Injúria abiótica em folhas de trigo ou bacteriose


Autores: Erlei Melo Reis; Andrea Camargo Reis ; Mateus Zanatta
Publicado em: 28/02/2017

1. Introdução

Quem tem experiência em acompanhamento de safras de trigo, tem observado que sempre, em todas elas, surgem problemas novos que necessitam ter sua causa diagnosticada. Porém, esses desafios, em geral são complexos. Tem sido observado em algumas safras de trigo, nos últimos 30 anos, a ocorrência esporádica de uma injúria nas folhas superiores do trigo e apontada como sendo uma bacteriose.

Sendo disseminado o fato de que esse distúrbio é causado por uma bactéria tem sido recomendado pela assistência técnica, e aplicado em lavouras de alguns produtores, substâncias químicas bactericidas para seu controle à base de cobre ou cloro.

Lembra-se que em trigo são relatadas duas bacterioses, a estria bacteriana causada por patovares de Xanthomonas axonopodis, de maior ocorrência e importância, e a gluma negra, causada por patovares de Pseudomonas syringae, de menor ocorrência. O objetivo desse texto é contribuir para a diagnose correta do problema ocorrente nas últimas safras de trigo de 2010 e de 2016.

2. Conceitos básicos

Para embasar a presente discussão, serão revisados alguns princípios básicos de fitopatologia Classificação das doenças segunda a natureza do agente causal. Está em discussão se a necrose na curvatura da folha bandeira do trigo tem causa biótica ou abiótica.

Doenças parasitárias ou bióticas. Assim são classificadas as moléstias causadas por microrganismos patogênicos como fungos, bactérias e vírus.

Prova de patogenicidade. Na diagnose de doenças parasitárias é exigida a prova de patogenicidade. O método científico de diagnose de doenças parasitárias prevê que para se comprovar que um determinado microrganismo é o agente causal da doença devem ser seguidos ou observados os postulados de Koch:

(i) isolar o microrganismo em cultura pura,

(ii) inocular no hospedeiro sadio, reproduzindo sintomas semelhantes aos observados no campo;

(iii) re-isolar o microrganismo inoculado.

(iv) Os sintomas observados no campo e os resultantes da inoculação devem ser semelhantes e o organismo isolado do campo de da planta inoculada deve ser idêntico (Agrios, 2005).

Doenças não parasitárias, ou abióticas. Recebem essa denominação as alterações na fisiologia e morfologia da planta causada por agente outro que não seja um ser vivo. Deficiência ou excesso de elementos nutritivos minerais ou fitotoxicidade de substâncias químicas, injúrias físicas pelo frio (geada), calor e radiação solar.

Esse grupo de distúrbios não apresentam ciclos secundários, pois em geral, a sua ocorrência depende da apenas um evento que não é repetido no tempo como nos ciclos secundários de doenças parasitárias.

Ciclo das relações patógeno hospedeiro

Fontes de inóculo dos agentes parasitários de manchas foliares incluindo fungos e bactéria.

As duas principais fontes de inóculo para o conjunto de doenças causadas por necrotróficos que parasitam órgãos verdes são as sementes e os restos culturais.

Agentes de disseminação do inóculo. Nesse grupo de doenças são descritos dois tipos de propágulos dos agentes causais quanto a necessidade de um agente de remoção e de dispersão do inóculo.

Os esporos de fungos que causam manchas foliares em trigo gêneros Drechslera e Bipolaris apresentam esporos secos, sendo removidos do local de esporulação e transportados pelo vento. Por outro lado, no caso de Stagonospora (= Septoria) e de Microdochium, os esporos são removidos dos picnídios e dos esporodóquios (formados nos tecidos infectado) e dispersos por gotas de chuva atomizadas pelo vento.

As bactérias dos gêneros Xanthomonas e Pseudomonas apresentam propágulos (células, talos) molhados, sendo, portanto, removidas dos tecidos infectados e transportados (disseminados) veiculados por respingos de chuva.

Sítios de infecção. É o tecido suscetível, que no caso de manchas são os tecidos verdes, ou fotossintetizantes (folhas, bainhas, colmo e espigas).

