Uma visão geral das condições das lavouras de soja do norte gaúcho


Autores: Equipe Editorial Revista Plantio Direto
Publicado em: 28/02/2017

Mais uma safra de verão está sendo finalizada. Para se ter uma visão geral da cultura da soja nesse ano, a Revista Plantio Direto & Tecnologia Agrícola ouviu agricultores e assistentes técnicos que são referência de alguns municípios do Norte do Rio Grande do Sul para que, baseado em suas observações, fosse feita uma análise técnica para soja em 2016/2017.

Nesse conteúdo registram-se também algumas considerações do engenheiro agrônomo e consultor Dirceu Gassen, de Passo Fundo. Foram consultados para elaboração desse conteúdo: Engenheiro Agrônomo Décio Fernando Neuls, da Vértice Agrícola e Kakau Insumos, Carazinho; Consultor Técnico Marcelo Adona da Agro+, Erechim; Engenheiro Agrônomo Fabiano Paganella da Plantec Agricultura de Precisão, Vacaria; Consultor Felipe Molinari Martins da Agritec - Planejamento Técnico de Gestão Rural, Fortaleza dos Valos; Engenheiro Agrônomo e Agricultor Francisco Souilljee, Ronda Alta e o Gerente Técnico da Coopermil Sérgio Schneider, Santa Rosa.

Última Safra – 2015/2016

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a safra de soja de 2015/2016 no Rio Grande do Sul teve uma área aproximada de 5,4 milhões de hectares, resultando na produção de 16,2 milhões de toneladas da oleaginosa. Nessa mesma safra a produtividade média foi de 2970 kg/ha.

Em comparação, segundo a Emater-RS, a área de soja para a safra de 2016/2017 no estado do RS é de 5,5 milhões de hectares, e estimou-se produção menor do que a anterior, de 15,8 milhões de toneladas, e uma produtividade média de 2800 kg/ha.

Aspectos Gerais da Safra

Nas regiões de Fortaleza dos Valos, Carazinho, Erechim e Ronda Alta, a soja de forma geral foi antecedida principalmente por culturas de cobertura, com destaque para aveia-preta, aveia-branca e nabo, e em poucas ocasiões centeio. Nessas regiões o cultivo de lavouras de inverno não foi tão expressivo, ocorrendo algumas áreas com trigo, aveia e canola principalmente.

Segundo os relatos, no município de Carazinho as culturas para cobertura foram conduzidas com adubação de sistema e aplicação de fósforo na linha de semeadura. Nas regiões de Santa Rosa e Vacaria, estima-se que 65 a 70% das áreas de soja tiveram trigo como cultura antecessora. Com menor expressividade, áreas de cevada, aveias e canola, sendo no restante das áreas foram utilizadas, basicamente, plantas de cobertura, em especial aveias, centeio e também o nabo forrageiro.

O período de plantio relatado ficou de forma geral entre 20 de outubro e 20 de novembro, com algumas variações estendendo o período até a primeira semana de dezembro. Embora em regiões como Fortaleza dos Valos, Santa Rosa e Carazinho tenha sido relatado um maior cuidado na semeadura e na distribuição do estande de plantas, houve também o registro do crescimento exagerado de plantas de soja, caracterizado por plantas muito altas e com grande área foliar, característica que pode reduzir o potencial de produção.

De forma geral, as populações utilizadas foram as recomendadas para cada variedade, ocorrendo aumento da quantidade de sementes por metro em algumas propriedades nos municípios de Carazinho e Ronda Alta. Talvez isso tenha ocorrido em função da previsão inicial de seca para a safra.

Clima

Conforme pode ser observado na figura 1, nos municípios de Passo Fundo, Carazinho, Ronda Alta, Vacaria e Fortaleza dos Valos, o mês de outubro de 2016 foi, em geral, o mês com maior volume de chuva acumulado durante a safra. Com algumas variações, o mês de janeiro de 2017 teve maior volume acumulado de chuvas do que novembro e dezembro.

