Perdas na colheita de soja: é possível virar esse jogo?


Autores: Walter Boller; João Manoel Borges
Publicado em: 28/02/2017

1 Introdução

Ao aproximar-se o momento da colheita de mais uma safra de soja, é oportuno alertar para um aspecto que muitas vezes passa despercebido e somente vêm à tona algumas semanas após a finalização dessa operação. É incompreensível que os produtores considerem normais as elevadas perdas de soja, tantas vezes observadas na colheita.

Muitos estudos sobre perdas na colheita de soja já foram realizados. No período inicial da colheita mecanizada, nas décadas de 1960-1970, os números oficiais indicavam perdas de até 12% no estado do Rio Grande do Sul. No final dessa mesma década, pesquisa realizada no estado do Paraná, revelou que as perdas variavam entre 3,0 e 3,2 sacas de 60 kg por hectare.

Numerosos levantamentos realizados em todas as regiões produtoras de soja do Brasil mostraram que as perdas médias encontram-se entre 2,0 e 3,5 sacas de 60 kg/ha. Ainda, na maioria dos estudos com perdas na colheita de soja ficou evidente que entre 70% e 80% das perdas ocorrem nos mecanismos de corte e alimentação, embora sejam possíveis exceções a essa regra.

Após identificar as principais causas das perdas, realizando regulagens corretas e seguindo as recomendações de operação de cada máquina de acordo com as suas capacidades e limitações, a Embrapa Soja estabeleceu como perda aceitável, no máximo 60 kg por hectare. Entretanto, em condições favoráveis, as perdas podem situar-se abaixo da metade desse limite.

Fazendo uma simulação com essa situação, através de uma estimativa bem conservadora, comparando-se as perdas médias observadas nos estados do RS e de SC, com esse limite de uma saca por hectare, as perdas excedentes somariam algo em torno de 480.000 t (oito milhões de sacas) de grãos de soja que foram deixados no solo.

Esses grãos perdidos, a um preço médio de R$ 70,00 a saca de 60 kg, equivalem a R$ 560.000.000,00, o que daria para adquirir todo ano mais de mil colhedoras novas.

E o prejuízo não fica apenas nisso: há que se computar a quantidade de grãos que deixam de ser transportados e processados pela indústria, a proteína e o óleo que o mercado deixa de comercializar, os impostos que deixam de ser recolhidos, enfim, toda a cadeia produtiva se ressente dessas perdas evitáveis e que não deveriam ocorrer.

O que fazer para romper esse círculo vicioso negativo?

A primeira coisa a ser feita é a tomada de consciência dessa situação quase inacreditável, que se parece a uma “auto-sabotagem” dos produtores e, a partir daí, planejar o enfrentamento dessa realidade. Boa parte das ações necessárias sequer envolvem custos, pois requerem apenas algum conhecimento básico e principalmente “atitudes pró-ativas”.

Algumas das ações mais importantes, capazes de reverter esse quadro passam a ser discutidas na sequência. A primeira recomendação é de que ainda na entre-safra, seja feita uma criteriosa revisão das máquinas que serão utilizadas na colheita.

Feito isso, cabe lembrar que a correta utilização das colhedoras é indispensável para obter o melhor resultado na colheita, tanto em quantidade quanto em qualidade. Nesse aspecto, é justamente na habilidade dos operadores das colhedoras que reside um dos aspectos da maior importância, uma vez que estas máquinas apresentam uma grande versatilidade, adaptando-se à colheita de uma gama bem diferenciada de culturas, desde que sejam realizadas as devidas adaptações e/ou ajustes e regulagens.

O aproveitamento do potencial das colhedoras automotrizes requer a devida capacitação dos operadores, que devem dominar os detalhes relacionados ao manejo e às melhores regulagens para operar frente as mais variadas condições de campo que as colheitas apresentam.

Reduzir perdas a partir de mais de duas sacas por hectare para menos de uma saca por hectare é possível, embora a soja seja uma planta suscetível à debulha por excesso de vento, por altas temperaturas, baixa umidade dos grãos, baixa umidade relativa do ar, excesso de chuvas e até mesmo a impactos mecânicos de partes das máquinas utilizadas na sua colheita.

A abordagem de forma simplificada das melhores alternativas de regulagens e o destaque de possíveis problemas que poderão ocorrer, em caso de erros nessas regulagens pretende servir de orientação aos usuários das colhedoras no campo. Cabe ressaltar que informações mais detalhadas sobre regulagens particulares de cada modelo de colhedora existente no mercado deverão ser buscadas nos manuais dos fabricantes, ou obtidas através de treinamentos específicos realizados pelos respectivos fabricantes e/ou concessionárias autorizadas.