Deposição, penetração. O inóculo tanto seco como molhado é depositado nos sítios de infecção por impacto (vento) ou por sedimentação (queda livre no ar).

Requerimentos ambientais para a infecção. O inóculo depositado na superfície da planta requer uma duração do período diário de molhamento foliar contínuo e temperatura favorável durante esse período resultando no estabelecimento parasitário.

Ciclo primário. Refere-se a primeira geração do patógeno na planta infectada pelo inóculo primário (semente e restos cultural infectados).

Ciclos secundários. É a segunda e demais gerações do patógeno na lavoura de trigo. Como resultado a doença cresce em intensidade iniciando nas folhas basais e atingindo as superiores até a espiga e a semente (caso dos necrotróficos).

Colonização. É o processo de invasão dos tecidos verdes do trigo e a extração de nutrientes pelos parasitas. Da colonização resultam a manifestação de sintomas como manchas foliares onde os fungos terminam por esporular produzindo inóculo secundário para os ciclos secundários.

Epidemiologia. É uma divisão da fitopatologia que considera os fatores que determinam o crescimento de uma doença no tempo e no espaço numa lavoura.

Doenças monocíclicas. São as doenças que apresentam apenas o ciclo primário, ou seja, um ciclo de vida do agente causal, coincide com um ciclo da planta. Sevem de exemplo os carvões e podridões radicais como o mal-do-pé.

Doenças policíclicas. São aquelas que apresentam ciclos secundários como as manchas foliares e a estria bacteriana. A própria planta doente produz inóculo para os ciclos seguintes de infecção.

3.

Doenças parasitárias conhecidas em trigo

Para melhor contribuição ao conhecimento da injúria ocorrente em trigo e alvo desse estudo, ilustra-se as principais manchas foliares descritas em trigo,

3.1. Manchas foliares

Podem ser causadas por fungos necrotróficos como Bipolaris sorokiniana, Drechslera tritici-repentis, D. siccans, Stagonospora nodorum e Microdochium nivale. O reconhecimento da mancha amarela, da helmintosporiose e da septoriose é de conhecimento geral.

Porém, a sintomatologia da mancha aquosa poderia ser confundida com a da necrose da curvatura da folha bandeira (Figura 1). Porém, nesse caso, o fungo Microdochium nivale é isolado das lesões apresentando resultado positivo na prova de patogenicidade.

3.2 Melanismo ou melanose – falsa gluma negra

É uma doença abiótica que ocorre em trigo (Figura 2) apresentando sintomatologia distinta nos colmos e espigas, porém, dependendo de sua intensidade em glumas pode levar a diagnose errada da gluma negra. A melanose surge com maior intensidade com ambiente quente e úmido em cultivares de trigo que contenham em seu genoma o gene Sr2 que confere resistência à ferrugem do colmo (Duveiller, et al., 1997)

3.3. Doenças bacterianas

Na literatura internacional tem sido relatado, pelo menos, duas bacterioses em trigo. Para melhor entendimento apresentam-se os nomes comuns dessas duas doenças na literatura em inglês - bacterial leaf streak, bacterial stripe, Xanthomonas streak, black chaff. Podem ser traduzidos por – estria bacteriana, listra bacteriana, listra de Xanthomonas e gluma negra.

A palavra inglesa chaff refere-se a palha da espiga sem os grãos (Duveiller et al., 1997).

Estria bacteriana. Recebe esse nome comum devido ao sintoma ser na forma de estria, ou linha longa estreita sobre os limbos foliares. Em algumas citações na língua inglesa, a estria bacteriana descrita no Brasil (Luzzardi et al., 1983) tem como nomes comuns estria bacteriana, ou listra bacteriana e gluma negra.

A estria têm como agente causal Xanthomonas translucens pv. translucens (ex Jones et al.) Vauterin et al. Sinônimos Xanthomonas campestris pv. translucens (Jones et al.) Dye, Xanthomonas translucens (Jones, Johnson e Reddy) Dowson. No presente trabalho o agente causal será denominado de patovares de X. translucens (Duveiller et al., 1997).