Em Vacaria, no entanto, o mês de dezembro teve precipitação acumulada maior do que janeiro e no município de Santa Rosa, a distribuição da precipitação foi pouco variável entre os meses, com volume acumulado ligeiramente maior nos meses de outubro e dezembro.

Foi relatada a ocorrência de “manchas” com volume reduzido de chuvas em áreas próximas de municípios como Almirante Tamandaré do Sul e Pontão, além de estiagem na segunda quinzena de janeiro em áreas de Carazinho, na primeira quinzena de janeiro em algumas áreas de Erechim e redução da frequência da precipitação a partir de 10 de janeiro até o final do mês em Ronda Alta.

De modo geral, a distribuição de chuvas auxiliou muito no desenvolvimento da cultura ao longo do ciclo. Caso o padrão de frequência e volume da precipitação no norte do estado permaneça inalterado até o final da safra, a tendência é de que não ocorra a redução do potencial das lavouras por estresse hídrico nesse ano.

Cultivares

A diversidade de materiais nesta safra é bastante grande, com base nas observações dos técnicos consultados, em torno de 20 variedades de soja foram consideradas como de maior expressividade no Norte do Estado. Destacam-se, neste registro, as que foram mais citadas e/ou com maior proporção da área: BMX Elite IPRO, BMX Ativa RR, NA 5909 RG, DM 5958 RSF IPRO, TMG 7062 IPRO.

Ainda com base nessas observações, estima-se que a adoção da tecnologia Intacta nesta safra ficou entre 40- 50%. Segundo o consultor Dirceu Gassen, “quando no início da utilização das cultivares de soja Bt, não tínhamos muito conhecimento sobre as características e o comportamento dessas variedades”.

Ele afirma que estamos utilizando cultivares com crescimento exagerado, plantas muito altas com índice de área foliar (IAF) de 8:1/10:1 (metros quadrados de área de folha para cada metro quadrado de área). O agrônomo afirma ainda, que há necessidade de informação gerada pelas empresas a respeito dos hábitos de crescimento, momento de florescimento, tamanho e população de planta dos materiais mais recentes. De forma geral, deve-se considerar um reajuste da população de plantas nesses materiais. “Há 20 anos, eram utilizadas cerca de 30 a 35 sementes por metro de fileira (60 a 70 plantas/ m²), e se colhia em média 30 sacos/ ha.

Hoje, se utiliza a metade disso, cerca de 12 a 18 sementes por metro de fileira (com espaçamento de 50 cm, são cerca de 25 a 35 plantas/ m²). Com a tecnologia Bt, onde não ocorrem danos por lagartas e o crescimento é mais vigoroso, é possível que o ideal seja um número como 7 a 8 plantas por metro de fileira, ou 15 plantas/m². No entanto, estamos utilizando empiricamente as referências das variedades anteriores. Isso é algo que deve ser estudado no sentido de favorecer o manejo”, afirma Gassen.

Pragas

Na região de Santa Rosa, não houve muitos registros da ocorrência de pragas, com poucas aplicações para controle de percevejos. Já nos Municípios de Ronda Alta, Carazinho, Erechim e Fortaleza dos Valos, registraram casos de percevejo em baixas populações, talvez em função de aplicações precoces. O percevejomarrom (Euschistus heros) foi citado como percevejo de controle mais difícil, sendo que entre os produtos utilizados os mais citados para o controle químico foram:

Acefato, Imidacloprido, Bifentrina, Tiametoxam, LambdaCialotrina e Carbosulfano, usados de forma isolada ou mesclados em diferentes combinações de doses. Áreas plantadas com soja Intacta apresentaram ocorrência de lagartas do gênero Spodoptera. Os assistentes técnicos consultados citaram como ingredientes ativos mais utilizados, de forma isolada ou mesclados em diferentes combinações de doses, para o controle dessas lagartas:

Clorantraniliprole, Metomil, Novalurom e Flubendiamida. Também foi relatada a presença da Helicoverpa armigera em populações baixas e da falsa-medideira (Chrysodeixis includens) que foi a principal lagarta em muitas áreas. Os principais ingredientes citados para o controle químico foram Clorantraniliprole, Teflubenzurom, Bifentrina, Espinetoran, Carbosulfano e Flubendiamida, usados de forma isolada ou mesclados em diferentes combinações de doses, além da utilização de inseticida biológico com Bacillus thuringiensis.