2 Mecanismos funcionais de uma colhedora de grãos

Para um melhor entendimento dos principais órgãos ativos, de suas funções e de suas regulagens básicas, as colhedoras de grãos podem ser subdivididas em cinco sistemas ou mecanismos funcionais, quais sejam:

1) corte e alimentação;

2) trilha (ou debulha) e retrilha;

3) separação de grãos e palhas;

4) limpeza;

5) transporte e armazenagem de grãos.

Tendo em vista que, via-de-regra, o mecanismo de corte e alimentação contribui com 70 até 80% das perdas na colheita de soja, passam a ser apresentadas as principais regulagens desse mecanismo que podem contribuir para o bom desempenho de uma colhedora de soja e especialmente para a redução das perdas.

2.1 Mecanismo de corte e alimentação

Este mecanismo também conhecido como plataforma de corte e alimentação, é constituído por um conjunto de componentes interdependentes, cujas funções incluem o corte ou a retirada das partes das plantas que contém os grãos que serão colhidos, a sua centralização e a sua condução até o mecanismo de trilha da colhedora. As principais regulagens deste mecanismo recaem sobre o molinete, a barra de corte o sem-fim de alimentação e o elevador de palhas.

2.1.1 Regulagens do molinete

O molinete é o primeiro elemento da colhedora a tocar na cultura e suas funções incluem apoiar as plantas no momento do corte e impulsioná-las suavemente para dentro da plataforma de corte, imediatamente após o corte. As suas quatro regulagens são altura, posição horizontal, angulação dos dedos e velocidade.

a) Altura do molinete – deve ser ajustada de acordo com a estatura das plantas, de modo a tocar no seu terço superior. Caso o molinete seja conduzido muito baixo, poderá impactar sobre as hastes das plantas causando sua quebra e a perdas dos grãos a elas ligados. No caso de plantas acamadas, a altura do molinete deverá ser a menor possível, para auxiliar no recolhimento destas.

b) Posição horizontal – para culturas eretas de porte normal, a projeção vertical do eixo do molinete deve localizar-se entre 15 e 30 cm à frente da barra de corte. Já, para plantas de porte muito baixo, o molinete deve ser recuado para dentro da plataforma de corte (mais próximo do semfim de alimentação). Por fim, no caso de plantas de palha muito longa e acamada (deitadas), o molinete deve ser posicionado ao máximo possível para frente, para que possa levantar as plantas antes do seu corte e assim reduzir perdas.

c) Angulação dos dedos – para a colheita de plantas em pé, de porte normal, os dedos devem ser mantidos em posição próxima a vertical, ou levemente inclinados para dentro da plataforma de corte.

Quando as plantas se encontram acamadas, os dedos devem ser voltados para dentro da plataforma de modo a auxiliar no levantamento das mesmas antes do corte. Ainda, no caso de colheita em lavouras com expressiva presença de plantas daninhas verdes (cipós), os dedos retráteis devem ser voltados para frente, para evitar que o material verde se enrole no molinete e venha a causar perdas de grãos antes que estes entrem na plataforma.

d) Velocidade do molinete – a velocidade do molinete, quando ajustada de maneira equivocada, vem sendo apontada como uma das principais causas de perdas de soja. A velocidade do molinete depende da velocidade de avanço da colhedora e deve ser mantida entre 15 e 25 % superior a esta.

Na prática pode-se seguir a seguinte regra: ao observar a colhedora de lado, deve-se ter a impressão que o molinete está tracionando a mesma, pois o seu movimento provoca uma leve inclinação das plantas para dentro da plataforma. Entretanto, para evitar a debulha de grãos, nunca uma mesma planta deve ser tocada por mais de uma barra do molinete.

2.1.2 Regulagens da barra de corte

A barra de corte deve ser regulada em sua altura de corte, no curso da navalha, nas folgas horizontal e vertical da navalha e no alinhamento dos dedos duplos.

a) Altura de corte - esta depende das características da planta a ser colhida. No caso da soja, devido às inserções de vagens ao longo das suas hastes, desde os primeiros nós, normalmente o corte tem de ser realizado muito próximo ao solo.