Glumas negras ou podridão negra da base das glumas. Recebe esse nome comum pelos sintomas de necrose escura nas glumas. Essa bacteriose é causada, principalmente, por Pseudomonas syringae pv. atrofasciens. No entanto outros patovares tem sido também descritos como P. syringae pv. syringae; P. syringae pv. japonica. Por isso, nesse texto o agente causal será denominado patovares de Pseudomonas syringae.

Sintomatologia das bacterioses. O quadro sintomatológico das bacterioses do trigo tem sido bem descrito e documentado cientificamente e úteis à diagnose. Essas bacterioses têm como nomes comuns necrose foliar, crestamento bacteriano, estria ou listra e podridão negra da base das glumas.

Sintomas foliares. Manifestamse principalmente como lesões alongadas estreitas seguindo o sentido das nervuras.

Por isso, recebem o nomes comuns de estrias ou listras como ilustrado na Figura 3.

Sintomas em bainhas e pedúnculos. Como o agente bacteriano preferencialmente coloniza tecidos verdes, fotossintéticamente ativos, além de folhas os sintomas estão presentes também em bainhas e pedúnculos (Figura 4).

São lesões que circundam o pedúnculo, no início mais claras do que o verde normal, tornando-se pardas mais tarde. Em geral, não primeiras horas da manhã, ao secar o orvalho restam gotas de pus com a consistência pastosa. Sintomas em espigas (glumas). No final do desenvolvimento do ciclo das bacterioses o patógeno coloniza as partes da espiga, principalmente glumas, retornando à semente, fonte de inóculo primário. As glumas tornam-se escurecidas, daí o nome comum de glumas negras (Figura 5).

Portanto, a sintomatologia de gluma negra não é suficiente para diferenciar as duas bacterioses citadas em trigo, isso por ser comum a ambas. A doença pode atingir a ráquis e lesões podem se desenvolver nas cariopses.

Sob ambiente úmido uma exsudação bacteriana branca-cinza pode estar presente. A infecção dos colmos (pedúnculos) resulta em sua descoloração escura. Lesões foliares pequenas e irregulares encharcadas podem estar presentes. Os sintomas em colmos e glumas podem ser confundidos com o melanismo ou falsa palha negra (Figura 2).

4. Sintomatologia da injúria abiótica na folha bandeira.

Essa injúria se manifesta em folhas, principalmente na curvatura da folha bandeira (Figura 6).

Órgãos da planta com os sintomas. Em todas as safras, regiões e lavouras, com este quadro sintomatológico, houve a predominância, ou concentração dos sintomas em folhas-bandeiras (Figura 6). Mas ocorreu em folhas inferiores também com menor frequência.

Deve ser enfatizado que, por outro lado, bainhas, colmos, pedúnculos, espigas glumas, em todas as safras e situações, apresentavam-se sadios (Figura 7). Lembra-se que a literatura oferece farta descrição e ilustrações desses sintomas das bacterioses em tais órgãos. Os sintomas dessa injúria são observados apenas em folhas, principalmente nas bandeiras, não sendo observados em bainhas, colmos, pedúnculo da espiga e espigas (glumas).

Essa é uma característica importante e diferenciadora da causa da injúria da curvatura da folha bandeiraria das duas bacterioses descrias em trigo. As duas bacterioses apresentam sintomas em folha, bainhas, colmos, espigas (glumas) e grãos. Doenças bacterianas apresentam propágulos molhados, formando sobre as lesões exsudação de pus bacteriano, acentuado na presença de orvalho e chuva leve que só molha as folhas.

Portanto, nas doenças bacterianas como na estria bacteriana que ocorre no norte do Paraná e Sul de São Paulo e etc., a exsudação de pus bacteriano está presente de modo que caminhando dentro da lavoura se sai com a roupa melada. Esse “mela” não tem sido observada em lavouras com a presença da injúria da curvatura da folha bandeira.

Evolução do quadro sintomatológico. Na sequência de imagens da Figura 8 se observa que surgem pequenas áreas despigmentadas, brancas, sem forma definida, alongadas, principalmente na curvatura da folha bandeira.