Em Ronda Alta, Carazinho, Vacaria, Fortaleza dos Valos e Erechim foi relatada a ocorrência do Tamanduá da Soja (Sternechus subsignatus), com variação das populações dependendo do município. De forma geral, o controle foi feito com tratamento de sementes utilizando Fipronil ou outros produtos recomendados para essa praga. Com menor ocorrência houve registro da presença de trips, onde foi necessário controle específico. O consultor Dirceu Gassen comenta que com o aumento da área de soja Bt, a presença de lagartas diminuiu nas lavouras e que isso é positivo, pois resulta na redução do uso de inseticidas, não apenas do ponto de vista econômico, mas também do manejo integrado de pragas.

Ao se aplicar o inseticida para uma população de pragas que não está presente, mesmo que aparentemente a prática demonstre resultado, ela causa um desequilíbrio nas populações de insetos benéficos que poderiam controlar naturalmente a população de pragas. Segundo Gassen, houve uma perda da cultura do controle biológico e manejo de pragas, soluções bastante utilizadas na década de 1990.

Com o custo de inseticidas baixo, a aplicação do “cheirinho de piretróide” foi generalizada, e com isso, as populações de pragas foram selecionadas, de forma que cada vez mais populações com níveis elevados de tolerância aos produtos apareceram. Há regiões com problemas de percevejo com taxas de resistência de até 60 vezes a dose recomendada nos anos 80. Com o registro desse fato, somado à proibição de certos inseticidas, podemos estar diante de um possível problema, e da necessidade de reestabelecer estratégias de manejo.

Plantas Daninhas

Dirceu Gassen reforça que o advento da soja RR a partir dos anos 90 foi uma evolução no controle de plantas daninhas. Havia uma diversidade de plantas como Picão-preto, Leiteira e outras que apresentavam dificuldade de controle e as opções de produtos não eram muitas. O Glifosato utilizado na soja RR foi uma solução para todos esses problemas.

No entanto, o produto foi utilizado sem critério, diversas vezes e na mesma área. Isso acabou selecionando espécies de plantas com resistência, e hoje temos no Brasil 5 ou 6 espécies que não são controladas com glifosato. Segundo o consultor, em função disso, os agricultores estão sendo obrigados a retornar às soluções dos anos 70, 80 e 90.

Para Gassen, quando a soja RR passou a ser utilizada de forma generalizada, deveria ser implementado um sistema de rotação no qual, a cada 3 ou 4 anos, se utilizasse soja convencional. Isso ajudaria a interromper o processo de seleção de plantas daninhas resistentes. É necessário fazer a rotação de herbicidas, com diferentes grupos químicos e em áreas diferentes, pois essa é uma estratégia importante para impedir o surgimento de casos de resistência.

Segundo os relatos, as áreas de soja do Norte do Rio Grande do Sul, de forma geral, tiveram como principal planta daninha a buva (Conyza bonariensis), mas em populações que variaram conforme as regiões, havendo locais com ausência de plantas.

Em boa parte das áreas o controle foi feito antes do plantio de soja, com a utilização plantas de cobertura e com dessecações sequenciais (dessecação por volta de 30 a 40 dias antes do plantio, seguida de uma dessecação alguns dias antecedendo o plantio). Os produtos mais citados para a dessecação foram: 2,4-D, Glifosato, Clorimurom, Paraquat e Diquat, além de Saflufenacil e Diclosulam.

Espécies presentes nos relatos dos agricultores e técnicos e citadas como de difícil controle, foram o azevém (Lolium multiflorum) e o Capim-Pé-de-Galinha (Eleusine indica). Além destas, outras espécies comuns do norte do estado e ocorreram em manchas isoladas foram: Leiteira, Poaia, Guanxuma, Picão-preto, Capimbranco, Corda-de-viola, Papuã e Milhã, mas sem, no entanto, apresentar dificuldade de controle.

