Novo desafio para o agricultor: manejo de Amaranthus hybridus resistente ao glifosato e ALS no sul do Brasil


Autores: Claudia de Oliveira; Sandra M. Mathioni; Daniel D. Rosa; Eduardo Ozorio; Laércio Hoffmann ; Lúcio Lemes
Publicado em: 28/02/2021

Nos últimos anos, a agricultura brasileira vem enfrentando diversos desafios fitossanitários, dentre eles o aumento de plantas daninhas resistentes a herbicidas, situação que vem elevando os custos de produção e estimulando novos estudos de manejo. O mais novo relato de uma planta daninha resistente que vem causando grande impacto para o agronegócio foi o Amaranthus hybridus com resistência múltipla aos herbicidas glifosato e aos inibidores de ALS (Oliveira et al, 2019).

O gênero Amaranthus compreende cerca de 70 espécies distribuídas principalmente nas regiões tropicais e subtropicais do mundo. Nesse gênero são observadas tanto plantas monóicas como dióicas. Cerca de 20 dessas espécies são consideradas plantas daninhas, causando redução da produtividade das culturas e afetando a qualidade dos grãos.

A redução na produtividade, devido à competição com plantas de caruru, pode chegar a 50% no milho, 68% na soja e 70% no algodão (Gossett et al. 1992; Klingaman e Oliver 1994; Vizantinopoulos e Katranis 1998).

As plantas conhecidas no Brasil como caruru-roxo, caruru-bravo ou simplesmente caruru, originárias da América do Sul, eram classificadas como pertencendo à espécie A. quitensis até certo tempo atrás, contudo estudos mostraram que não havia diferenças genéticas ou morfológicas que justificassem a separação destas espécies, com relação à espécie originária da América do norte e central conhecida como A. hybridus. Assim, foi convencionado identificar todas plantas com tais características como A.

hybridus, independente da procedência (Kole, 2011).

Amaranthus hybridus é uma planta anual, herbácea, com caule ereto, que apresenta grande variabilidade de cores, desde o verde até o vermelho-púrpura. As folhas são simples, lanceoladas, dispostas de forma helicoidal, com inflorescências apresentando flores masculinas e femininas, sendo portanto uma espécie monóica (Kissmann & Groth, 1999).

Por se tratar de uma planta com rota fotossintética C4, tem grande capacidade de competição por água, luz e nutrientes e apresenta crescimento rápido. A identificação no campo dessa espécie pode ser difícil devido à similaridade entre as espécies dentro do gênero Amaranthus e ainda à capacidade que estas têm em se adaptarem a diferentes ambientes, muitas vezes mudando suas características morfológicas (Figura 1).

No mundo, já foram relatados 32 casos de resistência em A. hybridus, distribuídos em 11 países. Estes casos foram reportados a 5 diferentes modos de ação: Inibidores da ALS, EPSPS, PROTOX, fotossistema II e mimetizadores de auxinas (Heap et al., 2020). Na América do Sul há casos relatados na Argentina, Bolívia e Brasil.

Na Argentina, país onde a espécie é responsável por prejuízos significativos, o primeiro relato de resistência aconteceu em 1996, relacionado a herbicidas inibidores de ALS. No ano de 2013 foram observados os primeiros casos de resistência a glifosato e em 2014 o primeiro relato de resistência múltipla a glifosato e ALS.

Em 2016 foi reportada a resistência aos herbicidas mimetizadores de auxina (2,4-D e dicamba), bem como casos de resistência múltipla a glifosato e auxínicos. Atualmente estima-se que 20 milhões de hectares no país sejam afetados pela presença de caruru resistente (Aapresid, 2020), o que fez com que os produtores adotassem novas práticas de manejo, como a intensificação do uso de herbicidas pré-emergentes.

No Brasil, o primeiro relato de A. hybridus resistente foi em 2018, sendo um caso de resistência múltipla a glifosato e clorimuron, identificado no município de Pelotas, no Rio Grande do Sul (Oliveira et al, 2019). Nos ensaios de curva de dose-resposta para glifosato, observou-se o fator de resistência de 182 e que doses acima de 46.000 g e.a./ha de glifosato (64 vezes a dose recomendada em bula) não controlaram as plantas da população resistente (Figura 2).

Já para clorimuron, o fator de resistência ficou em torno de 80 e a dose de 320 g i.a./ha (16 vezes a dose recomendada em bula) não controlou as plantas da população resistente. Os resultados demonstram que a população estudada tem um alto nível de resistência a ambos os herbicidas (Figura 2).

O mecanismo de resistência para o herbicida glifosato, nessa população, foi identificado como sendo uma substituição tripla no gene EPSPS, conhecida como TAP-IVS. Essa mesma mutação foi identificada em populações de A. hybridus na Argentina (Perroti et.al, 2019). Esse mecanismo de resistência explica a alta tolerância que as plantas resistentes têm ao glifosato.



Desde o primeiro relato, o número de áreas com falhas de controle de caruru a glifosato e inibidores de ALS vêm crescendo, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, mas também já foram identificadas áreas em Santa Catarina e em São Paulo (Penckowski et al., 2020). A dispersão rápida de caruru resistente pelo país preocupa produtores e pesquisadores, que buscam maneiras eficientes de controle, evitando assim prejuízos.

