática for a única alternativa economicamente viável, então ela deve ser associada com melhores práticas de manejo na sequencia, como cobertura permanente do solo, rotação de culturas e redução do tráfego de máquinas na área. Do contrário será uma solução paliativa, que não vai se sustentar ao longo do tempo.

Ferrugem asiática: desafios e perspectivas

No segundo dia de programação, a Dra. Carolina Deuner, professora e pesquisadora da Universidade de Passo Fundo abordou as estratégias de controle químico para doenças da soja, com foco na ferrugem asiática. Deuner apresentou os principais desafios fitossanitários dessa última safra. Segundo ela, entre as doenças que tendem a crescer nos próximos anos estão a septoriose, o crestamento, a antracnose e a própria ferrugem.

A pesquisadora comentou ainda que os materiais de soja têm hoje ciclo mais curto, são menores em estrutura de planta, são mais exigentes e produzem mais, o que significa que o espaço para efetuar o controle dessas doenças é consideravelmente menor. O desafio é manter o tecido foliar sadio pelo maior tempo possível. Isso pode ser conseguido, segundo Deuner, realizando controle preventivo desde o estádio vegetativo.

A pesquisadora argumentou que o local de início da doença em geral é o terço inferior da planta de soja, e o local onde a aplicação de defensivos mais afeta é o terço superior. Dessa forma, há dificuldade de controlar doenças no momento em que a entrelinha da cultura já está fechada. A proposta é melhorar a deposição do produto na cultura.

Isso pode ser atingido de duas formas: melhorando a tecnologia de aplicação ou realizando o controle preventivo. Aplicando o produto antes do limite do fechamento da cultura, permitindo assim uma deposição mais eficiente no terço inferior. Assim, atrasa-se o desenvolvimento da doença e se consegue manter a folha sadia por mais tempo. Deuner também abordou na palestra o tempo de absorção dos diferentes grupos de fungicidas e sua mobilidade na planta.

Fungicidas que são triazóis + estrobilurina, em geral, demoram cerca de uma hora para serem completamente absorvidos. Produtos com grupos menos móveis, como carboxamidas tendem a demorar mais para absorção total. Segundo a palestrante, estudos realizados na UPF, onde são feitos experimentos mostrando os resultados de variações no momento de aplicação dos fungicidas, evidenciaram que os piores resultados de controle ocorrem quando a primeira aplicação é feita de forma tardia.

Os resultados também mostraram que o número de aplicações é fator chave para o controle, e que para um menor número de aplicações, o intervalo entre estas tem de ser cada vez menor. Por fim, Deuner exemplificou alguns programas de controle de alto, médio e baixo risco de perda de performance. Os programas de controle de alto risco de forma geral são os que utilizam apenas aplicações com triazóis + estrobilurinas.

Programas de médio risco incluem os que alternam mecanismos de ação, como por exemplo, alternar aplicação triazól + estrobirulina com carboxamida + estrobilurina. Programas de baixo risco envolvem a alternância de mecanismos de ação, com adição de fungicidas multissítio, tais como mancozebe.

Análise técnica da safra 2016/2017

A tarde do segundo dia de programação foi reservada para uma reunião debate com foco na análise técnica da safra 2016/2017 com ênfase na proteção de plantas. O debate contou com a participação da Dra. Carolina Deuner, EngenheiroAgrônomo Dirceu Gassen e a Dra. Franciele Mariani que discutiram com o público as principais ocorrências de pragas, doenças e plantas daninhas.

Segundo a avaliação da Deuner, as doenças que ocorreram na safra 2016/2017 com mais intensidade foram septoriose e antracnose. A ferrugem, segundo ela, em função do controle realizado em momentos certos e das noites frias teve progressão lenta.

Um dos motivos que, segundo os pesquisadores, levou ao aumento de doenças necrotróficas na parte inferior das plantas foi o erro na população, criando microclima favorável e alimento em quantidade para o desenvolvimento dos patógenos. Foram relatados casos em que produtores reduziram número de aplicações de fungicida, ou iniciaram mais tarde por utilizarem materiais com tecnologia INOX®, e tiveram uma grande incidência de antracnose e/ou outras doenças necrotróficas.

O mofo branco também entrou na discussão, pois teve grande incidência na região de Vacaria, mas também em outras regiões onde não é tão comum o aparecimento do fungo. As recomendações dos pesquisadores se concentraram na redução da população de plantas para não favorecer microclima, utilizar cultivares de hábito determinado e aplicação sequencial de fungicida.

Em relação às plantas daninhas, um dos maiores problemas foi a buva. Segundo a Dra. Franciele Mariani, o pousio entre a colheita e o plantio da cultura de verão acaba auxiliando o desenvolvimento das plantas de buva. Para ela, uma boa cobertura durante período, aliado à rotação de culturas e de mecanismos de ação, permite estabelecer a cultura de verão no limpo, sendo mais fácil o manejo após o estabelecimento da lavoura.