Após o estabelecimento da cultura da soja, onde foi necessário realizar o controle de plantas daninhas, o único produto utilizado foi o Glifosato, com variação no número de aplicações e, em alguns poucos casos, foi necessário o uso de graminicidas pós-emergentes.

Doenças

Em praticamente todos os municípios a safra foi marcada pela baixa incidência de doenças. A ferrugem asiática não apresentou ocorrências significativas e nos poucos registros sem severidade, ao contrário do que ocorreu nos últimos anos. De forma geral, no Estado, a doença apareceu um pouco mais tarde quando comparadas as últimas safras.

Os relatos registram que as lavouras foram conduzidas com o planejamento de 3 a 5 aplicações de fungicida, variando de área para área, em média com intervalos de 15 dias entre as aplicações, iniciando por volta do estádio V5 a V7, dependendo do município.

Outras doenças como oídio, mancha olho-de-rã, mancha alvo e míldio também foram citadas, porém com baixa incidência, exceto as áreas com cultivares mais suscetíveis e/ou com aplicação de fungicida atrasada. Foi relatado que algumas cultivares apresentaram tombamento inicial em determinadas áreas, assim como podridões de raiz. Na região de Vacaria em específico, o problema com mofo branco foi mais preocupante do que a ferrugem da soja, ocorrendo ataques severos, em especial nas áreas sem histórico claro da doença.

Juntamente com as aplicações com foco na ferrugem, nessa região, foram utilizados ingredientes ativos específicos, como Fluazinam, Procimidona, Dimoxistrobina e Boscalida. Segundo os técnicos consultados, no controle das demais doenças os fungicidas mais utilizados foram as misturas em diferentes doses e concentrações das Estrobilurinas: Trifloxistrobina, Azoxistrobina, Picoxistrobina e Piraclostrobina; dos Triazóis (ou Triazolintiona): Propiconazol, Protioconazol, Difenoconazol, Ciproconazol, Epoxiconazol e Tebuconazol; e das Carboxamidas: Benzobindiflupir e Fluxapiroxade.

Além disso, em praticamente todos os programas de aplicação de fungicida no Norte do Estado, relata-se o uso dos fungicidas multissítio (mancozebe) em praticamente todas as entradas, como forma de assegurar o controle. Para o consultor Dirceu Gassen as previsões climáticas para esse ano agrícola indicavam que haveria alta incidência e severidade da ferrugem. No entanto, estamos finalizando a safra e houveram pouquíssimas ocorrências da doença em comparação com outros anos.

Mesmo que a ferrugem possua um desenvolvimento extremamente rápido a partir da instalação, a severidade de forma geral está baixa, ao contrário do que indicavam os prognósticos. Isso possivelmente em função dos alertas e do controle feito de forma mais eficiente, mais cedo e no momento certo, com produtos eficazes. Ocorreram nessa safra, com incidência considerável, doenças necrotróficas no terço inferior das plantas como Antracnose e Phomopsis.

No entanto, esses fungos possivelmente têm causado certo dano em função do ambiente favorável em que se encontram, devido a derrubada das folhas mais baixas das plantas, ocasionando grande oferta de alimento, umidade e pouca radiação. Ou seja, uma ocorrência que poderia, possivelmente, ser menor com ajuste da população de plantas.

Conclusão

Considerando que o manejo fitossanitário da soja foi bem conduzido, resultando em uma safra com baixa ocorrência de pragas e doenças de forma geral, e que o clima colaborou na distribuição de chuvas ao longo do ciclo, a situação das áreas de soja no Norte do Estado é promissora. Foi unânime nos relatos dos profissionais consultados para a elaboração dessa matéria o prognóstico de uma ótima safra.

Para alguns, uma das melhores safras da oleaginosa no norte do Rio Grande do Sul dos últimos tempos. Considerando, claro, que volume e distribuição de chuvas continue favorável até o final do ciclo.