A alta infestação das áreas e rápida dispersão do A. hybridus podem ser explicados, em parte, pela grande produção de sementes desta espécie, sendo que uma única planta pode produzir de 200 a 600 mil sementes. As sementes são pequenas e esféricas e não apresentam estruturas de dispersão (Figura 4), mas podem ser facilmente dispersas no momento da colheita da cultura.

A dinâmica do fluxo de emergência dessa planta daninha é um fator que dificulta o seu controle. Levantamentos realizados na Argentina demonstram que dependendo da temperatura e umidade, a emergência do A. hybridus pode ocorrer de setembro a abril (Aapresid, 2020). Conhecer o fluxo de emergência é importante para escolher o manejo químico adequado a ser adotado, uma vez que podem existir plantas de diferentes estádios de desenvolvimento na lavoura.

A emergência desuniforme também torna o uso de herbicidas pré-emergentes indispensáveis no manejo eficiente de A. hybridus. O uso de pré-emergentes é importante, pois permite a rotação de diferentes mecanismos de ação, diminui o banco de sementes e ainda reduz a competição inicial, permitindo que a cultura se desenvolva no limpo ou que ocorra um menor fluxo de emergência e menor pressão de plantas daninhas para complementação com o herbicida pós-emergente.


Na soja, um manejo químico adequado de caruru resistente inclui as seguintes etapas:

Dessecação da área (pré-semeadura) que pode ser feita por uma aplicação, por exemplo, de 2,4-D seguida da aplicação de herbicidas de contato como diquat ou glufosinato de amônio.

Uso de herbicidas pré-emergentes, que devem ser escolhidos com base nas características do produto e do ambiente como: interação com o solo, relação com a palhada, umidade do solo, seletividade para a cultura da soja e potencial de carry-over (resíduo para a cultura subsequente). Como algumas opções, temos o S-metolachlor, sulfentrazone, trifluralina, clomazone e metribuzin.

Aplicação na pós-emergência da cultura, que em cultivares de soja disponíveis no momento no Brasil, se tem como opções os herbicidas inibidores da PROTOX (fomesafen e lactofen). Para o uso dos herbicidas em pós-emergência é importante sempre respeitar a indicação de estádio de aplicação da planta daninha, além do uso dos adjuvantes recomendados.

Na cultura do milho, para controle de caruru resistente a glifosato e inibidores da ALS, também devem ser realizadas aplicações tanto em pré quanto em pós-emergência da planta daninha. Como herbicidas residuais, as opções são atrazina, S-metolachlor e trifluralina, sendo que atrazina pode ser aplicada tanto em pré quanto em pós-emergência do milho. Em pós-emergência pode-se utilizar, por exemplo, o herbicida mesotrione e associações como atrazina + mesotrione.

É importante lembrar que o manejo químico não será eficiente para o controle de caruru resistente se adotado isoladamente. Assim, segundo o HRAC-BR (2020), para um manejo eficiente de espécies resistentes devemos adotar as práticas apresentadas no Quadro 1.

Referências

AAPRESID. Asociación Argentina de Productores en Siembra Directa. Disponível em: < https://www.aapresid.org.ar/>. Acesso em: 30 out. 2020.

GOSSETT, B.J.; MURDOCK E.C; TOLER J.E. 1992. Resistance of Palmer amaranth (Amaranthus palmeri) to dinitroaniline herbicides. Weed Technol. 6,587-591.

HRAC-BR. Comitê de Ação a Resistência aos Herbicidas. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2020.

HEAP, I. International survey of herbicide resistant weeds. Disponível em: . Acesso em: 06 nov. 2020.

KISSMANN, K. G.; GROTH, D. Plantas infestantes e nocivas. 2.ed. São Paulo, SP. BASF, 1999. v.2. 978 p.

KLINGAMAN, T.E.; OLIVER, L.R. 1994. Palmer amaranth (Amaranthus palmeri) interference in soybean (Glycine max). Weed Sci. 42,523-527.

KOLE, C. 2011.Wild Crop Relatives: Genomic and Breeding Resources. Heidelberg, Dordrecht, London: Springer, 11-22p.

OLIVEIRA, C; MATHIONI, S. M.; LEMES, L.; OZÓRIO, E.; JAUER, A.; ALTMANN, T.; FACCO, M.; BARTZ, E.; ROSA, D. D. 2019. População de caruru (Amaranthus hybridus) resistente ao glyphosate são encontradas no Rio Grande do Sul. Sociedade Brasileira de Plantas Daninhas. Boletim Informativo. v. 28, p. 24-25.

PENCKOWSKI, L.H.; MASCHIETTO, E.H.G.; BORSATO, E.F.; ADEGAS, F.S.; MOREIRA, L.S.O.; BIANCHI, M.A.; RIZZARDI, M.A.; Jr. OLIVEIRA, R.S.; DORNELLES, S.H.B. (2020). Como controlar planta daninha resistente ao herbicida glifosato. Revista Cultivar. Março. Pag. 14.

PEROTTI, V.E.; LARRAN, A.S.; PALMIERI, V.E.; MARTINATTO, A.K.; ALVAREZ, C.E.; TUESCA, D.; PERMINOGEAT, H.R. 2019. A novel triple amino acid substitution in the EPSPS found in high-level glyphosate resistant Amaranthus hybridus population from Argentina. Pest Manag. Sci. 45,1242-1251.

VIZANTINOPOULOS, S.N.; KATRANIS, N. 1998. Weed management of Amaranthus spp. in corn (Zea mays). Weed Technol. 12,145-150.