Essa necrose vai se expandindo seguida da morte de uma maior área do limbo foliar. As vezes essa necrose boqueia a passagem de nutrientes da base para a ponta da folha resultando na morte apical.

Os tecidos mortos apresentam descoloração branca evoluindo para coloração escura, quase negra, pela colonização do tecido morto por fungos saprofíticos como Alternaria, Cladosporium e Epicoccum. Tais tecidos terminam invariavelmente sendo dilacerados. Essa dilaceração é semelhante a que ocorre na injúria química de paraquate em trigo. Esse quadro sintomatológico, escurecimento seguido de dilaceração/desintegração, não tem sido descrito para as bacterioses do trigo

Nome comum de doenças. As doenças apresentam nomes comuns e o agente causal de doenças bióticas ou parasitárias, nome científico. O nome comum deve contribuir para facilitar a diagnose da referida doença. A injúria cuja etiologia é aqui discutida poderia ser propriamente chamada de “injúria da curvatura da folha-bandeira” (Figura 9).

O ambiente e a ocorrência da injúria. Fato comum é que ao longo das safras em que essa injúria é observada há uma coincidência das condições de ambiente que determinam a ocorrência da injúria. Precedendo ao evento tem ocorrido um período seco de 15-20 dias, coincidindo com o emborrachamento das plantas (folhas bandeiras desenvolvidas).

Após o período de estresse hídrico seguemse 4-5 dias de chuva frequente e com dias nublados. Após o período chuvoso, seguiram-se dias ensolarados, céu limpo com alta radiação solar.

Lembra-se que plantações vizinhas, ou mesmo em parcelas experimentais, porém em estádio fenológico anterior ao emborrachamento, e expostas as mesmas condições ambientais, não evidenciaram sintomas, permanecendo sadias até o final do ciclo. Fica assim evidente que o estádio fenológico predisponente é após o emborrachamento.

Considerando-se a ocorrência de 15-20 dias de estiagem, baixa temperatura como ocorreu na safra 2016 e que as bactérias apresentam propágulos molhados, não poderia ocorrer sintomas nas folhas bandeiras sob essas condições. Os sintomas manifestaram-se somente após a ocorrência 4-5 dias de chuva seguidos de alta radiação solar.

Como uma bactéria teria se multiplicado, sob baixa temperatura e tempo seco tão rapidamente? Não haviam sintomas semelhantes em folhas basais até então. Lembrase que o desenvolvimento de doenças bacterianas tendo como fonte de inóculo primário sementes e ou restos culturais infectados devido aos ciclos secundários, a doença desenvolve-se das folhas inferiores para as superiores (Duveiller et al., 1997).

Fontes de inóculo de bactérias. A transmissão da semente às plântulas tem sido bem descrita e ilustrada para as bacterioses do trigo (Duveiller et al., 1997). A evolução de doença parasitária com ciclos secundários é clara: semente infectada, coleóptilo, plúmula, folhas basais, folhas superiores, pedúndulo, atingindo finalmente a espiga (glumas e grãos).

A semente é novamente a fonte de inóculo primário garantindo também a sobrevivência do agente causal entressafras. Por que, essa bacteriose (?) ocorrente no Brasil, não segue esse padrão descrito em outros países evoluindo das folhas basais para as superiores e terminando por colonizar as espigas (glumas negras)?

Relação da ocorrência da injúria com estádio fenológico do trigo.

Tem sido observado que a injuria ocorre uniforme dento da área da parcela ou da lavoura. Porém, as lavouras próximas, em estádio fenológico anterior à emissão da folha bandeira, não manifestam os sintomas. Em parcelas da Embrapa/Trigo, conduzidas na Universidade de Passo Fundo (safra 2010), os sintomas foram observados somente em duas cultivares, mais precoces, com folhas bandeiras presentes no momento de ocorrência do evento.

No Winter Show de 2015, na Cooperativa Agrária, em Guarapuava, em parcelas demonstrativas do cultivar de trigo de duplo propósito (Tarumã), semeadas em duas épocas de semeadura, os sintomas ocorreram apenas na parcela semeada mais cedo, e que, no momento do evento, as folhas bandeiras estavam em seu pleno desenvolvimento. A injúria tem ocorrido em lavouras e parcelas experimentais, principalmente, após o emborrachamento. Parece que a folha mais predisposta é a bandeira.