Mariani destacou que muitas vezes o agricultor não contabiliza o prejuízo causado pelas plantas daninhas, pois o dano não é visível na lavoura, ele é refletido apenas na produtividade. Segundo relato dos técnicos e agricultores presentes, plantas daninhas como Trapoeraba e Capim Amargoso também tiveram sua presença aumentada, e em breve poderão representar um problema mais sério no manejo das lavouras. De acordo com o grupo presente na reunião-debate, o tamanduá-dasoja foi uma praga que apareceu mais na região norte durante a safra de verão.

Alguns fatores que foram levantados como possíveis motivos para isso: a compatibilidade do ciclo biológico do inseto com o ciclo da soja nessa safra, ocasionando pouco efeito do tratamento de semente, além da quantidade de precipitação e da diminuição da rotação de culturas para interrupção do ciclo do inseto. Quanto a presença de lagartas, foi comentado que o controle, de forma geral, foi facilitado pela tecnologia Bt. O controle de percevejos também foi considerado, mas poderia ser facilitado, segundo Dirceu Gassen, pela supressão biológica promovida pela diversidade de cultivos.

Boas práticas para uso eficiente de fertilizantes

Seguindo a programação da Casa do Plantio Direto, na quarta-feira, dia 9 de março, o pesquisador da Embrapa Trigo Dr. Fabiano Daniel de Bona falou a respeito de boas praticas para o uso eficiente de fertilizantes em sistemas produtivos com cereais de inverno.

Ele introduziu o assunto tratando dos desafios técnicos da produção de trigo, entre os quais o pesquisador destacou: o rendimento e a qualidade de grãos, a necessidade de minimizar riscos climáticos, a eficiência do uso de nutrientes e a redução dos custos. Pelas estimativas feitas pelo pesquisador, os fertilizantes na cultura do trigo equivalem a cerca de 25% dos custos de produção. De Bona também apresentou algumas ações fundamentais para o aprimoramento das boas práticas para o uso de fertilizantes. Segundo o pesquisador a calagem e adubação equilibradas com base na exigência de cada cultivar são essenciais para essas boas práticas, assim como a redução da perda dos nutrientes e uso da rotação de culturas, além, é claro, da otimização da aplicação dos insumos.

Quando aos nutrientes na cultura do trigo, de acordo com De Bona, as lavouras em geral apresentam altos teores de Ca e Mg no solo e há suprimento constante desses elementos via calagem. O que ocorre são problemas ocasionais de distribuição em subsuperfície do calcário. O Nitrogênio no trigo é suprido na base e em cobertura, sendo essa a principal fonte de N. Esse é um elemento determinante da produtividade e qualidade tecnológica industrial segundo o pesquisador. Já o fósforo e o potássio são fornecidos na adubação de base (e o K também em cobertura).

Em função das características desses elementos, cria-se um gradiente de fertilidade no perfil do solo. Em função disso, é necessário que se aprimore o manejo desses nutrientes. O enxofre é pouco considerado nos programas de adubação de trigo, assim como os micronutrientes, que em geral são fornecidos pela adubação de base.

O pesquisador mostrou uma representação esquemática desse gradiente químico que ocorre em solos da região do Planalto do Rio Grande do Sul e os critérios técnicos para recomendação de adubação e calagem baseada no novo Manual do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Para De Bona o manejo de nitrogênio na cultura do trigo no que tange ao momento de aplicação e a quantidade aplicada pode estar equivocado em alguns casos, pois o exagero na adubação de N para o trigo pode ser antieconômica e pode afetar negativamente a produtividade.

Plantas de cobertura e a fertilidade do solo

Na parte da tarde do terceiro dia da Casa PD, aconteceu uma reuniãodebate com foco no uso de plantas de cobertura para a melhoria da fertilidade do solo com o pesquisador da Embrapa Trigo Dr. Alfredo do Nascimento Jr. e Dr. Antônio Luis Santi da UFSM. O professor da UFSM mostrou dados dos trabalhos que têm sido realizados a respeito dos efeitos das plantas de cobertura nos fatores que compõe um solo fértil.

Segundo ele, de forma geral, as mesclas com 2 ou 3 plantas de famílias diferentes obtiveram melhor infiltração de água, teor de matéria orgânica e melhor estruturação do solo. O Dr. Nascimento mostrou alguns cases de propriedades que utilizam diferentes espécies de cobertura para melhoria da fertilidade. Um dos maiores entraves, segundo o pesquisador, para a nãoadoção de um manejo focado nas culturas de cobertura é o preço das sementes de diferentes espécies, assim como a dificuldade em encontrar estas sementes.

Um dos pontos levantados, também, por Nascimento, foi o fato de que muitas vezes o preço de uma espécie de cobertura melhorada, tal como aveia-preta, é maior do que de uma aveia-preta comum, porém o preço maior é compensado pela grande produção de biomassa feita pela planta melhorada. Finalizando a programação da Casa do Plantio Direto 2017, o engenheiro agrônomo Dirceu Gassen realizou uma conversa de encerramento com participantes no estande sobre os desafios que apareceram na safra de 2016/2017, e alguns pontos que devem ser levados em conta para a próxima safra.