Para a colheita de soja, são utilizadas plataformas automatizadas, flutuantes, que “tateiam” o solo através de sensores, mantendo-se paralelas ao solo e na altura de corte desejada para não perder vagens em plantas por altura de corte excessiva. Os controles automáticos da plataforma de corte apresentam regulagens de sensibilidade em relação ao solo, podendo responder mais rápida ou mais lentamente, conforme selecionado pelo operador.

b) Curso da navalha – o deslocamento da navalha dentro dos dedos duplos, onde se localiza uma contra-faca fixa, proporciona um efeito de corte semelhante ao de uma tesoura. Para tanto, o curso da navalha tem de ser ajustado de forma a percorrer o espaço do centro de um dedo duplo ao seu vizinho. Isso deve ser observado no momento de uma troca de navalha ou em caso de retirada e recolocação da mesma após algum procedimento de manutenção.

c) Folgas da navalha – para que o corte seja realizado com um só golpe da navalha e sejam reduzidas as vibrações nas plantas (para evitar debulha de grãos quando as plantas estão muito secas) há necessidade de manter as folgas horizontal e vertical próximas de seus valores mínimos, em torno de 0,2 a 0,3 mm.

d) Alinhamento dos dedos duplos – os dedos duplos devem estar alinhados de modo a formar uma linha reta de uma extremidade a outra da barra de corte, sendo este aspecto verificado com o auxílio de uma corda fina, um fio de nylon ou um barbante.

2.1.3 Regulagens do sem-fim de alimentação

O sem-fim de alimentação, responsável por centralizar a palha cortada e transferir a mesma ao elevador de palhas, também apresenta quatro regulagens: altura, posição horizontal, posição dos dedos retráteis e velocidade.

a) Altura do sem-fim de alimentação – deve ser tal que permita uma alimentação constante, sem causar debulha dos grãos na plataforma. A folga entre as cristas das espiras do sem-fim e o fundo da plataforma deve ser tal que não se acumulem partes de plantas no fundo desta, porém não tão reduzida ao ponto de causar debulha de vagens de soja.

b) Posição horizontal do semfim de alimentação – a sua posição deve ser mantida mais recuada (para dentro da plataforma) quando as plantas colhidas apresentam porte normal ou palha longa e mais avançado (para frente) quando se colhe plantas de porte baixo ou palha curta.

Isso serve para melhorar a uniformidade da alimentação, pois plantas de palha curta tendem a se acumular sobre a barra de corte e quando alcançam o sem-fim este apanha um grande volume de palha acumulado, causando desuniformidade (trancos) na alimentação ou até mesmo “embuchamentos”.

c) Posição dos dedos retráteis – os dedos retráteis situados ao longo e no centro do sem-fim de alimentação devem ser posicionados mais para frente quando se colhe plantas com palha longa e mais para trás quando o caracol é posicionado mais para frente, que é o caso de palha curta. Isso serve para tentar manter a uniformidade na alimentação do elevador de palhas e dos demais mecanismos da colhedora.

d) Velocidade do sem-fim de alimentação – normalmente existem duas opções de velocidade, sendo que para culturas de fácil debulha como a soja, a velocidade do caracol deve ser mantida mais baixa. Isso é obtido por meio de engrenagens que acompanham a máquina. Quando a soja apresentar elevado volume de palha, eventualmente poderá ser desejável utilizar velocidade alta no caracol, para uniformizar a alimentação da trilha.

Entretanto, ao utilizar a velocidade alta no sem-fim, há que se reforçar a vigilância, especialmente nos períodos de altas temperaturas e de baixa umidade relativa do ar e quando as plantas estiverem muito maduras e secas, pois nessas condições é muito fácil causar aumentos nas perdas de grãos de soja, com velocidade alta nesse componente.

Há alguns anos, o mercado brasileiro de colhedoras vem oferecendo novo modelo de plataforma conhecido comercialmente como “Draper”, até o momento disponível para máquinas de grande capacidade de colheita (plataformas com larguras de 25 pés ou maiores). Nestas plataformas o sem-fim de alimentação é substituído por um conjunto de duas ou mais esteiras de borracha transversais ao deslocamento da colhedora, que transportam o material cortado pela navalha suave e uniformemente para o centro da plataforma, onde uma esteira longitudinal alimenta o elevador de palhas.

Disso resulta um menor atrito e impacto de partes móveis da colhedora com as plantas de soja, podendo reduzir significativamente as perdas causadas pela plataforma. As plataformas “Draper” possuem uma série de regulagens que permitem otimizar a cópia do micro-relevo do terreno, reduzindo as perdas em comparação às plataformas convencionais.

Além disso, pelo fato de alimentar o restante da colhedora com maior uniformidade do que as plataformas equipadas com sem-fim de alimentação, as plataformas “Draper” permitem aumentar a velocidade de deslocamento da colhedora em até 20 %, o que se reflete em aumento significativo da capacidade de colheita da máquina.