Plantas em estádios anteriores (Fb-1; Fb-2 Fb-3), no momento do evento, apresentavam se sadias. E as mais jovens continuaram sadias até a maturação. Como a doença não cresceu de intensidade no tempo, nota-se que houve um evento marcante após o emborrachamento de modo que as mais atacadas foram as folhas-bandeira.

A ocorrência da injúria está relacionada à presença da folha bandeira no momento da ocorrência do evento. A Figura 10 ilustra a ocorrência da injúria em parcelas gêmeas da mesma cultivar semeadas em duas datas. Esses fatos são fortes argumentos de que a injúria da curvatura da folha bandeira não tem causa parasitária (bacteriose).

Epidemiologia. A injúria da curvatura da curvatura da folha bandeira comportou-se como uma doença monocíclica. As doenças bacterianas são policíclicas.

Não se observou o crescimento da intensidade da injúria com o passar do tempo como ocorre em doenças parasitárias.

Em geral a doença parasitária como as bacterianas evolui das folhas basais para as superiores atingindo pedúnculos, espigas, glumas e grãos. Por isso, se pode deduzir que, em relação a injúria, ocorreu apenas um evento determinante da injúria.

Após 4 - 5 dias de chuva contínua, a injúria continuou restrita as folhas superiores. Caso fosse de origem parasitária e, com ciclos secundários, atingiria pedúnculos e espigas. Tal fato não ocorreu. Não se encontrou na literatura citação de bacteriose de órgãos fotossintéticos sendo monocíclica! Mesmo que se tentasse traçar o progresso da injúria não seria possível.

Em todas as safras que ocorreu o fenômeno, não se identificou a repetição dos fatores determinantes. Ainda não foram registradas injúrias ou lesões em bainhas, colmos, pedúnculos e espigas (gluma negra). Outro fato relevante que distingue a injúria de doença bacteriana, é que as plantas não apresentavam exsudação de pus de modo que se caminhando na lavoura as plantas estavam secas e não meladas.

Efeito de fungicida na redução da intensidade da injúria. Poderia uma bacteriose ter sua intensidade reduzida (controlada) por fungicidas? Em experimento de campo na Semente Com Vigor, Vacaria, cultivar Marfim, safra 2016, a área que foi tratada com mistura de triazol + estrobilurina apresentou uma severidade em folhas bandeiras de 8,0% enquanto que a tratada com a mesma mistura adicionada de mancozebe 2,0 kg/ ha, teve a severidade reduzida para 2,9%. Essa redução pode ser atribuída ao efeito anti-estresse do mancozebe, com mecanismo ainda sem explicação.

Contudo não seria o controle da bacteriose por um fungicida não bactericida.

Reação de cultivares de trigo. Deve ser enfatizado que se observou diferenças na presença da injúria entre cultivares, no entanto, cuidado deve ser tomado relacionado com a coincidência da presença da folha bandeira com o fator ambiente (déficit hídrico-chuva-sol). Esse fato pode resultar numa observação falsa de que a presença/ocorrência da injúria possa ser atribuída a resistência. da cultivar. Na realidade trata-se de um escape – não houve coincidência do estádio fenológico (presença de folha-bandeira) predisponente com a ocorrência do evento ambiental.

Injúria química? A causa da injúria da curvatura da folha bandeira ainda não tem sido devidamente elucidado. Uma possibilidade poderia ter sido a ocorrência de chuva ácida. Numa publicação da Embrapa trigo encontrou-se registro de chuva ácida em Passo Fundo, com pH 3,5, média mensal do mês de janeiro de 1999 (Cunha et al., 2009).

Injúria física? A maioria das lesões é na curvatura da folha, posição mais horizontal onde pode ocorrer acúmulo de água. Poderia ter havido lixivia de nutrientes foliares pelo excesso de chuva durante 4 – 5 dias? O período longo de chuvas poderia ter removido a serosidade da folha favorecendo a presença de gotas d’água que como uma “lente” resultou em injúria pela radiação solar?

Convém se fazer uma comparação da evolução da injúria química do herbicida paraquate em folhas de trigo, com a evolução da necrose da curva da folha bandeira. Observa-se que as duas injúrias seguem o mesmo modelo (Figura 11). Dessa semelhança se pode concluir que possivelmente tenham como causa uma substância química.

Testes de patogenicidade: Foram feitos isolamentos a partir das injúrias, observada a “corrida” bacteriana ao microscópio e exsudação em tubo de ensaio. Estes dois últimos estes foram negativos. Nos isolamentos feitos em laboratório foram obtidas populações de bactérias saprofíticas colonizando os tecidos necrosados. As inoculações foram feitas em plântulas de trigo, cultivadas em vaso utilizando-se três métodos: aspersão, injeção e palito (Figura 12), porém negativos.

Conclusões

A injúria ou lesão da curvatura da folha bandeira pode ter como causa evento relacionado com fator ambiental e com o estádio fenológico do trigo. A injúria da curvatura da folha bandeira apresenta quadro sintomatológico diferente do das bacterioses descritas em trigo:

Ausência de estria foliar, de lesões no pedúnculo, de glumas negras e de exsudação de pus bacteriano nas lesões; ao contrário, não ocorrem sintomas em bainhas, pedúnculos e espigas (gluma negra); as folhas injuriadas apresentavam lesões secas; a doença não evoluiu de folhas inferiores para as superiores como ocorre com as parasitárias policíclicas com ciclos secundários; a evolução dos sintomas foi semelhante a injúria do herbicida paraquate terminando por escurecimento e dilaceração das lesões; a severidade da injúria foi reduzida por fungicida protetor; a safra de 2016 apresentou inverno frio (junho, julho e agosto) com período longo de seca desfavorável a doença bacteriana; comportou-se como doença monocíclica, dependente de estádio fenológico (presença da folha bandeira).

E, finalmente, a prova de patogenicidade com bactérias foi negativa.

Referências

Agrios, G. N. Plant pathology. 5th ed. Elsevier Academic Press. 922 p. 2005.

Cunha, G.RF.; Santi, A.; Dalmago, G.A; Pires, J.L.; Pasinato, A. Dinâmica do pH da água das chuvas em Passo Fundo, RS. Pesq. Agropec. Bras., Brasília, v.44, n.4, p.339-346, abr. 2009

Duveiller E (1989) Research on ‘Xanthomonas translucens’ of wheat and triticale at CIMMYT. Bulletin OEPP, 19:97-103.

Duveiller E (1990) Seed detection of Xanthomonas campestris pv. undulosa using a modification of Wilbrink’s agar medium. Parasitica, 46:3-17.

Duveiller E (1994). A pictorial series of disease assessment keys for bacterial leaf streak of cereals. Plant Disease, 78:137-141.

Duveiller E, Ginkel M, Thijssen M (1993) Genetic analysis of resistance to bacterial leaf streak caused by Xanthomonas campestris pv. undulosa in bread wheat. Euphytica, 66:35-43.

Duveiller, E., L. Fucikovsky, and K. Rudolph, eds. 1997. The Bacterial Diseases of Wheat: Concepts and Methods of Disease Management. Mexico, D.F.: CIMMYT.

Forster RL, Schaad NW (1988). Control of black chaff of wheat with seed treatment and a foundation seed health program. Plant Disease, 72:935- 938.

Fourest E, Rehms LD, Sands DC, Bjarko M, Lund RE (1990) Eradication of Xanthomonas campestris pv. translucens from barley seed with dry heat treatments. Plant Disease, 74:816- 818.

Lindbeck, K. Bacterial leaf streak Xanthomonas translucens pv. translucens Xanthomonas translucens pv. undulosa. Prepared by Plant Health Australia. June 2011. 27p.

Luzzardi, G. C.; Douglas, R.A.; Pierobom, C.R.; Luz, W.C. Occurrence of Xanthomonas campestris pv. undulosa in wheat in Brazil. Fitopatologia Brasileira, Brasília, 8:381-386, 1983 (in Portuguese).