2.1.4 Regulagens do elevador de palhas

O elevador de palhas, responsável por conduzir a palha centralizada pelo sem-fim de alimentação até o mecanismo de trilha, também conhecido como “pescoço da colhedora” é uma esteira composta por correntes interligadas por barras transversais. Uma das regulagens é a tensão da esteira, que deve ser tal que apenas uma travessa toque o fundo do canal de alimentação.

A outra regulagem é a altura do rolo frontal, que depende da espessura do material colhido. Para soja normalmente se indica uma altura intermediária àquelas indicadas para cereais de inverno e milho. Estas regulagens servem para evitar a debulha de vagens antes que entrem na máquina e também para assegurar uma alimentação uniforme da colhedora.

3 Velocidade de deslocamento das colhedoras de grãos

A velocidade com que a máquina se desloca na operação da colheita é também de grande importância, pois influencia não apenas no primeiro contato da máquina com a cultura, mas também em outros mecanismos da máquina. Essa velocidade deve ser ajustada para ser maior ou menor dependendo do volume de massa da cultura, da umidade da cultura, da capacidade de trilha da colhedora e da largura da plataforma de corte.

Velocidades menores podem comprometer a alimentação do sistema, enquanto velocidades maiores podem sobrecarregar tanto os mecanismos de trilha quanto os mecanismos de separação e limpeza, ocasionando aumento significativo das perdas de grãos durante o processo. Um aspecto interessante quanto à velocidade de deslocamento das colhedoras está relacionado com a capacidade de processamento dos mecanismos de trilha, separação e limpeza.

Trabalhos experimentais demonstraram que, para colhedoras convencionais, com mecanismos de trilha através de cilindros tangenciais e separação por saca-palhas, são indicadas velocidades entre 4,0 e 6,0 km/h, dependendo das condições da cultura a ser colhida.

Já para colhedoras com mecanismos de trilha e separação de fluxo axial, que também apresentam maiores capacidades de processamento nos mecanismos de limpeza, as velocidades maiores que 6,0 km/h contribuem para a redução de perdas, enquanto que velocidades abaixo de 5,0 km/h podem resultar em aumentos das perdas pelos mecanismos internos.

Ainda, para colhedoras híbridas (trilha por cilindro tangencial e separação por rotores) as velocidades podem abranger uma faixa mais ampla, pois em baixas velocidades (volume de palha reduzido) não apresentam deficiência de debulha e nas altas velocidades a capacidade do seu mecanismo de separação (rotativo) não é limitante.

Segundo a EMBRAPA Soja, para colhedoras com mecanismo convencional, é importante utilizar a velocidade de trabalho entre 4 e 5 km/h em colhedoras com barra de corte que operam com 1000 golpes por minuto e velocidade de trabalho de no máximo 6 km/h para aquelas com barra de corte que operam com 1100 ou 1200 golpes por minuto. Para colhedoras com mecanismo axial, é possível que a velocidade seja maior.

Dessa forma, nas colhedoras convencionais, só se deve utilizar a velocidade de trabalho considerada alta se as perdas, uma vez quantificadas, estão abaixo do nível tolerável. Uma medida prática para analisar a velocidade de deslocamento: Conta-se o número de passos largos (próximo de um metro) andando junto (ao lado) da máquina durante 20 segundos.

Multiplica-se esse número por 0,16 e se obtém a velocidade aproximada em km/h. Deve-se considerar ainda que, muitas vezes, o problema se encontra no fato de que a janela para colheita às vezes é curta, e se a velocidade da máquina não for a ideal, a capacidade operacional diminui, e de qualquer forma pode haver desperdício, mesmo com a máquina devidamente regulada.

Para evitar, portanto, perdas desnecessárias na colheita e otimizar a operação, as regulagens corretas de todos os mecanismos da colhedora devem ser observadas, além de se buscar a velocidade ideal no campo, de forma que se consiga a melhor capacidade operacional possível, com o mínimo de desperdício, protegendo assim o lucro da propriedade.

Vale lembrar: Considere peso de mil grãos de 150g para a lavoura de soja. Se após a passagem da colhedora forem contados sobre o solo 40 grãos de soja em um metro quadrado, e esse número for uniforme nas várias áreas da lavoura, significa que um saco de soja foi perdido. O cálculo é simples: Se cada grão pesa 0,15 gramas, então, 40 grãos pesam 6 gramas. Essas 6 gramas em um metro quadrado, equivalem à 60 kg/ha.